A Netflix não se tornou a gigante do streaming que é hoje à toa. A plataforma de vídeos por demanda guarda muito bem seus dados e os usa com inteligência — com a ajuda de estratégias de marketing, grandes sacadas e, claro, altas doses de bom humor e interação com a sua audiência. Você sabe quais os truques que ela usa para te fisgar e manter grudado nas telas? Abaixo nós revelamos as principais delas.
Mexendo com a sua mente
A Netflix adotou fórmulas que intensificam a imersão na programação e sugerem as famosas maratonas, conhecidas como “binge-watching” e atualmente adotadas também pelos concorrentes. Uma das táticas básicas é promover o popular “cliffhanger” em cada episódio, algo que os amantes de novelas globais estão carecas de saber: esses são aqueles recursos de narrativa para momentos tensos que sempre deixam um gancho para o capítulo seguinte. “Será que o Demolidor morreu mesmo?” Só vendo o que está começando nos próximos segundos é que você vai saber.
Outra coisa feita para te atrair é que a plataforma foi desenhada para que o conteúdo já visto seja marcado como em uma checklist. Estudos comprovam que assinalar uma tarefa cumprida nos traz satisfação e, ainda que em diferentes níveis, terminar cada pedacinho daquela história de 8 partes pode trazer uma sensação de “dever cumprido”.
Sabe quando você tem que fazer algo mas “pode perder mais meia horinha” assistindo? Então, o cérebro humano processa melhor pedaços de informação do que os dados em larga escala e isso inclui a maneira como ele lida com o tempo. É mais fácil dividir a absorção em nacos de 30 ou 60 minutos. E as atrações da Netflix costumam estar disponíveis em porções de 20 a 40 minutos justamente porque é difícil encontrar quem assista algo pela metade com essa duração.
Imagens ao gosto do freguês
Muita gente já deve ter notado que as prévias no catálogo destacam diferentes imagens referentes às suas atrações, certo? Bem, elas não são iguais para todo mundo, mudam de acordo com os seus hábitos na plataforma. Quem confirma isso é o vice-presidente de produtos, Todd Yellin. “Se você olhar para a tela da Netflix de outra pessoa, vai notar que não são apenas os títulos que mudam na abertura. Até as imagens de cada um são personalizadas de acordo com cada indivíduo.”
Stranger Things foi visto até por um usuário na Antártida
É só abrir o site com diferentes cadastros para perceber que as “splash pages” que introduzem as listas contam com shows distintos e suas representações são alteradas ao longo do tempo, conforme você vai navegando.
A companhia percebeu que poderia atrair mais gente com uma experiência customizada nessa área depois de registrar uma pessoa vendo a primeira temporada de Stranger Things na Antártida. “Como manter esse assinante conectado?” Bem, a série retrô agradou em cheio uma grande variedade de perfis e os programadores começaram então a procurar por padrões nas nuances das preferências dos usuários.
12 tons de taggers
A empresa contratou taggers no mundo todo para que eles assistam cada trecho e classifiquem seus tons — tenso, ameaçador, assustador — e detalhes de suas tramas — amizade, pessoa desaparecida, crise familiar, etc. A partir daí, entram os algoritmos, que aplicam 12 tags em Stranger Things e anotam como as pessoas se relacionam com os mesmos. Ou seja, enquanto alguns veem a atração como “mistério” outras podem assistir no nicho “thriller sci-fi”.
Desenvolvedores perceberam que muitos telespectadores que gostam de documentários clicam quando o personagem Hopper é que está na capa de Stranger Things
Na sequência, para descobrir conjuntos de seriados e filmes que parecem atrair o mesmo público, a plataforma identificou 2 mil “comunidades com o mesmo gosto” (ou “taste communities”). Mais uma vez, Stranger Things foi a mais popular em várias delas. E mesmo que a história de Eleven seja a mais querida de outros grupos, isso não quer dizer que ela esteja rodeada das mesmas sugestões em cadastros distintos.
Os longa-metragens também entram nessa conta. Os desenvolvedores perceberam que muitos telespectadores que gostam de documentários clicam quando o personagem Hopper é que está na capa de Stranger Things. Já os fãs de comédias são atraídos pela foto do núcleo mirim e por aí vaí.
O VP Todd Yellin comenta que as conclusões são formuladas a partir de testes A/B e a experiência leva em consideração os marinheiros de primeira viagem, algo que continua sendo avaliado. E o próximo passo nesse caminho, qual seria? Os vídeos. O executivo adiantou que quer usar o mesmo conceito dos “thumbnails mutantes” com os clipes promocionais.
Descobrindo o que você gosta
Já percebeu que tem gente que nem curte quadrinhos e talvez sequer tenha lido uma revista da Marvel Comics ou DC Comics e de repente recebe recomendações para assistir Os Defensores na Netflix? A própria plataforma confirma que 80% do que o pessoal assiste vêm das recomendações no catálogo. E aí entra o que Todd Yellin chama de “banquinho de três pernas”.
"As três pernas deste banquinho seriam os membros da Netflix, os taggers que entendem tudo sobre o conteúdo e os nossos algoritmos da máquina de aprendizado, que coletam todos os dados e juntam as coisas", diz o VP.
