Em seu auge, o Megaupload possuía 50 milhões de usuários ativos, que, juntos, compartilhavam diariamente mais de 12 bilhões de arquivos. No entanto, esse império não durou muito tempo — em janeiro de 2012, o FBI fechou o domínio oficial do site, prendeu sete pessoas relacionadas a ele e apreendeu US$ 50 milhões em bens.
No entanto, o principal nome do serviço de compartilhamentos, Kim Dotcom, permaneceu longe das grades. Graças a uma série de ações ilegais ocorridas durante uma incursão à sua casa na Nova Zelândia, Dotcom manteve sua liberdade e atualmente se dedica a “lutar pela liberdade” através de redes sociais enquanto os tribunais decidem se ele vai ser extraditado para os Estados Unidos.
A história do fundador do Megaupload é bastante diferente daquela de Andus Nõmm, responsável por programar o sistema de publicidade do serviço de compartilhamento. Depois de tentar lutar contra o governo norte-americano, ele estabeleceu um acordo que lhe rendeu 10 meses e meio preso, com três anos adicionais de liberdade vigiada.
Em uma entrevista concedida ao semanário estoniano Eesti Ekspress (traduzida pelo site Ars Technica), Nõmm contou parte de sua saga e esclareceu os motivos para ter se rendido aos EUA. Entre relatos de sua prisão e do tempo que passou atrás das grades, ele também emite um alerta: Kim Dotcom não está lutando pela liberdade, mas sim tentando beneficiar a si próprio.
Sobre o processo de extradição
Inicialmente, Nõmm lutou contra a extradição na Holanda por não entender os motivos pelos quais estava sendo perseguido. Segundo ele, o FBI afirmava que o programador havia feito o upload e o download de arquivos para o Megaupload, o que seria suficiente para prendê-lo — algo que ele admite ter feito durante os testes das ferramentas que ajudou a programar.
Andrus Nõmm
“Eu não sabia o que ia acontecer comigo caso fosse aos Estados Unidos. A pena máxima para as 13 acusações seria de 55 anos na prisão”, explica Nõmm. “A Holanda queria que eu trabalhasse. Eu não tinha nenhum dinheiro porque minhas contas na Turquia e em Hong Kong haviam sido apreendidas e o Governo dos EUA confiscou US$ 40 mil delas. O FBI me colocou na lista negra, o que significa que eu não poderia transferir meus ganhos para um banco. Eu tinha que transferir meu salário para a conta de um amigo”.
Após duas trocas de advogado, o programador concordou em se reunir com representantes do FBI em Amsterdã para discutir sua entrega voluntária. “Eu tinha a chance de lutar por mais 10 anos e 0,00001 % de chance de vencer nos tribunais, vivendo semana a semana preocupado com como iria sustentar minha família. Eles iriam me extraditar mais cedo ou mais tarde e eu seria duramente punido; eu provavelmente teria que passar de 5 a 10 anos atrás das grades”.
Eu tive que ser feito de exemplo para todas as pessoas de TI que trabalhavam em companhias semelhantes
“Eu decidi um procedimento mais curto. Me declarei culpado do crime de uso indevido de propriedade intelectual e fiz um acordo com os promotores para ficar na prisão durante um ano. Todas as grandes acusações, como a lavagem de dinheiro, foram abandonadas porque eu não era o dono da companhia”.
Segundo Nõmm, ele também teve que assinar que estava ciente de acusações como o fato de que o Megaupload não fazia o suficiente para retirar arquivos ilegais de seus servidores. “Se alguém tinha alguma dúvida, Kim sempre o acalmava e dizia que não havia com o que se preocupar. Eu tive que ser feito de exemplo para todas as pessoas de TI que trabalhavam em companhias semelhantes”.
“Acontece que eu fui o único acusado nos últimos 29 anos a ir voluntariamente da Holanda para os Estados Unidos. Me pediram que fosse à delegacia 24 horas antes. Lá eu fui empurrado para uma cela com todos os outros criminosos. Como eu estava jogando games e falando com meus amigos do nascer ao pôr do Sol por dois a três dias, eu estava tão cansado que dormi imediatamente”.
Falta de direitos
Ao chegar à terra do Tim Sam, o programador foi conduzido a um centro de detenção de Virgínia, onde passou algumas semanas — experiência que ele afirmou ser “pior que a prisão”. Segundo ele, não havia colchões, livros ou qualquer tipo de distração no local e ele tinha que dividir sua pequena sela com um homem que havia sido pego dirigindo bêbado.
A imagem que aparecia no Megaupload após ele ser confiscado pelo FBI
“A Virgínia é um estado militarista e suas cortes têm as leis mais duras. Se você quer fazer algo errado, faça isso em outro lugar. Aconteceu na corte que o acordo que assinei na Holanda havia desaparecido. Eu fui forçado a assinar um papel com acusações que não havia confessado — por exemplo, a alegação que eu sabia que o Megaupload estava ganhando milhões”.
