Como a bomba atômica ajudou a criar a internet?

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Teste aquático com bomba atômica de 21 quilotons (Fonte da imagem: U.S. Army)

Não há dúvidas de que toda guerra é triste e trágica. Isso piora exponencialmente caso o uso de armas nucleares esteja envolvido. Para constatar os terríveis efeitos de uma bomba atômica, por exemplo, basta assistir aos inúmeros documentários existentes sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Porém, também é inegável que muitos avanços tecnológicos e científicos foram desenvolvidos pela indústria militar, especialmente a dos Estados Unidos.

Durante os anos 50, a terra do Tio Sam enfrentava um dos momentos mais tensos de sua história, se preparando para um conflito nuclear com a União Soviética que poderia matar centenas de milhares de pessoas e devastar parte da infraestrutura dos países. Para combater essa ameaça, os conselheiros do então Presidente Harry S. Truman recomendaram aos Estados Unidos um enorme rearmamento para acabar com a “ameaça comunista”.

O início da Guerra Fria

Na ocasião, um relatório de 58 páginas descrevia as ações a serem tomadas pelo país, incluindo a possibilidade de ataques nucleares de prevenção à URSS. Em 1952, a eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Dwight David Eisenhower, continuou a “aquecer” a Guerra Fria, ameaçando a URSS de uma “retaliação massiva” caso um ataque fosse feito aos EUA, independentemente do tipo de armamento utilizado, nuclear ou comum.

Entretanto, por volta de 1961, o Secretário de Defesa norte-americano, Robert McNamara, descartou a possibilidade de retaliação massiva e passou a adotar uma estratégia mais flexível para reagir aos possíveis ataques da URSS, evitando, por exemplo, que as cidades soviéticas fossem consideradas como alvos em potencial.

Mísseis poderosos, controles vulneráveis

Inspeção do míssil Minutemen I, de 1962 (Fonte da imagem: U.S. Air Force)

Ao mesmo tempo, os mísseis nucleares norte-americanos ficavam cada vez mais precisos e mais rápidos, reduzindo, por exemplo, o lançamento de um desses projéteis de oito horas para questão de alguns minutos, graças ao uso de propelentes de estado sólido. Tudo isso estava devidamente preparado para o caso de um ataque ter que ser feito às pressas, com a mínima provocação possível do adversário.

Entretanto, o cenário atual das instalações militares gerou uma preocupação: os mísseis eram potentes e fáceis de serem disparados, porém, os controles operacionais para que essa ação fosse executada continuavam tão vulneráveis quanto os de uma década atrás. Em 1963, um documento secreto enviado para o presidente Kennedy descrevia uma série de cenários de ataques nucleares que poderiam colocar os EUA em maus lençóis, incluindo um em que a União Soviética poderia matar de 30 a 150 milhões de pessoas e acabar com até 70% da capacidade industrial do país.

Com base nesses casos, o documento indicava, também, estratégias que o presidente deveria usar para reagir às investidas soviéticas e estabelecer a negociação de cessar-fogo. Entretanto, todas as essas ações exigiam um método de comunicação confiável e que pudesse sobreviver a ataques nucleares.

Alternativa aos meios de comunicação da época

(Fonte da imagem: Encore)

A vulnerabilidade dos meios de comunicação e dos controles de mísseis assombrou os Estados Unidos durante a era nuclear. Uma explosão atômica na ionosfera, por exemplo, poderia prejudicar toda a comunicação por ondas de rádio FM durante horas, enquanto que algumas detonações em solo poderiam derrubar a central telefônica da AT&T.

Em outras palavras, os Estados Unidos precisavam de um meio de comunicação que permanecesse ativo, para que o contato com as forças de ataque pudesse ser realizado a qualquer momento e de qualquer local, mesmo que elas ficassem espalhadas pelo país como uma estratégia de combate ao ataque do inimigo.

Sendo assim, a RAND, instituição sem fins lucrativos com sede na Califórnia, foi incumbida de apresentar uma solução para o problema. E o resultado entregue pela organização foi revolucionário em diversos aspectos, chegando a guiar os princípios da internet que conhecemos hoje.

À prova de bombas

Com o novo modelo de rede, bombardeios não interromperiam a comunicação (Fonte da imagem: Wikimedia)

Um pesquisador da RAND, Paul Baran, foi o responsável por uma solução que mudava radicalmente a forma e a natureza da rede de comunicação nacional. As redes convencionais, até então, possuíam comando e controle em seu centro e, a partir dele, o contato era estendido para os outros pontos da rede. Porém, isso era muito arriscado: uma bomba no centro e tudo pararia de funcionar.

