(Fonte da imagem: Reprodução)
Parte do mundo foi pego de surpresa quando Edward Snowden, ex-funcionário terceirizado da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, revelou no início de junho que o seu país espionava dados telefônicos e de internet de muita gente ao redor do planeta.
Além disso, uma reportagem do jornal O Globo do começo de julho deste ano revelou que o Brasil é o país mais monitorado em toda a América Latina, o que causou reações negativas por parte do governo brasileiro, com a presidente Dilma Rousseff cancelando uma visita oficial que faria aos Estados Unidos.
Dados revelados pela reportagem dão conta de que, apenas em janeiro de 2013, foram espionados 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens. Novas informações dão conta de que setores estratégicos do país, como a Petrobrás e o Ministério de Minas e Energia (MME), além da própria presidente da República, também foram alvo de espionagem.
Enfim, o fato de o Brasil ser o país mais “observado” em toda a América Latina levanta um grande questionamento: por que os Estados Unidos espionam o Brasil?
Guerra econômica
Quando as informações sobre a espionagem dos Estados Unidos foram reveladas, muitos analistas acusaram o país norte-americano de tentar garantir interesses econômicos de suas corporações, o que foi prontamente negado por Washington. Entretanto, as últimas revelações mostram o contrário.
Em reportagem do dia 08 de setembro, o programa Fantástico, da Rede Globo, revelou documentos ao qual teve acesso e que comprovam que a Petrobrás, maior transnacional brasileira a atuar no mundo, teve sua rede privada espionada pela NSA. Os documentos evidenciam o interesse estadunidense em torno do petróleo brasileiro, afinal, informações obtidas por meio de espionagem poderiam favorecer algumas empresas nos leilões do Pré-Sal.
Petróleo do Pré-Sal estaria entre os interesses dos EUA na espionagem ao Brasil. (Fonte da imagem: Reprodução/Petrobrás)
No último final de semana, uma nova informação reforçou ainda mais o cunho econômico das espionagens realizadas pelos Estados Unidos no Brasil. Novamente o programa de domingo da Rede Globo trouxe à tona informações de que o MME foi alvo de espionagem por parte da NSA.
Os dados coletados de comunicações de computadores, telefones fixos e celulares do Ministério de Minas e Energia foram monitorados pela agência em parceria com a Agência Canadense de Segurança em Comunicação. Além de EUA e Canadá, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, outros três países que colaboram com as espionagens norte-americanas também tiveram acesso aos dados.
Em sua conta pessoal no Twitter, a presidente Dilma Rouseff afirmou na última segunda-feira (7) que as novas informações confirmam a existência de “razões econômicas e estratégicas por trás de tais atos [de espionagem]”.
Guerra informacional
As explicações oficiais da NSA não negam a espionagem, mas tentam explicá-la ao usar a “guerra ao terrorismo” como justificativa. O diretor da NSA, general Keith Alexander, falou sobre o tema ainda em julho deste ano durante uma conferência. Após ser interpelado por um jornalista, ele respondeu o seguinte:
Sabe, a realidade é que não estamos coletando todos os emails das pessoas no Brasil, nem ouvindo suas conversas no telefone. Por que faríamos isso? O que alguém levou foi um programa que analisa os metadados ao redor do mundo, que você usaria para encontrar atividades terroristas que possam transitar [entre países], e saltou à conclusão de que "Ah, metadados! Eles devem espionar o telefone de todo mundo, eles devem estar lendo o email de todo mundo".
Nosso trabalho é de inteligência no exterior. Eu digo a você que 99,9 – e eu não sei mais quantos noves – por cento de tudo isso, seja na Alemanha ou no Brasil, não são de interesse para uma agência de inteligência no exterior. O que interessa é um terrorista em trânsito ou fazendo algo parecido.
Se a princípio isso não diz muita coisa, o general Michael Hayden, ex-diretor da CIA e da NSA, revelou ao The New Yorker dois segredos “escondidos” nas palavras de Alexander. O primeiro é simples e dá conta de que, como Snowden levou um programa que analisa metadados, a agência sabe exatamente quais a informações ele teve acesso.
O segundo é um pouco mais complicado, digamos assim. A NSA confirma que o alvo principal não são os brasileiros (apesar dos 2,3 bilhões de dados espionados somente no primeiro mês de 2013), e Hayden informa que o interesse dos EUA por aqui nesse sentido, segundo o que revelou Alexander, gira em torno dos cabos transatlânticos que transmitem voz e internet pelo mundo e que saem pela costa brasileira.
O Brasil é uma central importante na transmissão desses dados, com uma série de cabos passando pelo nosso litoral — como fica claro no mapa abaixo (clique para ampliar).
Ampliar (Fonte da imagem: Reprodução/TeleGeography)
Em um dos slides revelados por Snowden, é possível ver esse mapa como plano de fundo, com os cabos destacados em marrom na imagem. Isso quer dizer que espionam o Brasil não somente para espionar o país, mas para obter informações que passam por aqui por meio dos tubos transatlânticos.
Ampliar (Fonte da imagem: Reprodução/Edward Snowden)
Guerra ideológica
O jornalista cubano exilado em Miami Carlos Alberto Montaner dá outro viés para a espionagem. Um “velho amigo” do jornalista e ex-embaixador dos EUA no Brasil, que não teve seu nome revelado, teria informado a ele que o real motivo da espionagem é a proximidade que o Brasil possui com países não alinhados à política de Washington.
Segundo as informações do jornalista, um famoso opositor dos governos de esquerda da América Latina, a amizade do governo brasileiro com países como Cuba, Bolívia, Venezuela e Irã, todos declaradamente em desacordo com as políticas internacionais dos Estados Unidos, seria a principal motivação para a atenção especial que o Brasil recebe dos EUA (aqui você pode ler o texto de Montaner transcrito para o português).
Proximidade do governo brasileiro com governantes não alinhados a Washington também pode ser um dos motivos para a espionagem. (Fonte da imagem: Roberto Stuckert Filho/Fotos Públicas)
A ideia de os EUA considerarem o Brasil um ponto estratégico, visto o protagonismo internacional conquistado pelo país nos últimos anos, além é claro de recursos naturais que vão desde a Amazônia ao petróleo Pré-Sal, por si só já “justifica” a espionagem em empresas e ministérios estratégicos para o desenvolvimento e para a soberania nacional.
O histórico dos Estados Unidos em relação à América Latina mostra que espionagem e outras ações envolvendo a inteligência fazem parte do modus operandi da política externa do país — a chamada Operação Condor, que deflagrou diversos golpes militares contra governantes eleitos na América do Sul, é um exemplo disso.
Portanto, dá para concluir que, se os EUA veem o Brasil como ponto estratégico para seus interesses, mirar os olhos e ouvidos do Tio Sam para cá é um movimento esperado.
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