O jornalismo vive uma crise de credibilidade que atinge, em essência, todas as áreas e editorias. Mesmo veículos consagrados podem se ver em situações de desconfiança da população.
Esse é um resultado direto da “era das fake news”, como é chamada pelo doutor em Ciência Política e pesquisador da Universidade de Zurique, na Suíça, Victor Araújo. Ainda que Araújo fale sobre a propagação de desinformação pelas redes sociais — particularmente pelo WhatsApp — e confirme que, sim, as fake news estão mais fortes do que nunca com as ferramentas virtuais, acredito que não se trata apenas da tecnologia. O assunto está longe de se esgotar aí.
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Afinal, o que são, efetivamente, as fake news?
Notícias falsas, a tradução literal do termo, diz respeito a toda informação que não pode ser comprovada. Comprovações surgem de diferentes formas, mas sempre utilizando métodos científicos e/ou jurídicos: observação, provas, inspeção, testemunhas, documentos. Quando algo não pode ser comprovado, é apenas uma hipótese e deve ser tratada como tal.
Não quer dizer que tudo aquilo que é dito sem comprovação automaticamente seja mentira. É para descobrir isso que existe o papel do jornalista. É como diz um ditado popular do ramo: quando alguém diz que está chovendo e outra pessoa diz que está fazendo sol, a responsabilidade jornalística não está em dar voz a ambos, mas sim em abrir a janela e constatar se está chovendo ou fazendo sol.
Essa posição, de confirmação do que é ou não falso, exige muito compromisso. A população precisa confiar em quem está nesse papel. Caso contrário, surge a descredibilidade, como vemos acontecer.
E ela não veio do nada ou somente após o advento das redes sociais. Jornalistas já erraram, e erraram feio. Um dos casos mais famosos que ilustram isso é o da Escola Base, ocorrido em março de 1994, e que inclusive ganhou um documentário recentemente, lançado pela Globoplay.
Na ocasião, uma denúncia de pedofilia foi feita aos donos, uma professora e um motorista da escola infantil localizada em São Paulo. Quem denunciou foi a imprensa, o que causou escândalo a nível nacional e diversas consequências aos acusados que, no fim, eram inocentes.
A posição de confirmar fatos exige responsabilidade e cautela
Não foram poucos os profissionais que seguiram a onda sem verificar os fatos. Nomes como Folha de S. Paulo, Globo e SBT foram só alguns dos que reproduziram a manchete sem provas. Todos foram processados, mas os efeitos negativos na vida dos injustiçados não puderam ser apagados.
É por isso que a confiança é essencial para a credibilidade do jornalismo, e o setor deve fazer por merecer. O caso da Escola Base é ensinado em faculdades do Brasil inteiro para demonstrar o peso da responsabilidade dessa profissão.
Quais aspectos contribuem para a disseminação das fake news?
Atualmente, existem dois grandes problemas que corroboram com a disseminação das fake news: a velocidade descontrolada da produção de conteúdo na maioria dos conglomerados de mídia, e a confusão entre fato e opinião.
O último ponto precisa ser esclarecido urgentemente, tanto entre jornalistas quanto a população geral. Todos têm direito a ter opiniões. Contudo, compartilhar falas que são, essencialmente, acusações, requer comprovação.
Qualquer um pode falar o que acha de X ou Y político, de uma instituição ou outra, etc., mas não pode afirmar que X ou Y fez determinada coisa sem provar. Se não existe prova, é opinião e achismo, e deve ser transparentemente identificada como tal.
Já a velocidade do conteúdo é um problema até mais complexo. A internet está criando gerações cada vez mais aceleradas e os usuários querem mais e mais para ontem, sempre.
Existem dois grandes problemas que corroboram com a disseminação das fake news
Os veículos jornalísticos passaram os últimos anos correndo para se adequar a esse modelo, mas, em contrapartida, deixaram a apuração cuidadosa das informações de lado. Nisso, perdeu-se ainda mais a credibilidade que já ficou balançada pelo próprio advento das redes sociais e pelos erros passados da imprensa.
O jornalismo brasileiro precisa definir o que é mais importante: seguir a velocidade digital a todo custo, ou encontrar uma maneira de equilibrar quantidade e qualidade, priorizando a apuração. Honestamente, apenas uma dessas respostas é válida para um jornalismo sério. Eu espero que o Brasil saiba qual é.
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