Quem tem 30 anos ou mais deve se lembrar bem da época do lançamento de “Matrix” e de como isso tomou conta do ano cinematográfico de 1999. Apesar de ter dividido o ano com películas como “Clube da Luta”, “Garota, Interrompida” e “Beleza Americana”, que arrebatou cinco estatuetas do Oscar, foi a obra-prima das Wachowski a mais marcante daquele ano.
Lançado pela Warner e com produção de Joel Silver, “Matrix” chegou aos cinemas em 31 de março daquele e logo acumulou uma legião de fãs, o que lhe rendeu uma bilheteria de US$ 463,5 milhões ao redor do mundo — mais de sete vezes o valor do seu orçamento de US$ 63 milhões.
O elenco de respeito liderado por Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss e Hugo Weaving deu vida a uma história impactante que mistura tecnologia, filosofia, conspiração, artes marciais e muita roupa de couro para criar um universo distópico onde a nossa realidade não passa de uma simulação de computador.
20 anos de um clássico. (Fonte: Warner/Divulgação)
De onde veio
Não é difícil encontrar listas falando sobre todas as referências mais claras do filme, como “Alice no País das Maravilhas”, obra-prima de Lewis Carrol, e “Simulacros e Simulação”, de Jean Baudrillard, mas as influências não param por aí.
Olhares mais atentos percebem a influência clara de ideias do cristianismo, do gnosticismo, do budismo, de grandes filósofos, como o alemão Immanuel Kant e o grego Platão, e de autores de ficção científica como Philip K. Dick e William Gibson.
Cinematograficamente falando, a inspiração mais evidente vem da China e do Japão, como os filmes de kung fu “Lutar ou Morrer” (1994), “O Mestre Invencível” (1978) e “Batalha de Honra” (1993) e os animes “Akira” (1988) e “Fantasma do Futuro” (1995). O vídeo abaixo, da série “Everything is a remix”, é preciso ao detalhar todas essas influências.
Sem deixar polêmicas de lado, fãs de quadrinho vão se lembrar da série “Os Invisíveis”, de Grant Morrison, publicada entre 1994 e 2000. Quem leu ao menos metade das 59 edições da história consegue identificar diversas semelhanças entre as duas histórias, algo que sempre foi acusado por Morrison, mas nunca assumido publicamente pelas Wachowski.
Diálogos profundos e subversão
Por ser um filme grande, feito por um grande estúdio (a Warner) e com todas as características típicas de um blockbuster, “Matrix” chama a atenção pela forma subversiva, digamos assim, que apresenta um grupo de rebeldes anarquistas digitais em um universo distópico onde os seres humanos perderam a guerra contra máquinas dotada de inteligência artificial.
Críticas ao comportamento humano estavam por todos os lados, com a mais clara delas sendo a que vivemos todos submersos em uma imensa e mentirosa realidade paralela. A simulação na qual estamos enfiados nos afasta do mundo real, cinza, sem compaixão e no qual estamos todos à beira da morte e da destruição.
Essa ideia de alienação e controle por grandes corporações ou forças superiores (no caso, aqui, as máquinas) não é nova no cinema ou na literatura, mas “Matrix” conseguiu inovar ao misturar um caldeirão de ideias distintas com uma pegada tecnológica em um momento em que os computadores e a internet começavam a se tornar praticamente parte de nosso DNA.
Universo expandido
O filme de 1999 deu o pontapé inicial a um universo expandido e multimídia como poucas vezes se viu até então. As duas sequências “Matrix: Reloaded” e “Matrix Revolutions”, ambas de 2003, chegaram aos cinemas acompanhadas de um extenso material complementar composto pelos gibis “Matrix Comics”, pelos curtas de animação “Animatrix” e pelos jogos “Enter the Matrix” e “Matrix Online”.
No universo criado pelas irmãs Wachowski, cada um desses itens trazia informações complementares à história central contada nos três filmes. Por eles, os fãs se aprofundavam nesse mundo novo, sabiam mais sobre personagens centrais e secundários e sobre como o mundo se tornou um simulacro dominado por programas de computador.
Hoje isso tudo até parece natural com o sucesso do universo cinematográfico da Marvel, mas a tática usada pelas Wachowski de criar todo um ecossistema multimídia que se complementa de forma impecável é algo ímpar na história do cinema.
Um marco do cinema e da cultura pop
O impacto de “Matrix” não se deu apenas na cultura pop, com fãs em todo o mundo adotando o estilo de Neo (Reeves), Morpheu (Fishburne), Trinity (Carrie Anne-Moss) e companhia, no cinema ele também foi marcante. Depois de “Matrix”, não era incomum ver, por exemplo, filmes de ação abusando do efeito “tempo de bala” — ou “bullet time”, caso você prefira a expressão em inglês —, um dos grandes marcos visuais do filme.
O efeito tempo de bala foi um dos marcos de "Matrix". (Fonte: Warner/Reprodução)
Outra grande contribuição foi a popularização em Hollywood da técnica conhecida como “wire fu” em cenas de luta. Desenvolvida em Hong Kong, ela mistura “wire work” (cenas onde os atores estão presos a cabos) e kung fu e ganhou ficou amplamente conhecida no ocidente após ser usada aos montes durante as lutas dos rebeldes contra os agentes do sistema.
Além disso, é impossível falar de “Matrix” sem citar a sua estética que mistura as roupas pretas e os óculos escuros com paletas azulados e esverdeados, o que coloca o filme em um patamar elevado no âmbito da cultura pop de influência cyberpunk.
Entre outros marcos da cultura pop criados por "Matrix" podemos citar o "código Matrix", a chuva de caracteres em verde limão que representa a realidade virtual, e a dicotomia entre conhecimento/liberdade/aflição e ignorância/prisão/felicidade representado pelas pílulas vermelha e azul oferecidas por Morpheu a Neo.
20 anos depois
Duas décadas após o seu lançamento, Matrix continua um filme bem conceituado entre público e crítica — e estão aí o Rotten Tomatoes e o IMDB para confirmar essa informação. Há quem ainda não tenha entendido Matrix? Sim, mas sempre é tempo de conhecer e revisitar um dos blockbusters mais revolucionários de Hollywood.
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