Quem aí já ouviu falar do Kazaa? Se você tinha internet nos anos 2000, com certeza conhece — e baixou muito vídeo e seu computador foi infectado por muitos vírus que vinham com os arquivos. Se você não conhece, veja a história dele e qual foi a sua relevância para toda uma geração. Mas como ocorreu com o Napster, ele sempre foi alvo de muitas disputas judiciais envolvendo os direitos dos autores e das gravadoras e detentoras dos direitos econômicos dessas obras. Era possível baixar de tudo. Desde simples documentos em .txt até filmes e discografias completos.
Atualmente, o The Pirates Bay, Kickass, RARBG, EZTV, Superfix e muitos outros fazem a mesma coisa por meio das redes e arquivos BitTorrents, ou simplesmente torrents. Vez ou outra, essas redes são derrubadas, mas voltam novamente a rodar depois de algumas alterações de natureza técnica.
O que muita gente não quer entender (ou entende, mas não respeita) é que filmes e outros programas são bens protegidos pela lei de direitos autorais, segundo o inciso VI do artigo 7, então, esses bens só podem ser usados, transferidos, cedidos e colocados no mercado com a permissão de quem detém os direitos econômicos desses filmes, segundo o artigo 28 e os incisos IX e X do artigo 29 da mesma lei. Todas as obras têm dois direitos, sendo o direito autoral o direito que o criador daquela obra tem de dizer que ele é o seu “inventor”, e o conexo, que é o direito de distribuir e lucrar com aquela obra.
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Para quem faz download desse material, essas redes dão uma falsa sensação de que tudo que você está fazendo é anônimo, e que ninguém vai poder te encontrar e cobrar pelo download desses filmes, mas essas redes são redes de compartilhamento abertas e diversas ferramentas rastreiam quem baixa os arquivos.
Uma forma muito simples de descobrir quem está baixando esses arquivos é disponibilizá-los para serem baixados, esperar para ver quem vai baixar e descobrir o IP da conexão.
Em posse do IP, pedir uma ordem para um juiz determinar que a operadora que usa aquele bloco de IP identifique quem era o usuário que naquele dia, e naquela hora UTC usava aquele IP, e cobrar indenização pelos downloads. Mais fácil que tirar doce da boca de criança.
Você sabia dessa? A maioria não tem nem ideia. Dá para tentar esconder o IP? Sim, através do uso de ferramentas de Virtual Private Network (VPN), ou rede privada virtual, que criptografam o tráfego e mascaram o IP. Muitos navegadores e programas fazem isso e não é novidade nenhuma, mas não recomendo que você faça. Aliás, eu não acho que seja ético e se você fizer, é como o Silvio Santos diz: "por sua conta e risco".
Para se ter uma ideia de como os países têm tentado barrar esse tipo de atividade, foi deflagrada no Brasil a Operação 404, que bloqueou mais de 334 sites e mais de 90 aplicativos de streaming por volta do dia 10 de julho deste ano. O Brasil é o terceiro país que mais consome pirataria no mundo, ficando atrás apenas dos EUA e Rússia.
Segundo o artigo 13 do Marco Civil da Internet — lei 12.965/14 — esses dados de IP devem ser armazenados pelo prazo mínimo de 1 ano, mas essa obrigação ainda depende de regulamentação, porém, a maioria das empresas já armazena esses dados para escaparem de sanções se não puderam fornecer essas informações.
E se eu baixar um filme, posso ser preso?
Deveria, mas não! Não pode ser preso aqui no Brasil porque não existe a definição de que seja crime baixar vídeos ou arquivos que sejam protegidos pela lei dos direitos autorais se não houver intenção de lucrar nada com isso, ou seja, se for para fins apenas de “entretenimento” próprio.
