A PC World publicou, na última semana, um artigo em que o editor Robert Strohmeyer anunciava a morte do Linux nos desktops. De acordo com o autor, embora o sistema seja muito estável e confiável, ele simplesmente não consegue conquistar o consumidor final, aqueles que usam o computador para tarefas diárias, como navegar na internet, assistir a filmes e jogar o lançamento do ano.
Strohmeyer não brada à toa. De acordo com pesquisas divulgadas pela empresa californiana Net Applications, o Linux ocupa menos de 1% do mercado de sistemas operacionais usados em desktops. Se analisarmos os relatórios publicados durante este ano, o Linux tem como melhor resultado o mês de maio, quando ocupa uma fatia de 1,13% do mercado. Em setembro, a situação piora: 0,85%.
De acordo com a pesquisa, no mês passado tivemos mais pessoas acessando a internet através do iPhone do que com o Linux. E esse índice baixo não aparece só este ano. Se pesquisarmos a evolução do Linux de dezembro de 2008 para cá, notamos que a marca mais alta foi de 1,17%, em maio de 2009, de acordo com o site da Net Applications:
Fonte: Net Applications
De acordo com Strohmeyer, o Linux perdeu a grande chance de se mostrar como uma alternativa viável para o consumidor final. Com a aparição de distribuições fáceis de instalar e de usar, como o Ubuntu, o mercado começou a dar mais atenção ao sistema. A disponibilidade de drivers atingiu um nível satisfatório, aumentando a compatibilidade do sistema com hardware e periféricos.
Além disso, grandes fabricantes, como a Dell, passaram a oferecer o Linux como uma opção de sistema pré-instalado em suas máquinas. O reinado do pinguim também parecia inquestionável se levássemos em conta a insatisfação geral com o Windows Vista e a presença do Linux nos lançamentos de netbooks.
Porém, talvez por ainda não oferecer uma usabilidade satisfatória em produtos como o eeePC, por exemplo, o Windows acabou entrando no mercado de netbooks. Além disso, os usuários que estavam insatisfeitos com o Vista mantiveram-se na mesma plataforma, voltando para o Windows XP.
Quais são as causas?
A explicação de Strohmeyer para a queda do Linux nesta área é bastante coerente. De acordo com o autor, o Linux não falhou porque é muito difícil de ser usado ou por ser feito “apenas para nerds”. O Ubuntu já contestou este mito e vem sendo elogiado pela imprensa especializada até hoje, principalmente no quesito usabilidade.
De acordo com Robert, o Linux perde na falta de conteúdo. E essa falta se deve a dois fatores: a fragmentação da plataforma Linux e a ideologia ferrenha da comunidade. Nos dias de hoje, é inconcebível que um sistema para desktop apresente dificuldades extras na hora de tocar um DVD ou de exibir conteúdo digital via streaming, por exemplo.
Não é difícil constatar isso. Basta lembrarmos o antigo caso do Content Scrambling System (CSS), um sistema de criptografia criado pela 4C Entity, para evitar que usuários conseguissem fazer cópias ilegais dos discos.
Com essa tecnologia, um fabricante ou desenvolvedor de DVD player precisa comprar uma licença através da DVD Copy Control Association (CCA), para que o seu produto seja capaz de ler os discos. Sem uma empresa interessada em desenvolver um player para Linux, pagando a licença para a DVD CCA, a saída foi a engenharia reversa do algoritmo e o desenvolvimento de um software, considerado ilegal, que quebrasse essa criptografia, o famoso DeCSS.
Os DVDs comerciais são apenas uma parte do problema. A maior parte das distribuições não traz suporte por padrão para arquivos no formato MP3, DiVX, MOV, RMVB, Flash, e outros.
Existem diversas razões para isso. Para começar, existem distribuições que se baseiam apenas em softwares livres, evitando a inclusão de qualquer programa proprietário no sistema. Além disso, alguns softwares não podem ser distribuídos em alguns países, devido a patentes e outros direitos de propriedade intelectual. Se a distribuição tem uma plano de alcance global, precisa levar isso em consideração antes de incluir tais pacotes.
Porém, mesmo que a distribuição queira pagar pelo direito de oferecer o suporte para o formato de arquivo patenteado, ela pode encontrar obstáculos. A maioria das empresas ou consórcios responsáveis por esse tipo de licenciamento organizam seus negócios com base no número de cópias vendidas do software ou dispositivo que suportará tal formato. Com o Linux e outros softwares livres, esse modelo não pode ser aplicado, já que o direito à cópia é uma das liberdades defendidas pela licença em que o programa é liberado.
A saída adotada por boa parte das distribuições é oferecer os pacotes que infringem patentes em um repositório alternativo, deixando a decisão de instalar o software por conta do usuário. Essa estratégia tem sido usada há um bom tempo, mas provavelmente não é a solução mais prática para o consumidor final.
Em defesa do pinguim!
Katherine Noyes foi uma das pessoas que partiu para defender a presença do Linux no desktop, também através de um artigo na PC World. De acordo com a autora, um problema com esse tipo pesquisa é que elas medem o sucesso de um sistema operacional de acordo com o número de cópias vendidas, mas, como já abordamos neste artigo, isto não se aplica ao Linux, que normalmente é baixado livremente, sem transação de vendas.