Se você traz problemas, você passa pelo que chamam da ‘terapia do diesel’
Nõmm afirma que os promotores estavam tentando vencê-lo pelo cansaço, adiando seu julgamento por diversas vezes. Ele também afirma que os tribunais usavam “inglês muito específico” e que não houve qualquer preocupação em fornecer a ele um intérprete mesmo que seu idioma nativo fosse diferente.
Condenado a um ano e um dia de prisão, o programador não foi levado diretamente ao local em que cumpriria pena. “Eles nunca mandam você direto para onde deve ir. Você passa por diversas outras prisões antes. Se você traz problemas, reclamando ao juiz que seus direitos estão sendo violados, você passa pelo que chamam da ‘terapia do diesel’. Eles jogam você de uma prisão para outra como uma bola de pingue-pongue”.
O tempo na prisão
Nõmm afirma que passou a maior parte de seu tempo na prisão lendo livros — quatro ou cinco por semana — e assistindo às “estúpidas séries de televisão americanas”. “Eu tive aulas de espanhol e chinês. Nenhuma delas ficou, mas ao menos isso consumiu algum tempo. Também tive uma aula de energias alternativas; um dos prisioneiros era ex-dono de uma companhia de energia verde gigantesca. Em minhas última semanas também dei alguns cursos de computação. Falei sobre como fazer um site e explique o que era HTML, essas coisas”.
Fundador do Megaupload, Kim Dotcom é conhecido pela vida repleta de excessos
O programador afirma que não havia computadores no local, o que o obrigou a ensinar tudo isso usando somente papel e caneta. “Alguns dos homens estavam na cadeia havia 20 anos. Havia jamaicanos, eslavos e grupos de pessoas que falavam espanhol”, explicou.
“A Estônia era o único país que não dava a seu povo qualquer suporte. Todos os demais países dava a seus prisioneiros ao menos algum troco. Até mesmo 10 a 20 euros seriam uma grande ajuda, porque você não recebe nem sabão normal gratuitamente por lá, isso sem mencionar o shampoo. Você ganha pasta de dente com validade de 2005 e duas toalhas de 20 x 40 cm para todo seu corpo que devem ser usadas por meio ano. Mas há uma loja, e se você tem dinheiro pode comprar tudo. Alguns amigos e familiares me mandavam dinheiro.”
Sobre Kim Dotcom e liberdade
Ele garante que Kim Dotcom não providenciou nenhuma ajuda — nem mesmo quando o programador estava na Holanda. “Kim continua falando sobre como ele ajuda todo mundo e é um grande lutador da liberdade, mas a realidade é diferente. Ele sempre esteve interessado no bem-estar de somente uma pessoa, e ela é o próprio Kim. Conforme o tempo passou, eu percebi mais claramente que estava lutando sozinho”.
“Ele me ligou dois ou três meses depois de tudo começar, mas não nos comunicamos desde então”, explicou Nõmm. “Eu sei quanto dinheiro eles estavam desperdiçando na companhia, e meu salário não valia fazer o trabalho naquele último ano. Kim me ofereceu 1 milhão de dólares como opção se ele um dia vendesse a companhia. Naquela época eu acreditei nele”.
Uma foto recente de Nõmm
Embora Dotcom tenha afirmado publicamente que entende os motivos pelos quais o programador admitiu sua culpa e cumpriu uma pena, Nõmm afirma que nada disso é sincero. “Ele só está dizendo isso para melhorar sua imagem. Ele até tentou entrar para a política na Nova Zelândia para vencer as eleições e mudar as leis para que ele não possa ser extraditado”.
Kim só está interessado em Kim. O show que ele dá online não é o verdadeiro Kim
“Ele entende que as mídias sociais têm uma influência massiva. Uma guerra civil dentro do Megaupload não está em seus interesses. Ele é esse mártir, esse lutador da liberdade... Ele ainda vai parar nos Estados Unidos. Ele provavelmente vai sacrificar todos os outros. Kim só está interessado em Kim. O show que ele dá online não é o verdadeiro Kim”.
Nõmm não se considera uma pessoa mudada pela prisão, que considera algo muito próximo a uma detenção escolar. No entanto, ele afirma ter menos confiança em assuntos de estado, especialmente aqueles relacionados a países grandes. “Eu vi o lado negro da democracia americana em toda sua glória. Muitas pessoas acreditam que é alguma espécie de paraíso. Na verdade é só um grande sistema. Os Estados Unidos, China, Rússia — escolha seu preferido”.
Atualmente em liberdade e “100% livre do FBI”, o programador afirma estar tentando fazer sua vida voltar ao normal. Atualmente, sua maior prioridade é pagar as dívidas que contraiu durante o tempo em que passou preso, já que o banco e seus amigos “não ligam se eu estive em outro país durante um tempo e não podia pagar minhas contas”.
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