Eu sou muito, muito, muito fã da série Castlevania. Apesar de todo o peso que a franquia carrega, nunca imaginei que alguém se daria ao trabalho de adaptar a obra para outra mídia, como a TV ou o cinema. O anúncio da Netflix me deixou sem chão e jamais pensei que algo assim poderia ser produzido. A série animada chegou, e pode esperar algo com uma qualidade muito além da imaginada.
Já vou chutar o balde logo de cara: “Castlevania” da Netlix é a melhor adaptação já feita de um jogo para uma mídia audiovisual. Claro, não é um grande mérito, já que muitos filmes e séries de games são medianos ou ruins. Mas esse é justamente o ponto: a animação tem uma qualidade surpreendente que pode trazer novos parâmetros para a indústria.
A Netflix prezou e cuidou com carinho desse projeto. Ele tem o ponto certo, respeitando um legado e história canônica com maestria sem se atrelar a recontar algo que já sabemos, mas adiciona a dose perfeita de originalidade e complexidade. No fim, você verá que o maior ponto negativo é querer mais e ter que se conformar que, por enquanto, é só isso.
Essa resenha não terá spoilers, mas comentarei sobre diversos pontos dos únicos quatro episódios. Portanto, esteja ciente disso.
Um anime ocidental maduro, violento e sem medo de tentar coisas novas
Muita gente torceu o nariz quando soube que a tão aclamada série de Castlevania seria uma animação e não um material live-action. Fiquem tranquilos: para atingir esse nível de qualidade, não poderia haver escolha melhor. Apesar de ser em estilo de anime, “Castlevania” é, na verdade, uma animação ocidental. Pense em algo como “Avatar” ou “Avatar: A Lenda de Korra”, ou seja, um trabalho das terras de cá, que nem áudio em japonês tem.
A animação é muito violenta e não tem medo de explorar esse lado mais maduro que a franquia pode ter
A direção de Adi Shankar acertou com primor o tom que o conteúdo deveria ter: maduro, muito violento e sem medo de expor material visceral na tela, e você pode esperar por tripas e olhos arrancados, muito sangue e até mesmo cenas com crianças sendo mortas. A trama é um prequel para Castlevania 3: Dracula’s Curse de Nintendinho, que, convenhamos: é de uma época na qual as narrativas eram muitos mais simples e não tinham a carga emocional, imersiva e complexa que temos hoje em dia.
Essa é a grande sacada de “Castlevania” da Netflix: abordar um enredo mal explorado em toda a linha do tempo dos jogos ao criar uma históriaoriginal no tom que a franquia merece, mas sem desrespeitar os fatos canônicos ou criar algo que não tenha o sabor único da franquia. É algo inédito, mais brutal e desenvolvido, mas sem perder o tempero.
Castlevania da Netflix é uma série para maiores de 16 anos e traz muita brutalidade à tela
Para não deixar passar batido, há um pequeno elemento gastronômico que pode causar uma estranheza nessa deliciosa refeição de chefe: o humor. Ele tem um gosto sutil e que aparece em apenas 2% (ou até menos) de todo o material, mas mesmo assim achei que ele sai um pouco do gosto desse banquete brutal. Não é que usar humor seja ruim, mas é que ele é contrastante e um pouco fora do tom. Porém, trata-se de um detalhe pífio e pouquíssimo explorado.
Ritmo na dose certa, mas com gostinho de quero mais
Infelizmente, “Castlevania” tem apenas quatro episódios de, em média, 20 minutos cada. São minutos ininterruptos, sem pausas para recapitulações, músicas de abertura ou qualquer coisa do tipo. Mas mesmo assim, é pouco conteúdo no final das contas. Não darei spoilers, mas pode ter certeza de que tudo acaba com um gancho bem grande para a segunda temporada, que já foi confirmada.
Um grande trunfo da série é o seu ritmo, que corre sem medo de ser devagar ou de se precipitar e estragar a diversão: ele é do jeito que deveria ser. Para termos de comparação, podemos pegar a primeira temporada recém-lançada de “American Gods”, uma obra que serve apenas como introdução e desenvolvimento de personagens.
