Será que os eletrônicos são programados para pifarem alguns anos depois da compra? (Fonte da imagem: ThinkStock)
A Lei de Murphy é clara: se algo pode dar errado, dará errado. Por isso, não é de se espantar que aquele notebook que você suou para comprar apresente uma falha grave logo depois de o termo de garantia vencer. Algumas lojas, aproveitando o acaso do azar, começaram até mesmo a vender garantia adicional junto com seus produtos.
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É tão comum ver equipamentos eletrônicos pifarem depois de um ou dois anos de uso que muitos chegam a pensar que as empresas produzem verdadeiras bombas-relógios, produtos programados para apresentar falhas depois de um determinado período. E, sem dúvida, a parte mais decepcionante desse papo é o fato de que ele pode ter uma ponta de verdade.
Sony Timer: conspiracionismo japonês?
No Japão, consumidores acham que a Sony possui espécie de "bomba-relógio" (Fonte da imagem: Pink Tentacle)
Durante as décadas de 80 e 90, o povo japonês começou a desconfiar de que a Sony programava seus produtos para começar a falhar logo depois da garantia. E ainda hoje, décadas depois do surgimento desse rumor, há quem culpe a empresa, mesmo que nunca tenha aparecido prova alguma da acusação.
Interessante notar que, de acordo com o Pink Tentacle, até mesmo os executivos da Sony já tomaram conhecimento do rumor. Em 2006, um dos funcionários da empresa chegou a declarar que seria absurdo pensar que a Sony programava seus produtos para estragar no prazo de 13 meses após a compra. O mesmo artigo também diz que, em 2007, o então presidente da companhia Ryoji Chubachi também tinha ciência dos rumores.
Apesar de muita gente continuar acreditando nessa lenda urbana, parece claro que, caso um dispositivo desses existisse, as empresas concorrentes fariam de tudo para descobri-lo e denunciá-lo aos quatro cantos do mundo. Afinal, tirar a Sony da disputa pelo mercado é o que desejam muitas empresas por aí.
Mas e quanto à obsolescência programada?
O video game comprado hoje estará obsoleto dentro de 8 ou 10 anos (Fonte da imagem: iStock)
Como toda boa teoria da conspiração, esta aqui tem um pouco de verdade. A chamada obsolescência programada foi uma forma que a indústria encontrou de enfrentar a Crise de 1929, o pior e mais longo período de recessão econômica do século XX. De acordo com a revista Adbusters, foi em 1932 que Bernard London publicou um panfleto intitulado “Acabando com a Depressão por meio da Obsolescência Programada”.
No texto, London alega que uma das causas da crise econômica é o fato de que muitos consumidores desobedecem a “lei da obsolescência”, fazendo uso de seus “carros velhos, seus pneus velhos, seus rádios e suas roupas por muito mais tempo do que os estatísticos esperavam”. London ia além e estipulava até mesmo uma multa para aqueles que continuassem a usar itens com a “data de validade” vencida. Obviamente, isso não chegou a ser implementado na prática, mas parece que a indústria se apropriou dessa ideia de outras maneiras.
O termo começou a se popularizar em 1954, quando o designer americano Brooks Stevens apresentou uma palestra em Minneapolis sobre como a publicidade deveria instigar os consumidores a comprar algo novo e melhor antes de precisarem efetivamente de tal produto. Em outras palavras, Stevens achava que a propaganda deveria convencer você a comprar um celular novo, mesmo que o seu atual estivesse funcionando perfeitamente.
Mudança de significado
Atualmente, os produtos ficam "velhos" rápido demais, sendo logo descartados (Fonte da imagem: Eric Peters)
Apesar de não falar, inicialmente, sobre a qualidade dos produtos vendidos pela indústria mundial, a expressão “obsolescência programada” começou a ganhar um novo significado no fim da década de 50: mercadoria estipulada para apresentar defeito ou se tornar obsoleta pouco tempo depois de ser vendida.
O novo significado se tornou tão popular que, no começo da década de 60, a Volkswagen fez questão de anunciar, em suas peças publicitárias, que a empresa não acreditava no conceito de obsolescência programada e que seus carros eram feitos para durar. Apesar da mensagem positiva, dirigentes da empresa ficaram com medo de a nova propaganda passar a impressão de que os novos modelos não apresentavam novidades para o consumidor.
Ainda em 1960, o crítico cultural Vance Packard publicou o livro “Waste Makers”, que abordava a questão da nova estratégia da indústria. No volume, Packard dividiu a prática em duas categorias: obsolescência de desejo e de função. A primeira, também chamada de “obsolescência psicológica”, se refere à tentativa de marketing de vender um novo produto que não traz mudanças significativas, mas que possui um novo visual ou estilo. Já a obsolescência de função diz respeito a novos recursos e mudanças intrínsecas do produto.
A defesa da indústria
A obsolescência programada pode favorecer a inovação tecnológica (Fonte da imagem: ThinkStock)
Em 1840, o famoso historiador Alexis de Tocqueville percebeu que os americanos já adotavam a obsolescência programada na produção de navios e outras embarcações. Ao questionar um marinheiro sobre o assunto, Tocqueville foi informado de que a arte da navegação passava por um progresso muito acelerado e, por isso, as embarcações se tornavam “praticamente inúteis depois de alguns anos”.
E essa é a lógica que, de certa forma, ainda mantém a obsolescência programada nos dias de hoje. Os que apoiam essa defasagem estipulada acreditam que a prática favorece a inovação da indústria, que se vê obrigada a sempre criar algo novo para poder concorrer com os demais fabricantes.
Há também quem diga que essa é uma grande ilusão, já que as fábricas podem se negar a lançar algo novo antes de o modelo anterior de um produto ter faturado o suficiente. Em outras palavras, nessa corrida pela inovação, há que se levar em conta a possibilidade de um lançamento ofuscar o brilho de um eletrônico cujas vendas ainda não pagaram a sua criação.
Pelo visto, o modelo da obsolescência programada também traz riscos às indústrias. Mas o preço mais caro continua sendo pago pelo consumidor, que muitas vezes troca de eletrônico sem precisar, e pelo meio ambiente, já que os recursos naturais podem não aguentar tanta “inovação” ou dejetos gerados na fabricação e comercialização de novos produtos.
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