Como a empresa que patenteou o LCD perdeu sua criação

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A história começa em pelo menos 1888, com uma cenoura. E não. A leguminosa laranjada não criou a tecnologia LCD. A verdade é que o composto Cholesteryl benzoate, extraído – aí sim – da cenoura, inspirou estudos norte-americanos e alemães que, a partir da segunda metade do século XIX, dariam os primeiros impulsos nas pesquisas sobre as propriedades ópticas dos “cristais líquidos”.

Então o “cristal líquido” é feito de cenoura, certo? Errado. Um elemento presente também no prato favorito do coelho orelhudo da Warner Bros. é que reage de um jeito curioso quando aquecido aos 178,5 °C: o líquido fica transparente quando quente. Pelo menos foi isso o que descobriu um cientista de Praga, Friedrich Reinitzer, há mais de 100 anos.

Quando aquecido, o Cholesteryl benzoate fica transparente. Essa descoberta tem mais de 100 anos.
(Fonte da imagem: The David Sarnoff Library)

A relação entre experimentos envolvendo cenoura e o domínio futuro da tecnologia LCD se deu por meio de pesquisas, sobretudo, alemãs (esses estudos são responsáveis por mais de duas centenas de artigos sobre a “refração de luz polarizada” nos idos de 1900).

Eis que precisamente em setembro de 1967 três homens testemunham o que estaria por habitar os bolsos de quase toda uma população poucas décadas depois: a projeção digital de imagens.

E foi assim que o legado da RCA, companhia norte-americana que introduziu os aparelhos de televisão no mercado, começou a ruir. O surgimento de empresas concorrentes no ramo dos projetores de imagens fez da indústria da tecnologia dos anos 70 um palco marcado por desavenças profissionais entre as grandes mentes.

Um encontro, uma foto e um longo suspiro

A data que inaugura os tempos de pesquisas árduas sobre a tecnologia LCD é justamente o ano de 1967. Reunidos em uma sala mal ventilada no departamento de desenvolvimento da RCA, Richard Klein e Lawrence Murray, engenheiros especializados na transmissão de luz saídos de Somerville, ficaram boquiabertos ao ver a projeção digital de horas em um protótipo de relógio.

A tela de LCD primitiva funcionou durante o tempo de um flash. (Fonte da imagem: The David Sarnoff Library)

“Os números ficaram acesos tempo suficiente para bater a foto. Depois, se apagaram”, disse George Heilmeier, engenheiro elétrico da RCA. O encontro dessas três grandes mentes selou uma relação tão áspera quanto produtiva. E apenas a entrada de um quarto elemento nesse grupo decretaria de vez o nascimento, de fato, dos estudos e debates sobre a tecnologia LCD.

As ideias de Richard Williams, datadas de 1962, auxiliariam Heilmeier a formular um conceito mercadológico para a modulação de luz; seria possível comercializar aparelhos de projeção digital de imagens. O projeto parecia promissor, tanto que, alguns meses depois da demonstração do protótipo de relógio LCD, a RCA criou um departamento autônomo de pesquisas sobre o “cristal líquido”.

 Crise

A tecnologia de modulação da luz, já nos seus primeiros momentos de existência, trouxe consigo alguns problemas. Parte deles era de ordem estritamente técnica: o LCD se mostrava instável e oscilava demais e de forma aleatória quando estimulado por eletricidade.

Os interesses dos pesquisadores também custavam a se entender, pois, enquanto o projeto de Williams visava a aplicação, por exemplo, militar desta tecnologia, Heilmeier buscava a implantação do produto no mercado.

George Heilmeier, engenheiro elétrico da RCA, no laboratório de Princeton.
(Fonte da imagem: The David Sarnoff Library)

Em 1969, a RCA transferiu a “operação cristal líquido” para um armazém em Raritan (Nova Jersey). A equipe foi reduzida a menos da metade, e não havia mais aquela esperança dourada de outrora no projeto.

Os esforços de Klein mostravam-se insuficientes, até que, no mesmo ano, os pesquisadores foram forçados e procurar financiamentos externos (Ashley-Butler, Veeder Root Co. e Jervis Corp foram empresas que compraram parte dos serviços incertos do grupo de cientistas).

A venda do setor de computadores da RCA pelo valor de US$ 490 milhões em 1971, somada à entrada de Norman Freedman na chefia do projeto dadas as capacidades defasadas de gerenciamento de Murray, causou muita tensão entre todos os colaboradores.

Protóripo de LCD elaborado em 1973 pela RCA. (Fonte da imagem: The David Sarnoff Library)

Em 1976, a “operação cristal líquido” acabou sendo vendida para a empresa Timex. Mas a data que finda a existência da RCA é o ano de 1986, quando a empresa foi comprada pela General Eletric.

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Logo na década de 1970, corporações japonesas começaram a invadir o mercado das telecomunicações norte-americano. A tecnologia do cristal líquido logo seria tomada por empresas como Sharp, Seiko e Sony. Hoje, o LCD movimenta uma indústria multibilionária (é o caso das companhias do Japão, Coreia do Sul e Taiwan). Os esforços de todo batalhão intelectual envolvido nos estágios iniciais dessa tecnologia, no entanto, foram “esquecidos” com o fim da RCA.

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