“Eu já estava cansada dessa vida de corna de trabalhar até às 10h da noite de segunda à sábado com fatura de cartão atrasada, conta de luz atrasada, aluguel atrasado e prestes a ser despejada. Fora que há meses eu não sabia o que era ir em um salão, unha quebrada, com o cabelo todo frisado, parecendo uma juba. Foi então que decidi perguntar para a minha amiga como ela estava conseguindo viver aquela vida luxuosa mesmo sem trabalhar. Ela me ligou e contou que estava usando um aplicativo que contava com milhares de homens que pagavam para conversar com mulheres” , narra uma jovem bonita e loira identificada como Alana, em um vídeo promovido em um site.
Ela está apresentando uma suposta nova modalidade para ganho de dinheiro: o Meu Velho Rico. O nome esdrúxulo — porém intuitivo — do negócio mostra exatamente o que ele é: um sistema que promete a mulheres de 18 a 55 anos pagamentos recorrentes de homens mais velhos e cheios de grana.
Para ter os ganhos, a única coisa que a mulher precisa fazer é conversar com os velhos ricos. E a promessa é esta mesma, as interessadas terão somente que trocar mensagens com os coroas e, em troca da atenção, receberão Pix de “R$ 200, R$ 400, R$ 1 mil e mais” , afirma Alana.
Alana é uma jovem que promete ganhos incríveis com um aplicativo europeu secreto.
O site da plataforma informa que o “aplicativo virou febre entre as mulheres” e conta até com supostos depoimentos de pessoas que lucraram com a ideia. “Gente é surreal mesmo, eu entrei no app”, diz o perfil de uma suposta Juliana Alvarenga.
“Gente eu entrei pela indicação de uma amiga, e hoje fiz meus primeiros 700. Eles pagam mesmo, tô muito feliz. Para quem trabalhava como empacotadora de supermercado isso é muita coisa em um dia”, diz a captura de tela de uma suposta jovem identificada como Hanna Larissa.
A página do Meu Velho Rico tem capturas de tela de supostos depoimentos de mulheres que ganharam dinheiro com o esquema.
O convencimento para que as mulheres entrem no negócio, porém, está em um vídeo de mais de 10 minutos. A gravação, que conta com o trecho narrado por Alana no primeiro parágrafo deste texto, tem uma série de momentos icônicos que tentam fisgar a curiosidade de quem quer uma nova fonte de renda.
Apresentando o esquema
O início do vídeo narrado por Alana começa mostrando uma suposta transferência de R$ 1.618. A apresentadora informa que esse foi “apenas um dos Pix que recebi apenas para mandar um 'oi' para um velho rico" por meio do WhatsApp, em texto. “É isso mesmo, eu vou te mostrar nesse vídeo como homens bem-sucedidos, os famosos velhos ricos da lancha, adoram enviar Pix para mulheres”, acrescenta.
Depois do resumo, duas garotas aparecem para reforçar que o esquema realmente funciona. Posteriormente, Alana retorna dizendo que para ganhar os valores não é preciso nem “mandar nudes, foto do seu rosto ou se expor”. A loira garante que as interessadas podem até mesmo estar namorando ou casadas, já que a conversa é a única interação com os velhos.
É bem verdade que esquemas de pessoas ricas bancando principalmente indivíduos mais jovens não é exatamente uma novidade. Os chamados “sugar daddies”— que no caso são os homens que bancam — são figuras que entraram no imaginário coletivo recentemente por causa até de plataformas oficiais que realizam essa intermediação entre quem paga e quem recebe.
O conceito de “sugar daddy” ficou reconhecido no Brasil a partir de termos como “velho da lancha”.
Contudo, a explicação de Alana para este desejo de que certos ricos têm em bancar os outros é direta e livre de julgamentos morais.
“Muitos desses homens são carentes ou têm fetiches em pagar mimos para as mulheres. Eles são muito bem-sucedidos como médicos, advogados e empresários. Além de pagar para conversar, muitos patrocinam uma vida de luxo e até mesmo estudos. Vai entender? São fetiches engraçados. Porém, eu vivo apenas disso. Fazer o que se esses homens sentem prazer em pagar contas, mandar presentes e sustentar mulheres mesmo sem ter conhecido pessoalmente?”, dispara a apresentadora.
As promessas (e cobranças) do golpe
Após dizer que descobriu o esquema do Meu Velho Rico com uma amiga que veio de família humilde e estava morando na Europa, Alana diz que correu atrás para mudar de vida.
“Eu já estava cansada dessa vida de corna de trabalhar até às 10h da noite de segunda à sábado com fatura de cartão atrasada, conta de luz atrasada, aluguel atrasado e prestes a ser despejada. Fora que há meses eu não sabia o que era ir em um salão, [estava com a] unha quebrada, com o cabelo todo frisado, parecendo uma juba. Literalmente passando por uma das piores fases da minha vida”, revela.
