A viagem no tempo é um assunto comum em filmes, seriados e livros de ficção científica. Uma das obras mais famosas é “A Máquina do Tempo”, livro de H.G. Wells, que já foi adaptado para o cinema e para os quadrinhos mais de uma vez.
Antes de Wells, a viagem no tempo foi abordada por outros autores, e está presente até mesmo em textos sagrados e antigos, como o Mahabharata. No famoso texto hindu, o Rei Revaita viaja para o céu para se encontrar com o criador Brahma e, ao voltar, descobre que eras se passaram enquanto ele estava fora da Terra.
Embora Wells não tenha sido o primeiro a abordar o assunto em uma obra, ele foi o criador do termo “máquina do tempo”, que passou a ser usado para designar aparelhos utilizados pelos viajantes para ir de uma época a outra rapidamente.
Mas engana-se quem pensa que este é um assunto exclusivo de textos de ficção ou religiosos, como no caso do Mahabharata. Físicos conceituados vêm se dedicando à viagem no tempo a muitos anos e, embora a ciência veja o assunto de maneira mais moderada, ele continua tão fantástico quanto na ficção.
O bom e velho tempo
Antes de começarmos a “viajar”, é bom entendermos o que é o tempo.
Uma das definições é a de que o tempo é o intervalo que se passa entre o acontecimento de dois eventos. Tempo é aquilo que você gastou desde que você começou a ler este artigo, por exemplo.
Até o início do século XX, pensávamos que o tempo era absoluto, ou seja, que era o mesmo para todos nós e que isso poderia ser facilmente constatado por meio de relógios. Um segundo na Terra teria o mesmo valor que um segundo em qualquer parte do universo. Porém, alguns avanços científicos provariam que esse modelo era insuficiente em determinadas ocasiões.
Uma das principais evidências surgiu quando a velocidade da luz começou a ser medida. Durante essas experiências, os físicos notaram que o resultado era sempre o mesmo. A velocidade da luz era constante, independentemente da posição do observador.
Se lembrarmos das aulas na escola, podemos calcular a velocidade ao dividir distância percorrida pelo tempo (v=x/t). Se você percorreu 60 quilômetros em uma hora, a sua velocidade era de 60 km/h, por exemplo.
No caso da luz, a velocidade é constante. Ou seja, mesmo que a luz seja emitida por um objeto em movimento, a velocidade será sempre a mesma: 299.792.458 m/s. Se a velocidade não muda, alguma outra variável envolvida precisaria estar mudando. Nesse caso, a variável era o tempo.
Essa foi uma das descobertas de Albert Einstein durante a elaboração da Teoria Especial da Relatividade. A partir do estudo de Einstein, a nossa concepção sobre o tempo mudou: de absoluto e imutável, o tempo passou a ser relativo, podendo variar de acordo com as condições em que foi medido.
Além disso, o tempo e o espaço passaram a se comportar como se fosse um objeto só, que foi batizado de espaço-tempo. Ou seja, ir e voltar no espaço equivale a ir e voltar no tempo. Mais do que isso, os cientistas perceberam que, ao se movimentar em uma velocidade muito grande, próxima à velocidade da luz, por exemplo, o tempo passa mais devagar do que para quem está parado ou andando em uma velocidade inferior.
Com isso, nós chegamos à nossa primeira modalidade de viagem no tempo: viajar para o futuro.
Quer envelhecer menos? Pergunte-me como!
A viagem no tempo para o futuro, quando vista pela Física, não funciona como no cinema. Você não pode entrar em um veículo e simplesmente aparecer em uma época cheia de avanços tecnológicos e carros voadores. Porém, como já declarado anteriormente, é possível retardar o tempo.
Digamos que você deixe sua família na Terra, e parta em uma viagem pelo espaço em uma velocidade próxima da velocidade da luz. Quando você retornar, perceberá que terá se passado muito mais tempo na Terra do que para você. Ou seja, você “voltou” para o futuro. E consequentemente, também terá envelhecido menos do que os seus parentes e amigos que permaneceram no planeta.
Esses conceitos podem ser bastante confusos para leigos, mas no começo até mesmo os físicos foram relutantes em aceitar as ideais de Einstein. Com o passar do tempo eles perceberam que, por mais estranha que a teoria possa ser, ela combina com o que acontece na realidade.