A ação, narrativa de fundo e construção de figuras na trama são muito bem dosadas e, como dito no outro tópico, sem medo de tentar coisas novas. Castlevania não é exatamente uma franquia de jogos leves e descontraídos, mas certamente é algo inédito ver vísceras na tela da TV e personagens tendo uma atenção enorme e com planos de fundo bem-feitos. E é nisso que a animação brilha com tanto primor: ser um complemento fiel ao conteúdo original, não uma reimaginação.
Nunca jogou nada de Castlevania? Sem problemas, a série se sustenta sozinha e ainda será ótima
Apesar de ser uma obra completamente inspirada em uma história que já existe e em um universo de games muito explorado por décadas, marinheiros de primeira viagem não terão problema em assistir à série sem nunca ter contato com Castlevania: elementos marcantes passarão batido e talvez não tenham o mesmo impacto, mas o enredo se sustenta por si só, sem a obrigatoriedade de conhecer um título específico ou a franquia como um todo.
O desenvolvimento de personagens é simplesmente impecável
Conforme citado, a história da animação serve de prequel à Castlevania 3: Dracula’s Curse, um jogo de NES. Se você não jogou, não precisa se preocupar com spoilers: trata-se de uma narrativa simples na qual Trevor Belmont se alia com mais três personagens para matar Drácula (mais uma vez), algo simplista e sem a dose de profundidade que encontramos em games atuais.
A série atinge o ponto certo: explorar uma trama mal aproveitada dos anos 80 e dar um novo tom, mas sem perder a essência
De certa forma, “Castlevania” da Netflix serve para enriquecer esse potencial narrativo adormecido e pouco explorado por uma geração de consoles que foi limitada por sua era. Na história, você verá como Castlevania 3 poderia ter sido e ainda ter um gostinho mais detalhado do lore da franquia, dando pano pra manga para entender melhor até mesmo acontecimentos de Castlevania: Symphony of the Night.
É impagável ver um lado humanizado de Drácula que nunca vimos e que podemos até mesmo nos identificar ou simpatizar, algo que os games nunca abordaram direito. Ou quem sabe ver Trevor Belmont, representado anteriormente com um semblante heroico, como um anti-herói cheio de escrotices e, em certas partes, até mesmo malévolo. “Castlevania” roda durante quatro episódios sem medo algum de servir como introdução aos personagens vistos na tela e sem preocupação em criar um clímax cinematográfico.
A dublagem americana tem o timbre perfeito para cada personagem, dando trejeitos e identidade a cada herói e vilão na tela. Trevor tem um sotaque interiorano, o Bispo tem um tom de voz calmo, sádico e amedrontador, enquanto Sypha tem nuances russos em suas falas e por aí vai. Você pode conferir o elenco completo neste link.
A qualidade da animação é um colírio para os olhos (sem 3D, por favor)
Confesso: adorei que o trabalho final foi uma animação, mas tinha receio em como ela seria. 2D? 3D? Uma mistura dos dois, como muitos animes fazem? No final, a produção optou por um estilo 2D mesmo, com pouquíssimos elementos em 3D que mal se destacam. Expresso aqui minha opinião e gosto pessoal: o resultado ficou impecável.
O estilo artístico adotado é justamente o que eu esperava de uma série de alto nível: um 2D de altíssima qualidade e que abusa nas cenas de ação, sem cortes, modelos em 3D ou qualquer outro aspecto visual que gere ruídos ou contraste. Os “gráficos” de “Castlevania” são coesos e harmônicos, sem trechos que fogem do escopo proposto.
Atualmente, com tantos exemplos ruins por aí, como “Dragon Ball Super” no começo da série, o novo “Berserk” e outros, “Castlevania” se torna um porto seguro para os amantes de boas animações.
A qualidade de animação é soberba e a Netflix fez escola mais uma vez, mostrando como se faz uma ótima adaptação de jogos
No final das contas, “Castlevania” da Netflix é uma obra-prima: respeita um legado de décadas, mas sem se atrelar ao conteúdo que já existe. Ela traz uma trama original, mais madura e bem desenvolvida, com ritmo certo, tempero na dosagem ideal e ótima caracterização de personagens. Sem dúvidas é a Netflix fazendo escola e mostrando como uma adaptação de games para outras mídias pode ser, sim, muito boa. Infelizmente, o calcanhar de Aquiles da série é justamente ser tão boa e ter tão pouco conteúdo. Agora, resta esperar ansiosamente por 2018.
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