No caso da pesquisa apresentada pela Net Applications, os dados são coletados através dos navegadores web dos visitantes de sites que usam o serviço de estatísticas da empresa. Porém, Noyes continua sua defesa com números de adoção ao Linux por parte do mercado corporativo, onde, de acordo com uma pesquisa feita pela Linux Foundation, 36,3% das grandes empresas usam o sistema iniciado por Linus Torvalds em seus desktops. Além disso, 11,5% das empresas estão planejando adotá-lo como sistema operacional.
Ainda de acordo com a mesma pesquisa, as três principais dificuldades para a adoção do Linux no ambiente corporativo são a disponibilidade de drivers (39,4%), interoperabilidade com outras plataformas (38,9%) e falta de mão de obra especializada para mantê-lo (38,3%).
Noyes também questiona a pesquisa da Net Applications com outra, da W3Counter, em que a fatia do mercado de usuários Linux consta como 1,5% em setembro deste ano, e também cita as pesquisas da Wikimedia, onde o Linux aparece como 1,9%, e da OReilly, que estima a fatia do Linux em 10%.
Outro ponto defendido por Noyes é o aparecimento do Ubuntu, que vem resolvendo problemas graves de usabilidade desde o seu surgimento. O grupo de usuários da Austrália, por exemplo, vê a distribuição como uma das principais ferramentas para o sucesso do Linux, apontando a adoção do sistema por parte de escolas e agências governamentais australianas.
Mas a autora sabe que o sistema ainda tem muitos desafios para enfrentar, como a fragmentação do Linux e os esforços de marketing praticamente inexistentes, principalmente se comparados com os da Microsoft ou Apple.
Outra fonte de estatísticas bastante popular no mundo Linux vem do site DistroWatch.com. Lá é possível saber quantos hits por dia recebem as páginas fornecidas pelo site para cada distribuição. Em setembro deste ano, por exemplo, a página dedicada ao Ubuntu recebeu cerca de 2848 visitas diárias. A distribuição financiada pela Canonical, empresa de Mark Shuttleworth, é, de longe, a mais popular no ranking do site.
O caso OpenOffice.org
Indispensável para o desktop de qualquer sistema operacional está a suíte de aplicativos para o escritório. O OpenOffice.org é a principal alternativa livre para quem busca este tipo de software e, recentemente, também começou a enfrentar uma espécie de crise.
Subsidiado pela Sun, o desenvolvimento do OpenOffice servia de base para a sua contraparte comercial, o StarOffice, que adiciona algumas funções extras, como fontes, clip arts e modelos adicionais de documentos, para transformá-lo em uma solução proprietária.
Fonte: OpenOffice
Depois da compra da Sun pela Oracle, algumas regras mudaram nesse cenário. Para começar, o plugin ODF para Microsoft Office, que era distribuído gratuitamente e permitia que o Word trabalhasse com documentos produzidos pelo Writer, agora tem o custo de US$ 90 por usuário. E nada é tão ruim que não possa piorar: a quantidade mínima para o pedido é de cem unidades, o que transforma um plugin que era gratuito em um produto de 9 mil dólares.
Embora ainda continue a apoiar o OpenOffice, a Oracle revelou a intenção de comercializar uma versão do OpenOffice.org que funciona na nuvem, ou seja, online e sem usar o armazenamento ou processamento da máquina do usuário para funcionar.
Em 28 de setembro deste ano, foi anunciado um fork, ou seja, uma divisão, no time do OpenOffice. Alguns desenvolvedores criaram a The Document Foundation, uma organização opensource que ajudará a desenvolver e manter o LibreOffice, uma versão independente e mantida pela comunidade de desenvolvedores, sem a influência da Oracle. A iniciativa já conta com o apoio de grandes empresas, como a Red Hat, Google, Canonical e Novell.
A Oracle respondeu à iniciativa com um pedido de afastamento dos envolvidos com o fork da comunidade do OpenOffice. Enquanto isso, a versão 3.3 Beta do OpenOffice.org já foi lançada e, o lançamento da versão final, continua sem data definida.
Por falar em nuvem...
Há quem diga que os esforços empregados no desenvolvimento de sistemas para o desktop estão sendo em vão, já que o futuro está em dispositivos móveis e nas tecnologias web. Pode ser que o Linux tenha uma nova chance de se recuperar, proporcionando aos usuários uma experiência online cada vez melhor.
O duelo entre as aplicações desktop e as que estão na nuvem, ou seja, que podem ser usadas online, já começou. Editores de texto, planilhas eletrônicas, editores de imagem são apenas alguns exemplos das aplicações que já são fornecidas dessa forma.
Graças a isso, e ao crescente uso do iPhone e de outros dispositivos móveis, essas aplicações tendem a ganhar ainda mais espaço. Com o estabelecimento do HTML 5, o cenário vai ficar ainda mais propício para que o Linux conquiste seu espaço, eliminando o problema da falta de conteúdo.
Triste é saber que o sistema, se prosperar nesse cenário, conquistará espaço não pelos seus méritos, mas pela obsolescência dos sistemas operacionais nos desktops.
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