E não pense você que esses conceitos estão muito distantes do nosso cotidiano. Se o seu celular possui GPS, você está carregando nada menos do que uma aplicação prática da Teoria da Relatividade dentro do seu bolso.
Como os satélites que integram o Sistema Global de Posicionamento estão se locomovendo em alta velocidade ao redor do planeta Terra, o tempo deles se passa de maneira diferente em relação ao nosso. Por isso, o tempo dos satélites e o tempo dos usuários do sistema precisam ser ajustados antes de serem sincronizados.
Uma situação semelhante é enfrentada pelos astronautas em órbita ao redor da Terra. Por estarem se movendo rapidamente ao orbitar o nosso planeta, é possível perceber que o tempo, para eles, passou alguns milésimos de segundo mais lento.
Se levarmos isso em consideração, podemos dizer que o nosso primeiro viajante do tempo foi o cosmonauta russo Sergei Avdeyev. Com mais de 748 dias a bordo da estação Mir, orbitando a uma velocidade de aproximadamente 7,5 km/s, Avdeyev viajou cerca de 20 milissegundos no futuro, o que ainda é considerado como sendo o recorde de viagem no tempo de um ser humano.
Viagem para o passado
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Como vimos até agora, é relativamente “fácil” viajar para o futuro. O problema aparece mesmo quando o assunto é voltar para o passado. Nesse cenário aparecem novas ideias, tão fantásticas quanto as que já foram apresentadas.
Em tese, viajar para o passado seria possível se a barreira da velocidade da luz fosse ultrapassada. Mas isso seria fisicamente impossível. Embora a Física Quântica aceite a possibilidade da existência de partículas que se movem mais rapidamente do que a luz, é improvável que alguém ou algo pudesse ser acelerado até essa velocidade, pois isso exigiria uma quantidade infinita de energia.
Isso gera um problema até mesmo para escritores de ficção-científica. Digamos que uma guerra estelar esteja acontecendo a seis anos-luz daqui. Sem ultrapassar a velocidade da luz, uma nave levaria, no mínimo, 12 anos para ir e voltar da guerra. Isso tornaria os filmes e livros muito chatos, certamente.
Porém, o problema pode ser solucionado com uma nova informação, prevista na Teoria Geral da Relatividade, publicada por Einstein em 1915: de acordo com essa teoria, a gravidade não é uma força que age sobre o universo, como as demais, mas uma consequência de o espaço-tempo não ser plano.
O espaço-tempo é curvo e, por isso, a órbita de planetas como a Terra formam elipses. Os corpos celestes não estão traçando uma curva no espaço, mas apenas seguindo o formato que ele tem.
Fonte da imagem: Wikipedia
Se conseguíssemos curvar ainda mais o espaço-tempo, poderíamos cortar grandes distâncias do espaço em pouco tempo, através de objetos conhecidos como Buracos de Minhoca (Wormholes).
Ao criar, de alguma forma, um Wormhole, ele se comportaria como uma espécie de túnel, que ligaria duas regiões muito distantes. O Buraco de Minhoca seria como um atalho para distâncias astronômicas.
Isso tornaria as batalhas estelares da ficção-científica bem mais ágeis, não acha? Essa é uma das razões de esses “atalhos” aparecerem com tanta frequência nos livros e filmes que abordam viagens pelo universo.
Mas como dissemos antes, nesse cenário o tempo é apenas mais uma dimensão do espaço. Então, além de podermos nos locomover nos eixos X, Y e Z, poderíamos também encontrar um atalho pelo tempo em direção à outra época.
Vale a pena lembrar que, embora essas teorias sejam difíceis de entender e pareçam só funcionar no cinema, elas foram desenvolvidas com base em conhecimento científico. Então, por mais improvável que pareça, seria possível viajar no tempo caso tivéssemos o conhecimento e a engenharia necessária para isso. Ou melhor, não seria impossível, já que não conhecemos nenhuma lei Física que impossibilite a viagem no tempo.
Porém, ao viajar para o passado, algumas ocasiões contraditórias poderiam acontecer. Seriam esses paradoxos uma prova da impossibilidade da viagem no tempo? Como solucioná-los?