Depois do relato pessoal, que inclui o fato de que seu próprio namorado está há 9 meses de desempregado, Alana argumenta que pediu para que sua amiga lhe ensinasse como ganhar dinheiro com milionários bon vivant, afinal de contas “aquela galinha [a amiga] estava ganhando muito dinheiro”.
A suposta Alana utiliza uma linguagem bastante popular e coloquial para explicar como funciona o Meu Velho Rico.
A jovem loira afirma que começou a utilizar o aplicativo e que em apenas 10 dias já tinha recebido R$ 27 mil. O dinheiro, segundo ela, fez que fosse possível sair do emprego, colocar silicone, presentear o namorado com uma moto, viajar e jantar nos melhores restaurantes.
Só que Alana não pode ensinar de graça como usar o “aplicativo europeu”, já que “se muitas mulheres tiverem acesso a esse método, pode ser que eles [velhos ricos] parem de valorizar. Eu não quero receber Pix de R$ 10”.
Depois de vários outros depoimentos de mulheres impactadas pelo negócio, incluindo jovens que disseram receber presentes de bolsa Gucci, imagens de carros caros, capturas de tela de supostos recebimentos de Pix e mais, o vídeo se encaminha para o final.
Página de pagamento do Meu Velho Rico.
Nestas últimas partes, Alana defende que quer ajudar porque “nós mulheres precisamos nos unir e ser independentes financeiramente”. Contudo, ela diz que não é possível oferecer o conhecimento de graça e que por isso vai vender um curso ensinando como tudo funciona.
O preço cobrado é de R$ 127 à vista ou 12 parcelas de R$ 12,73. E ela garante que é bom correr, porque são apenas 22 vagas disponíveis.
Dando credibilidade ao sistema
São vários métodos de tentativa de passar um verniz de credibilidade ao sistema do Meu Velho Rico. Além dos depoimentos de quem supostamente lucrou, o sistema tem até página oficial no Instagram. Com quase 30 mil seguidores, o perfil aparenta ter sido comprado, já que conta com publicações marcadas antigas e até alguns memes que devem ter sido publicados pelos adms anteriores.
Outra fonte para tentar passar confiança são vídeos no YouTube. São várias as gravações de pessoas que até tentam dar um tom de desconfiança nas thumbs e títulos, mas que, durante o vídeo, dizem que ganharam dinheiro e que todo mundo pode confiar.
O que chama a atenção são os canais em que estão hospedadas as imagens. Uma das páginas se chama Alves Music e costuma divulgar vídeos musicais de ritmos como forró, piseiro e arrocha. Além da fachada musical, estes canais também vendem espaço no YouTube para que pessoas, e golpistas, publiquem vídeos online, garantindo mais veracidade para qualquer conteúdo graças ao selo de verificado na plataforma.
O fator multimídia é importante para fazer com que as interessadas percebam que o Meu Velho Rico não é apenas um site qualquer, já que o sistema está presente no YouTube e até no Instagram, em páginas com milhares de seguidores. Só que, além das outras plataformas, também há toda uma linguagem voltada para convencer as mulheres a acreditarem no esquema. Todo o conteúdo é pensado para fazer a vítima crer em um golpe que é claramente falso.
Além de contar uma narrativa envolvente e com relatos de sucesso, para dar senso de urgência, o site tem um contador de tempo na página de pagamento, por exemplo. No topo da página, há um texto dizendo que o vídeo da Alana — que precisa ser assistido para dar acesso ao “app europeu” — só poderá ser acessado naquele dia. Contudo, o site foi acessado pela reportagem em vários dias diferentes e o conteúdo continuava disponível.
Ver essa foto no Instagram
O discurso de Alana também está recheado de gatilhos como a promessa de ganhar dinheiro, presentes e coisas caras como carros e viagens internacionais. “Eu poderia te cobrar R$ 7 mil como a minha amiga me cobrou, mas eu não vou fazer isso com você”, é um dos discursos da loira que dá a entender que a jovem procurando dinheiro pode estar diante da oportunidade da vida.
O Meu Velho Rico é um golpe?
A verdade é que o sistema do Meu Velho Rico não é um aplicativo para ganhar dinheiro. Na verdade, quem paga pelo acesso recebe um curso que teoricamente “ensina” a mulher a acessar o aplicativo secreto e ganhar dinheiro.
O curso conta com e-books, vídeos e outros apps de suporte para ajudar nesta jornada rumo ao enriquecimento. Alana e a própria landing page deixam claro que se o consumidor se arrepender, ele poderá pedir o reembolso em até 7 dias. Mas aí está o “pulo do gato”.
