A empreitada de trazer Godzilla ao Ocidente é um pouco assustadora, já que o Godzilla de 98 da TriStar deixou todos com um gosto amargo na boca. Contudo, a Legendary Pictures fez um trabalho bem honesto ao revisitar a franquia com uma boa mescla de toques ocidentais e orientais em Godzilla, lançado em 2014.
Mas será que o “monsterverse” da Legendary continua os acertos e conserta os erros em Godzilla II: Rei dos Monstros? Afinal, o hype se elevou bastante com a introdução de grandes nomes do universo nipônico do lagartão, como Rodan, Mothra e King Ghidorah.
A sequência do longa-metragem de 2014 e parte do universo de Kong: A Ilha da Caveira é, no geral, muito boa. O que o filme acerta, acerta muito: os kaijus, monstros gigantes e estrelas do segundo filme, são incrivelmente bem-feitos e demonstram como uma produção de altíssimo orçamento pode lidar com a cultura japonesa dos filmes da Toho, detentora dos direitos de Godzilla no Japão.
Por outro lado, o diretor e roteirista Michael Dougherty (que não tem grandes produções no currículo, vale lembrar) de Godzilla II: Rei dos Monstros peca um pouco em não desenvolver a parte humana da história, algo que o longa de 2014 conseguiu fazer muito bem no primeiro ato com o ator Bryan Cranston. Veja a crítica completa:
O fator humano é deixado de lado
Apesar de ter um elenco bom, com Kyle Chandler (Super 8, Argo) no papel de Mark Russell e Vera Farmiga (Invocação do Mal, Bates Motel) no papel da Dra. Emma Russel, há pouca empatia pelas decisões e ações dos personagens. É difícil entender as motivações de cada um (particularmente de Emma Russel) e há uma grande incoerência narrativa.
Os pontos altos ficam na atuação da estrela-mirim Millie Bobby Brown (Stranger Things) e do veterano Charles Dance (Game of Thrones), mas seus papeis têm pouco tempo de tela e, por consequência, pouco desenvolvimento. Por sorte, há alguns personagens secundários que ajudam a dar suporte aos protagonistas insossos, mas certamente o resultado não passa de “ok”. As próprias criaturas têm tramas de fundo corridas e mal explicadas, se assemelhando a alguns casos da própria Toho – em um aspecto ruim.
Entre Godzilla e Godzilla II: Rei dos Monstros, a Toho lançou o excelente Shin Gojira (ou Godzilla Ressurgence), que lida muito mais com o aspecto da força da natureza, burocracia políticas, críticas sutis à ineficiência japonesa em lidar com desastres naturais e até mesmo leves pinceladas em mensagens filosóficas. É esse tipo de tempero que o novo filme carece: aquele que dá profundidade e significado em uma trama aparentemente simples de um filme de monstros.
Godzilla II: Rei dos Monstros é muito mais sobre o que título diz: os monstros. Isso não é ruim, já que toda a série se consolidou mais pelas batalhas de kaijus do que pelas tramas galhofas (na maioria das vezes, já que poucos filmes da Toho são exceção). Além disso, esse foi uma das maiores críticas ao primeiro longa de 2014, mas não seria nada mal unir o útil ao agradável, trazendo a seriedade que Hollywood apresentou a um filme de Godzilla e o grande orçamento para grandes batalhas.
Por fim, há sentimentos mistos nas cartas apresentadas na mesa em relação aos kaijus. Por um lado, há referências excelentes a filmes clássicos da Toho, como Godzilla, Mothra e King Ghidorah: Giant Monster All-Out Attack e Godzilla vs. Destoroyah, o que é uma carta de amor aos fãs. Em contrapartida, certas decisões parecem corridas e lembram um pouco “Batman vs. Superman”, (mesmo que em uma escala bem menor), pois muitos trunfos, sejam eles criaturas ou referências, foram gastos em um dos primeiros filmes do universo de monstros da Legendary Pictures. Confesso que estou curioso pelo futuro.
Kaijus: divindades em ação do jeito certo
Começar pelos pontos negativos pode dar a má impressão de que Godzilla II: Rei dos Monstros é um filme mediano, mas ele não é. O segundo longa-metragem do monstrengo é um tokusatsu feito em Hollywood do começo ao fim. Os kaijus tem um tempo de tela impressionantemente grande e superam muito bem os pontos fracos do primeiro filme, garantindo os holofotes às criaturas em proporções bem maiores que os próprios filmes da Toho no Japão.