Um fato que ganhou notoriedade e que poucos se lembram, foi em 2005, quando o então presidente Lula comprou e assistiu um DVD pirata do filme Dois Filhos de Francisco enquanto voltava da Rússia no avião presidencial. O que aconteceu com ele? Nada. Não porque ele era o presidente, mas sim porque comprar e assistir não é crime. É antiético, é censurável, mas não é ilegal.
Eu já escrevi em outro artigo sobre fake news, que para uma conduta ser enquadrada como crime ela tem que estar expressamente tipificada como crime na lei, segundo o artigo 1 do Código Penal e o inciso XXXIX do artigo 5 da Constituição Federal, e você não vai encontrar em nenhuma das leis brasileiras nada falando que baixar vídeos é crime.
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O Direito Penal não permite em nenhuma hipótese que seja feita uma equiparação com outro crime, ou seja, na falta de um crime, não podemos usar outro crime já existente para que aquela atitude possa ser criminalizada por semelhança. Ou é, ou não é. Não tem aquele lance de ser parecido.
Mas além de não ter nada que diga que essa conduta é crime, o Código Penal brasileiro, no parágrafo 4 do artigo 184 deixa claro que baixar esse tipo de arquivo não é crime, desde que seja uma única cópia e que quando o usuário baixar não tenha intenção de lucrar nada com isso, direta ou indiretamente. Diretamente seria baixar para revender. Indiretamente seria baixar e colocar na televisão de um bar, por exemplo, pois o filme seria exibido como forma de entreter os clientes.
§ 4° O disposto nos §§ 1°, 2° e 3° não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.
A lei diz que tem que ter intenção de lucrar com essa atividade, mas não precisa ser diretamente com dinheiro. O lucro pode ser entendido de diversas formas, como, por exemplo, presentes, receber moedas virtuais, NFT e outros produtos que possam ter uma representação econômica.
Se não é crime, então não acontece nada? Fica tudo bem? Não. Pode ficar até pior do que "ver o Sol nascer quadrado", pois envolve dinheiro.
Quem for pego fazendo isso terá que pagar multas bem altas, além de perder todas as cópias que tenha feito, e todos os equipamentos que tenham sido usados.
Multas altas porque a lei de direitos autorais no artigo 102, prevê que quem utilizar fraudulentamente uma obra protegida, como um filme, será obrigado a indenizar o prejuízo. Porém, o prejuízo não é só o valor que seria pago por uma cópia filme. Ele é sempre acrescido de uma multa para coagir que essa atitude continue. O valor pode chegar a até 3 mil vezes o valor da obra, ou seja, se um filme estava sendo vendido por R$ 20, quem baixar poderia ser condenado a pagar até R$ 60 mil. Tudo por causa de um filme que custa R$ 20! Vale a pena correr o risco? Eu acho que não.
Os tribunais têm aplicado uma multa de 10 vezes o valor daquele arquivo/filme, entendendo que esse valor é razoável para reparar o prejuízo e para multar a pessoa de forma a fazer com que ela pense muito bem antes de fazer isso de novo.
Esses valores podem ser altos, e já que muitas pessoas não têm dinheiro para pagar (ou têm, mas não estão nem aí), não se importam e continuam a levar uma vida como se nada tivesse acontecido. Porém, quando são processadas, a conta chega com juros e correção monetária, e os custos aumentam significativamente porque pode ser preciso se consultar com um advogado, preparar defesa, perícia etc.
Mas e quem disponibiliza para a venda ou quer ganhar dinheiro com isso? O que acontece? A história é diferente. Aí é crime e esse crime está previsto no artigo 184 do Código Penal, a depender do tipo de conduta que a pessoa tenha, com pena que varia de 3 meses de detenção a 4 anos de reclusão e multa. A diferença entre detenção e reclusão é que na primeira a pena deve ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, e a segunda pode começar no regime fechado, ou seja, na cadeia.
Além disso, é claro, tem as multas mais altas, e também a perda de todos os equipamentos usados para disponibilizar esses arquivos, mas isso fica para um próximo artigo, quem sabe.