Mesmo com a promessa de devolver o dinheiro, o sistema Meu Velho Rico enrola o comprador para que ele percorra uma trilha que demora mais de sete dias até supostamente encontrar a fórmula de ganhar grana com os coroas. Se a compradora tentou seguir até o final e se passaram os sete dias, já não há mais possibilidade de retorno do dinheiro.
A interessada no Meu Velho Rico recebe um aviso para continuar vendo o vídeo com a Alana caso queira receber a "oferta".
Outra questão que dificulta a devolução do pagamento é a falta de contato com qualquer atendente do site. Diversas pessoas relatam que não recebem retorno de ninguém do suposto aplicativo, restando uma única solução: procurar o Reclame Aqui.
E não só o Meu Velho Rico que oferece ganho fácil de dinheiro para mulheres. Em pesquisa rápida no Google, é possível encontrar soluções parecidas com nomes diferentes como “Meu Coroa Rico” e até uma versão de supostas sugar mommies, chamada de “Viva a liberdade”.
O Viva a Liberdade também conta com o depoimento de uma senhora que supostamente banca homens mais novos.
O Viva a Liberdade tem um layout muito similar ao Meu Velho Rico e ao invés de Alana, o vídeo apresentando o golpe é narrado por um suposto “Luiz”. O funcionamento é exatamente o mesmo que o golpe descrito anteriormente, com gatilhos de urgência e narrativa de aprovação, mas com um direcionamento voltado para os homens.
Alerta
Em uma pesquisa no Reclame Aqui, a reportagem encontrou dezenas de queixas sobre o sistema, sendo o registro mais antigo datado de 24 de dezembro de 2022.
E a grande parte das reclamações é direcionada não ao site Meu Velho Rico, mas à empresa Perfect Pay. A Perfect Pay é um gateway de pagamentos, ou seja, uma plataforma que faz integração entre clientes, empresas e instituições financeiras. O serviço basicamente processa os pagamentos de vendas online.
“A moça fala no vídeo que assim que se paga, libera a plataforma. Pois bem, paguei R$ 127 e quando liberou o acesso, era um curso. Eu não quero curso, sendo que o intuito era ganhar dinheiro com velhos ricos. Então eu quero meu dinheiro de volta”, narra uma reclamação de Recife (PE) registrada em 25 de janeiro de 2023.
)
)
)
)
)
)
)
“O site informa que você terá contato com velhos ricos e receberá em Pix, porém não passa de uma mentira porque é um site de curso, quero meu dinheiro de volta”, escreve outro cliente de Poá (SP) em 1º de março de 2023.
De acordo com o Detector de Site Confiável do Reclame Aqui, há pelo menos 3 informações sobre o site que merecem atenção dos consumidores. A primeira é que a página foi registrada há cerca de 2 meses, o que deve ligar um sinal porque páginas com menos de 1 ano não são muito confiáveis. O período de criação do site bate, inclusive, com os registros das primeiras reclamações em relação ao sistema.
Além disso, o domínio https://meuvelhorico.net/ foi registrado nos Estados Unidos, e não no Brasil. É comum que fraudadores registrem sites em países estrangeiros. Sem dar mais detalhes, o detector ainda salienta ter encontrado “algumas características padrões na URL que indicam que o site tem maiores chances de ser fraudulento”.
Gatilhos mentais
Várias modalidades de golpes financeiros funcionam por utilizar os já citados gatilhos. A urgência de uma oferta que vai acabar, a promessa de ganho fácil, espécies de leves “ameaças” dizendo que você vai se arrepender se não aproveitar, tudo isso deixa a história bastante tentadora, principalmente para quem busca uma renda extra rápida em tempos de crise.
“Palavras funcionam como gatilhos pois o ser humano tem muita dificuldade em lidar com certas situações, como as de medo, escassez, autoridade, urgências, pertencimento social e antecipação, ou seja, o ser humano não lida bem com esses sentimentos e situações e quer se livrar logo deles”, explica ao TecMundo a psicóloga cognitiva comportamental Rejane Sbrissa.
Ela pontua que além de palavras, pessoas, opiniões e situações são condições que ativam em nosso cérebro uma espécie de reação automática. Mesmo servindo em diversas ocasiões, já que nosso cérebro quer encurtar caminhos e poupar energia, os gatilhos podem ser prejudiciais quando acionam reações emocionais intensas e atitudes impensadas.
A psicologia explica porque temos o ímpeto a dar respostas emocionais a determinados gatilhos.
Muitos dos termos específicos do universo das vendas — e que são utilizados por golpistas também — ativam circuitos no cérebro e fazem com que nós nos sintamos desesperados para não deixar passar uma suposta oportunidade imperdível.