Para quem é fã do lagartão e da trupe que o acompanhou pelos 65 anos de história, “Godzilla II: Rei dos Monstros” é um prato cheio de referências sensacionais e ação ininterrupta de criaturas colossais entrando em confronto o tempo todo. Na história, os kaijus são nomeados como Titãs, os primeiros deuses que habitaram a Terra, e pode ter certeza que o aspecto divino é o que impera do começo ao fim. Cada ação e golpe têm pesos hercúleos e garantem a ação que esperamos tanto tempo para ver.
Em contraste com as produções da Toho, a nova obra da Legendary Pictures tira o senso de desastres naturais das brigas entre os monstros gigantes e constrói um verdadeiro clima de confrontos divinos entre bestas que podem trazer o apocalipse. É incrível como a cinegrafia faz questão de colocar tanto a perspectiva humana, com ângulos de baixo para cima, quanto câmeras afastadas nas cidades para dar um tom épico que obra alguma de Godzilla jamais teve.
Cada cena em que uma das grandes criaturas aparecem é quase como um quadro vivo. Rodan rasga os céus e destrói cidades em seus rasantes; Mothra tem um aspecto etéreo e divino que é uma verdadeira homenagem ao seu estilo japonês; Godzilla continua imponente e mostra o peso de cada passo, enquanto King Ghidorah tem um ar majestoso, caótico e apocalíptico em absolutamente em todo tempo de tela, causando tempestades gigantescas e frequentemente expondo apenas sua silhueta medonha com os trovões que invoca, algo que achei particularmente incrível em sua adaptação ocidental.
As cenas de lutas são muito bem-coreografadas e criam tons épicos a cada embate, o que considero ser o aspecto mais crucial que o filme precisava atender. Há ângulos brilhantes entre uma ação e outra, como King Ghidorah abrindo suas asas no topo de uma montanha no México em contraste com um crucifixo no primeiro plano, ou o uso das cores para diferenciar os embates entre Ghidorah e Godzilla, e muito mais. A direção de arte é realmente um aspecto magnífico da produção.
A sonoplastia também não faz feio. Além dos visuais incrivelmente fiéis ao material original, é incrível como a Legendary honrou o legado japonês e trouxe efeitos sonoros extremamente similares às versões nipônicas dos kaijus. Até mesmo a clássica trilha sonora de Godzilla, ausente em 2014, está presente no filme e faz aparições pontuais que arrepiam os pelos da pele.
O ritmo da ação é constante e jamais deixa a peteca cair, algo que foi uma das falhas do filme de 2014, que frequentemente demorava a introduzir monstros, cortava cenas de luta, ofuscava cenas importantes e trouxe um descompasso no ritmo que, por muitas vezes, podia deixar a audiência entediada.
Desde os primeiros minutos de tela já vemos os primeiros monstros em ação. E pode apostar: criaturas gigantes é o que não falta na trama. Rodan, Mothra, King Ghidorah e o próprio Godzilla são as estrelas do filme e, de certa forma, muito mais protagonistas do que os atores do núcleo humano. Apesar de o longa citar 18 kaijus, apenas 8 aparecem na tela (e 4 deles por períodos realmente muito breve), deixando pontas soltas para filmes futuros.
O futuro é promissor
Esta análise é100% livre de spoilers então pode ficar tranquilo no que está escrito a seguir. Godzilla II: Rei dos Monstros deixa muito mistério no ar propositalmente. Desde as cenas de créditos com diversas informações que indicam aparições de novos monstros e do destino da série à própria cena pós-créditos, que, se concretizada, pode ser o pivô para deixar as produções hollywoodianas de Godzilla completamente inserida no universo japonês da Toho.
Apesar de ter demorado cinco longos anos para a sequência sair, há um terceiro filme de Godzilla e um quarto do “monsterverse” da Legendary Pictures datado para 2020: Godzilla vs. Kong. Nos primeiros dois filmes, o lagartão serviu como herói da história, mas é interessante ponderar qual será seu papel contra Kong, um Titã que já provou ter simpatia pelos humanos.
O grande resumo é que Godzilla II: Rei dos Monstros é uma verdadeira ode aos fãs do monstrengo. Um tokusatsu de primeira com um ritmo invejável que é excelente para os amantes das produções da Toho e muito divertido até mesmo para os marinheiros de primeira viagem quando o assunto é Godzilla.
Ele não é um filme perfeito, mas certamente superior ao primeiro longa, acertando onde o outro mais pecou: os monstros. Não há uma humanização tão boa quanto a de Shin Gojira, mas as lutas são espetaculares e saciam a sede de ação nas telonas. E, como diria o Dr. Serizawa: “deixe-os lutarem” – e dessa vez sem mistérios e cortes nas cenas de luta.
Godzilla II: Rei dos Monstros chega aos cinemas no dia 30 de maio.
Este texto foi escrito por Vinícius Munhoz especialmente para o Minha Série.
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