Sendo assim, Baran começou a pensar em uma alternativa para esse modelo, uma rede distribuída e que trabalhasse com o conceito de redundância, ou seja, caso uma de suas máquinas falhasse, outra entraria no lugar dela automaticamente.  A inspiração veio das teorias neurológicas, que tratavam da maneira como o cérebro poderia continuar operante mesmo após a morte de algumas de suas células.

Entre os detalhes descritos no seu projeto de 1962, intitulado "On Distributed Communication Networks", estava o fato de que, na rede nova, uma mensagem não precisava de uma rota pré-definida para seguir. No modelo novo de comunicação, bastaria preencher os campos remetente e destinatário e, com base nisso, a mensagem encontraria o melhor caminho para chegar ao seu destino.

Monitoramento autônomo

Os diversos pontos que formam a rede, chamados de “nodos”, seriam os responsáveis por monitorar qual a rota mais rápida para cada estação e, a partir disso, direcionar a mensagem. Além de agilizar a comunicação, isso também faz com que o sistema possa desviar dos trechos inoperantes no momento, ou seja, o ataque a uma parte da rede não seria mais uma amaça.

Além disso, Baran também notou que uma mensagem poderia ser enviada mais rapidamente caso ela fosse quebrada em pequenos “pacotes” de informações, que trafegariam independentemente pela rede, reunindo-se no destino final. Apesar de as ideias serem ótimas, havia um problema: como isso tudo seria implementado era um verdadeiro enigma, já que a tecnologia analógica da época não atendia aos requisitos exigidos pelo projeto.

Para isso, Baran tinha uma proposta radical: unir computação e comunicação, duas áreas que, para a época, eram consideradas tão distintas que isso chegou a preocupar o pesquisador.

A implementação das ideias de Baran

Em 1965, as ideias de Baran foram repassadas, pela RAND, para a Força Aérea dos Estados Unidos, para que dessem continuidade à pesquisa e desenvolvimento do projeto. Como é fácil de ter percebido, o projeto já continha a base da internet que conhecemos hoje. Entretanto, não foi fácil convencer a AT&T, que detinha o monopólio da rede telefônica na época, de que seria importante colocar os novos conceitos em prática, para testá-los.

Como as ideias eram inovadoras demais para aquele tempo, a AT&T demonstrou muita resistência. Mesmo com experimentos acadêmicos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 1965, que conseguiram realizar a troca de pacotes de dados entre computadores de cidades diferentes ligados em rede, a telefônica da época não demonstrou interesse no meio de comunicação digital, mesmo com as estimativas de que o novo modelo seria muito mais barato de se manter do que o analógico, cuja manutenção custava cerca de US$ 2 bilhões anuais.

Representação gráfica dos diferentes modelos de redes de comunicação (Fonte da imagem: Cyber Telecom)

Por essas razões, a AT&T não aceitou a proposta da Força Aérea. A única alternativa era a Agência de Comunicação de Defesa (DCA), mas Baran não acreditava que eles estariam interessados. Por não entenderem muito bem o conceito por trás da comunicação digital, empresas e organizações não viam o projeto com muito ânimo.

Depois disso, o projeto foi arquivado. Foi só em 1969, quando a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) começou a desenvolver um projeto de terminais interconectados com o propósito de compartilhar recursos computacionais, o material desenvolvido por Paul Baran foi uma das fontes consultadas. Assim, podemos dizer que a resistência da troca de pacotes de dados que temos hoje na internet se deve, em grande parte, a uma pesquisa iniciada para desenvolver uma rede capaz de sobreviver a um ataque nuclear.

E como se não bastasse, Paul Baran, que faleceu em março de 2011, também está entre os criadores de outra invenção muito útil nos dias de hoje: as passagens com detectores de metal usadas em aeroportos do mundo todo.

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Esse é o começo da história adaptada pelo site Ars Technica e contada por Johnny Ryan no livro “A History of the Internet and the Digital Future”. Infelizmente, a obra ainda não foi lançada no Brasil. Para saber um pouco mais sobre o desenvolvimento da internet, não deixe de conferir os infográficos sobre a história da internet até os anos 80 e durante os anos 90. Além disso, para complementar ainda mais o assunto abordado, há um artigo especial sobre a trajetória da internet no Brasil.

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