Levamos todas essas tags e os dados do comportamento do usuário e usamos algoritmos muito sofisticados, que descobrem o que é mais importante e no que devemos nos concentrar
Se você somar os “agregados” aos 100 milhões de usuários no mundo todo, pode chegar a uma conta perto de 250 milhões de perfis ativos. É muita informação sobre o que você gosta. “Com esses tipos de dados sabemos o que as pessoas assistem e o que veem depois e antes; o que assistiram há um ano e o que viram recentemente e a que horas do dia.” Isso seria a “primeira perna” do citado banquinho.
A segunda seriam as dezenas de funcionários internos e freelancers que ficam de olho nos detalhes — minuto a minuto — de cada atração do serviço de streaming. As tags usadas variam muito, desde se a série ou filme é mais cerebral ou tem um elenco de primeira, se a trama está no espaço ou segue a história de um policial corrupto.
E a terceira é representada pelo poder da inteligência artificial. “Levamos todas essas tags e os dados do comportamento do usuário e usamos algoritmos muito sofisticados, que descobrem o que é mais importante e no que devemos nos concentrar. O quão relevante é se um consumidor assistiu algo ontem? É aí que entra a máquina de aprendizado e essas três coisas é que geram as ‘comunidades com o mesmo gosto’”, revela Yellin.
Feito sob medida para você viciar
No ano passado, a Netflix publicou um levantamento sobre o que a companhia entende ser “episódios-gancho”, responsáveis por manter pelo menos 70% dos telespectadores interessados em continuar vendo o restante da história. Isso vem sendo aplicado em todo o conteúdo original da plataforma.
Pesquisas mostram que os usuários que assistiram ao menos dois capítulos de Stranger Things e The Get Down foram até a conclusão da trama
Em 2015, os dados coletados mostraram que as séries demoravam de três a cinco capítulos para fazer com que um usuário assistisse a temporada toda. Atrações como Orange is the New Black e House of Cards fisgaram muita gente com apenas três episódios. Já Unbreakable Kimmy Schmidt precisou de uma média de quatro ou mais partes.
Em setembro, a companhia atualizou esses dados: após apenas dois segmentos, Stranger Things e The Get Down levou grande parcela de seus fãs até a conclusão da trama. Narcos e Marseille foram mais bem-sucedidos somente depois de três e Making a Murderer, quatro.
O grande mistério fica por conta de episódios-piloto, que não costumam engrenar no serviço. Então, os produtores têm fragmentado com mais frequência o início de cada arco, justamente para fazer com que a galera não saia do sofá antes de ver mais de um pedaço dele — e isso a gente já citou ali no começo.
Um banho de cultura pop
Uma coisa todo mundo tem que concordar: fica difícil resistir à Netflix quando ela brinca com nossas memórias afetivas para chamar a atenção para seus lançamentos. E ela vem fazendo isso com maestria no mercado brasileiro.
Quem não se lembra da Xuxa rodando o disco ao contrário e rindo de si mesma — com ares nostálgicos de seu finado programa infantil global — na campanha de Stranger Things? E a Chiquinha do Chaves convocando a audiência para ver a segunda temporada?
Igualmente hilário foi o encontro de duas figuras icônicas da pornochanchada nacional oitentista, Gretchen e Rita Cadillac, para anunciar a estreia do seriado retrô Glow.
O início da 5ª temporada de Orange is the New Black também ficou marcado nas redes sociais tupiniquins, que viralizaram a divertida conversa de três encarceradas: Inês Brasil, Valesca Popozuda e Narcisa Tamborindeguy.
Pequenos detalhes, grandes resultados
Além de tudo o que já foi dito, a Netflix conta com pequenas ferramentas que fazem uma grande diferença nas suas escolhas. Por exemplo, já percebeu que não é tão fácil assim você buscar algo que está fora das recomendações? Digo, o botão de busca está ali, mas ele não é tão generoso. Aliás, ele pode até passar batido pela grande maioria dos usuários.
Os modelos de negócio e contratos atuais fazem com que muitas atrações entrem e saiam do catálogo regional mensalmente
Isso acontece porque, claro, a plataforma quer manter você conectado de acordo com algo que provavelmente vá assistir mesmo. Mas não só por isso: com a chegada do streaming, os modelos de negócios e contratos com as distribuidoras mudaram — preço e prazos de exibição, assim como região passaram a ser mais importantes para elas liberarem cada título.
Essa é a razão pela qual sempre tem bastante coisa saindo e entrando no catálogo mensalmente. E isso explica também o motivo pelo qual contas de diferentes partes do planeta podem ver coisas que não estão disponíveis no Brasil. Com esse “entra e sai” a lista total local pode desinchar e parecer bem modesta — e dificultar a procura por algo específico afasta essa impressão.
Outros recursos pequeninos mas que estão ali chamando nossa atenção é a barra de status de cada atração e o “pular abertura”. Isso nos incentiva a ver mais e de forma contínua. E as novidades continuam chegando, podem esperar por mais coisas semelhantes em breve.
E daí chega o final de semana e a gente tá como? Maratonando!
Sacaram como a empresa consegue juntar isso tudo? Pode ser que vocês tenham outras razões pelas quais continuam grudados na tela, mas tenham a certeza de que toda essa estratégia, planejamento e trabalho em conjunto dos profissionais da companhia contribuem para mantê-los conectados ao serviço.
E vocês, vão “maratonar” a segunda temporada de Stranger Things também? Curta, comente e compartilhe!
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