“Com esse funcionamento cerebral e sem o emocional equilibrado, sem autoconhecimento, sem identificar os gatilhos, as pessoas são alvos fáceis de golpes financeiros e amorosos, por exemplo. Tudo isso vem de carências emocionais e falta de aprendizado em valores humanos”, argumenta a psicóloga.
Rejane acrescenta que dependendo da inteligência emocional, os gatilhos acabam sendo ativados antes de qualquer reflexão, análise racional ou desconfiança, que são boas armas contra os golpes.
Como evitar cair em golpes?
A especialista ressalta que não são necessariamente pessoas que estão passando por problemas financeiros as mais suscetíveis a promessas furadas de ganhos fáceis. Na verdade, tudo depende mais do estado mental.
“O risco [de cair em golpes] é ainda maior entre idosos, pessoas com dificuldades em lidar com a tecnologia e os superendividados. Contudo, os golpes são feitos através de manipulações psicológicas justamente para pegar pessoas em momentos de tomada de decisão comandadas pelo emocional. Ou seja, vai depender mais de como cada pessoa lida com seu emocional, seu autoconhecimento, nível de carência emocional, autoestima e autoconfiança”, acrescenta a psicóloga.
Apesar de não haver uma fórmula secreta para evitar ser vítima das populares ciladas, Rejane Sbrissa elenca algumas dicas para que homens e mulheres possam treinar o cérebro:
- Não se desespere, desconfie de tudo sempre e procure se informar antes de crer sem reflexão;
- Pesquise a reputação da empresa ou pessoa na internet;
- Comente o anúncio com parentes e amigos e se informe se alguém já utilizou do serviço, site ou aplicativo;
- Não busque por facilidades e não queira levar vantagem sobre algo ou alguém;
- Procure entender que tudo tem riscos, então faça cálculos porque não existe nada milagroso;
- Desconfie de um valor muito abaixo do mercado ou de uma situação que faz você ganhar dinheiro fácil e sem esforço;
- Não caia no padrão de urgência tão utilizado por golpistas.
“Através do autoconhecimento é possível aprender a fazer escolhas a seu favor e acreditar em si mesmo. Por pior que a sua situação possa estar, você conseguirá resolver sem recorrer a milagres e promessas falsas que te colocarão mais fundo no buraco. Neste sentido, a psicoterapia cognitiva comportamental ajuda neste processo de autoconhecimento, reconhecimento de seus gatilhos, aumenta a autoestima e autoconfiança”, finaliza Rejane.
Outro lado
Além de criar uma narrativa envolvente, os golpes na internet também precisam de muitas peças para funcionarem. No caso do app Meu Velho Rico, a disseminação ocorre por meio do YouTube, em vídeos com depoimentos falsos e até propagandas pagas. Além disso, plataformas de pagamento online são utilizadas para processar o dinheiro vindo de pessoas que acreditaram na história.
Para garantir mais clareza ao assunto, o TecMundo tentou contato com as partes envolvidas em toda a cadeia de produção do esquema.
YouTube
O TecMundo conversou com o suporte do YouTube para perguntar se os vídeos endossando o golpe são permitidos pela plataforma, mas não recebeu um retorno até o fechamento do texto. A empresa também não comentou sobre o uso de propagandas pagas para disseminar golpes dentro do aplicativo de vídeos.
Procon
O TecMundo procurou o Procon-SP para saber mais detalhes sobre o caso. A entidade de defesa do consumidor explicou que não encontrou nenhuma reclamação relacionada ao Meu Velho Rico. Apesar disso, a nota da associação faz alguns alertas para consumidores terem cuidados com ofertas de serviços que oferecem ganho de dinheiro.
“Os termos do contrato – documento que deve ser claro, preciso e objetivo – devem ser lidos com atenção, especialmente, quanto aos serviços prometidos, os prazos, valores e formas de pagamento. É fundamental que o consumidor esteja ciente de todas as condições estipuladas e à empresa cabe cumpri-las”, diz trecho da nota enviada pela instituição.
O Procon-SP salienta que é obrigação que a empresa informe o nome completo do estabelecimento comercial, CNPJ, endereço e contato. Quem tiver problemas com a prestação dos serviços, seja com o Meu Velho Rico ou com outro tipo de venda, pode registrar a reclamação no www.procon.sp.gov.br.
Meu Velho Rico
O TecMundo entrou em contato com o e-mail de suporte do Meu Velho Rico, mas não recebeu um retorno até o fechamento do texto. Assim como "soluções" similares, incluindo o Sistema Netflix, é comum que os responsáveis pelo esquema deixem alguma informação de contato, mas comumente não dão retorno ao usuário.
Perfect Pay
O TecMundo entrou em contato com o suporte da companhia de pagamentos Perfect Pay para questionar se o Meu Velho Rico está dentro das regras da empresa, mas não recebeu um retorno até o fechamento da reportagem.
Fontes
Categorias