Os paradoxos e suas soluções
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Uma das contradições mais famosas ao tratarmos das viagens no tempo é o Paradoxo do Avô. Ele pode ser explicado de pelo menos duas formas.
A primeira situação seria a seguinte: um cientista inventa uma máquina do tempo e viaja para o passado. Então ele decide encontrar ele mesmo e impedi-lo de inventar a máquina do tempo.
Mas nesse caso, se a máquina do tempo não foi inventada, como é que ele voltou para o passado?
Situação semelhante, porém mais violenta, teria o viajante que voltasse no tempo para matar o próprio avô, impedindo assim que seu pai nascesse, por exemplo, e, consequentemente, que ele próprio nascesse. Novamente, uma contradição acontece: afinal, se ele não nasceu, não poderia ter voltado no tempo para evitar o próprio nascimento.
Como é que essas situações poderiam ser resolvidas, já que a viagem no tempo, aparentemente, não é impossível de ser realizada?
Existem pelo menos duas soluções para o problema. A primeira é a mais simples e, por coincidência, a menos divertida: a interação com o passado não seria permitida. Em outras palavras, o viajante apenas observaria os acontecimentos, como se estivesse uma máquina de realidade virtual.
A outra solução para os paradoxos é a preferida de todos e também a mais “viajante”: universos paralelos.
De acordo com a física quântica, quando uma “decisão” precisa ser tomada, todas as possibilidades são tomadas paralelamente.
Calma, vamos explicar!
Digamos que uma partícula esteja se locomovendo em direção a uma parede com dois buracos. Ao se aproximar, ela precisará passar por um dos buracos (esquerda ou direita), para prosseguir. Mas não importa por qual buraco ela esteja passando, pois ela já passou pelos dois ao mesmo tempo.
E sabe o que deixa essa situação ainda melhor? Nós não conseguimos detectar ela passando pelos dois buracos, pois afinal, nós e o nosso equipamento de medição estaríamos em apenas uma das realidades.
Podemos então pensar que, quando tomamos alguma decisão ou simplesmente praticamos alguma ação, acabamos criando uma cópia do universo, que passa a se comportar de acordo com a ação ou decisão que escolhermos. Algo que, de acordo com a Física Quântica, acontece a todo o momento, mesmo sem a viagem no tempo.
Simultaneamente, outros universos, com realidades paralelas, foram criados, com a vida seguindo normalmente por lá, como se tivéssemos escolhido ou feito outra coisa.
Dessa forma, um viajante que voltasse no tempo, poderia na verdade estar indo para um universo paralelo, enquanto permaneceria no presente de outro universo. Assim, ele poderia matar o “avô” sem interromper a própria existência.
Porém, o viajante no tempo poderia correr o risco de, ao impedir a própria existência, acabar modificando o mundo todo. É o chamado Efeito Borboleta, em que qualquer interação, por menor que seja, pode causar efeitos imprevisíveis, alterando completamente o curso da história.
Para resumir...
Seria possível viajar no tempo? “Sim”, seria a resposta mais curta. Porém, muitos aspectos ainda precisam ser estudados e, obviamente, precisaríamos de uma tecnologia que ainda estamos longe de conseguir.
Recentemente uma notícia esquentou um pouco mais a discussão sobre o assunto. Pesquisadores da Universidade de Queensland, Austrália, descobriram que é possível enviar “mensagens” para o futuro.
O entrelaçamento quântico prevê que, quando duas partículas estão muito próximas uma da outra, elas acabam se comportando como se fossem uma só. Mesmo depois de distanciadas, qualquer alteração provocada em uma das partículas acabaria modificando também a outra.
O que o Dr. S. Jay Olson descobriu foi que, além do espaço, o entrelaçamento quântico também afeta o tempo. Assim, o estado de uma partícula que exista às 11h45, por exemplo, pode ser enviado para a mesma partícula às 12h15, sem precisar passar pelo intervalo de tempo que as separa.
Olson chega a fazer uma analogia com um dos episódios da série de TV Jornada nas Estrelas. Em uma das aventuras da tripulação, o expert em teletransporte Scotty vai parar em um planeta distante, com uma quantidade limitada de ar. Assim, para sobreviver, Scotty usa o teletransporte para se “congelar” no espaço-tempo, na forma de pequenas partículas. Assim, quando a Enterprise chega ao planeta, décadas mais tarde, ela pode completar o teletransporte de Scotty, levando-o de maneira segura para dentro da nave e, mais importante, sem que ele tenha envelhecido um dia sequer.
“Não é a viagem no tempo da forma como costumamos pensar nela, quando de repente, puf!, você está no futuro. Mas você consegue pular o tempo que teria que percorrer para chegar até o futuro”, diz Olson.
Entrevista com o Prof. Dr. Elcio Abdalla
O Baixaki também conversou sobre o assunto com o Prof. Dr. Elcio Abdalla, da Universidade de São Paulo. Abdalla é físico e possui pós-doutorado em Física das Partículas Elementares e Campos, pela USP, além de ser professor com livre-docência na mesma instituição.
Baixaki: É mesmo possível viajar no tempo? Qual é a sua opinião sobre o assunto?
Abdalla: A teoria da Relatividade Geral permite, havendo várias soluções das equações de Einstein que o permitem. Recentemente meu estudante de doutorado Alan Pavan escreveu uma tese sobre o assunto, sobre a qual escrevemos um artigo em Physical Review D (Abdalla, Molina e Pavan, Phys.Rev. D 81, 044003 (2010)). De modo geral, soluções com rotação permitem as chamadas máquinas do tempo (volta ao passado). O exemplo mais simples constitui-se por duas cordas infinitas em rotação. O problema prático é que é necessária uma energia enormemente grande para a tal máquina. Máquinas que nos levam ao futuro são mais simples, basta entrar em um buraco com uma quantidade enormemente grande de matéria ao redor. Ao sairmos do buraco, muito tempo terá se passado e estaremos no futuro. Ainda assim, o trabalho para se fazer tal máquina é muito grande.
Baixaki: Por que esse assunto interessa à Física?
Abdalla: São questões que nos remetem aos aspectos da teoria onde há paradoxos. Quando há paradoxos, significa que alguma coisa não foi compreendida, e podemos então aprender algo novo.
Baixaki: Por que é mais "fácil" viajar para o futuro do que para o passado?
Abdalla: A viagem para o futuro não apresenta grandes paradoxos, mas para o passado há sempre a questão do "paradoxo do avô", entre outros. Acreditamos que viagens ao passado sejam impossíveis mas não sabemos por quê.
Baixaki: A viagem no tempo é muito difundida na literatura e nos filmes de ficção científica. Essa popularidade do tema chega a atrapalhar a ciência?
Abdalla: Não acredito que haja problemas, os físicos pensam independentemente da ficção científica.
Baixaki: A viagem no tempo permite algumas situações paradoxais, como a prevista pelo Paradoxo do Avô. Como o senhor vê essas situações? Acha que eles tornam a viagem no tempo impossível? Ou acredita que a viagem no tempo possa ser implementada de maneira que tais paradoxos seriam resolvíveis?
Abdalla: Acredito que haja empecilhos que advém da mecânica quântica. Isto é o cerne da discussão publicada em meu artigo com meu estudante Alan Pavan e nosso colaborador Carlos Molina. Suponho que a mecânica quântica seja o empecilho para a volta no tempo. No entanto a questão é muito difícil e uma solução final está longe de nosso alcance.
Baixaki: O Grande Colisor de Hádrons (LHC) poderia trazer mais respostas para questões relacionadas ao tempo ou à viagem no tempo?
Abdalla: Pode, exatamente através da compreensão da gravitação quântica. No caso do LHC está questão é central.
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Caso você tenha lido todo o artigo e não esteja com dor de cabeça, pode ser que deseje buscar mais detalhes sobre a viagem no tempo e outros assuntos relacionados à Física. Por isso, recomendamos a leitura de pelo menos cinco livros.
Três deles são do famoso matemático, astrofísico e doutor em cosmologia Stephen Hawking, que já ocupou a cadeira de Newton como professor lucasiano na Universidade de Cambridge. Os títulos são “Uma Breve História do Tempo”, “Uma Nova História do Tempo” e “O Universo Numa Casca de Noz”.
Além desses, outros dois são indicados: “A Essência da Realidade”, de David Deutsch, “A Física do Impossível”, de Michio Kaku, e "Cosmologia, dos mitos ao centenário da relatividade", de Elcio Abdalla e Alberto Saa.
Boa leitura!