Apesar de hoje a Marvel ser gigante e produzir conteúdo para diferentes tipos de mídias, como quadrinhos, jogos, superproduções cinematográficas, bonecos para colecionadores e séries de TV, esse nem sempre esse foi o caso. A indústria do entretenimento é repleta de altos e baixos, e a Marvel Comics é um belo exemplo de como é possível passar por períodos negativos e construir futuro promissor apesar das adversidades.
Mas é preciso voltar alguns anos no tempo para podermos entender bem a trajetória da Marvel e como o estúdio foi capaz de se reerguer. Enquanto a arquirrival DC Comics lançava filmes inspirados em suas histórias em quadrinhos nos cinemas lá nos anos 80, como Super-Homem e Batman (e suas continuações que também fizeram bastante sucesso), as produções da Marvel estavam estagnadas. Os únicos dois lançamentos da empresa nos anos 80 – Howard The Duck e O Justiceiro – receberam inúmeras críticas negativas e deixaram dívidas milionárias para trás.
Sean Howe, autor do livro Marvel Comics: The Untold Story (ou Marvel Comics: A História Secreta, no Brasil), diz que nos anos 80 várias empresas consideravam investir nas obras do estúdio e fazer filmes baseados nas suas HQs, porém os orçamentos eram grandes demais. O livro, que possui mais de 500 páginas, fala desde as origens da Marvel até a venda para a Disney, acompanhando as principais cabeças desse universo, como Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko.
O preço de ter os heróis nas telas
Os super-heróis sempre foram fascinantes justamente por serem humanos, com falhas, apesar de possuírem poderes fantásticos – e colocar isso em tela é bastante caro. “Antes de Exterminador do Futuro 2 não tínhamos as tecnologias para fazer qualquer filme de modo convincente...”, diz Howe no livro. Contudo, quando existiam recursos suficientes para dar vida aos super-heróis da Marvel adequadamente, o estúdio estava à beira da falência.
O mercado de quadrinhos americanos estava em crise em 1993 devido ao número exorbitante de títulos que eram publicados desenfreadamente, além de o público estar um tanto desconfiado para adquiri-los, já que muitos eram considerados de má qualidade. Para complementar, a Marvel estava com dívidas de milhões, algo impulsionado pela má administração dos gestores. Para termos noção, ações que valiam US$ 35,75 caíram para US$ 2,38 em somente três anos.
Outras empresas adquiridas pela Marvel e que não deram lucro também culminaram no processo de falência de 1996, com contas que chegavam aos US$ 600 milhões. Devido à fusão com a empresa ToyBiz, foi possível recuperar um pouco dos recursos do estúdio, graças ao empresário Avid Arad ter assumido a presidência da divisão de filmes. Arad fez um movimento importante: vender as licenças de determinados personagens para outras empresas, apesar de a Marvel também poder se envolver no desenvolvimento desses projetos (até certo ponto).
Foi nesse cenário que os direitos cinematográficos de algumas das principais obras do estúdio foram adquiridos por outros gigantes – como o Homem-Aranha pela Sony e os X-Men pela Fox. Quando esses filmes fizeram sucesso com altíssimas margens de lucro (só Homem-Aranha obteve US$ 850 milhões), sendo extremamente bem recebidos pelo público, um novo marco também foi iniciado na história da Marvel.
O começo das superproduções
Sean Howe diz que, de certo modo, a comunidade dos quadrinhos precisava da validação de Hollywood – o que é triste. Contudo, a partir desse momento, a Marvel teve a oportunidade de voltar ao mercado e de se expandir muito mais. As atenções se voltaram para as superproduções de super-heróis, com vários filmes lucrando milhões de dólares facilmente. Entretanto, como as licenças de alguns dos principais personagens já haviam sido vendidas, os executivos buscaram nos arquivos do estúdio outros heróis menos conhecidos, como o Homem de Ferro.
O Homem de Ferro, interpretado por Robert Downey Jr., foi o primeiro filme produzido independentemente, sinalizando o início do universo Marvel compartilhado por outros protagonistas de filmes lançados depois. E, graças ao sucesso que obteve, várias portas foram abertas para os títulos subsequentes. As produções não eram pensadas para atingir exclusivamente o público leitor de HQs, mas pessoas de todos os tipos e idades.
Quando todo o potencial desse rico universo ficou bastante claro, foi questão de tempo até que olhos maiores e mais cobiçosos mirassem a Marvel. Em 2009, a Disney comprou o estúdio por US$ 4,3 bilhões. Assim, os filmes de super-heróis foram se disseminando e se tornando cada vez mais populares. Depois do Homem de Ferro tivemos as produções de Hulk e do Capitão América e de Thor, até chegarmos aos Vingadores.
Um universo compartilhado por todos os heróis
A grande vantagem de um mundo compartilhado dessa magnitude é que temos personagens completamente diferentes que se relacionam – há um pouco de tudo, com doses ideais de humor e de conflito. Guardiões da Galáxia pode até pertencer às franquias menos conhecidas do estúdio, porém o sucesso que obteve também é um exemplo de como as pessoas estão interessadas nesse tipo de entretenimento.
Contudo, quanto mais complexas forem essas participações entre histórias, maiores são os cuidados com o planejamento. Os crossovers e as narrativas confusas dos quadrinhos dos anos 90 foram responsáveis pelas crises que assolaram o segmento – as pessoas não se interessavam mais, achavam aquelas histórias sem sentido. Eventualmente, foi preciso apertar o botão de reset e criar novas linhas narrativas; precauções foram e estão sendo tomadas para que decadência semelhante não seja vista nas telas dos cinemas.
Hoje, o universo da Marvel já possui 11 filmes, quase todos eles conectados de algum modo, frutos de um planejamento extenso com produções concebidas até 2020. Logo teremos o filme do Homem-Formiga e do Doutor Estranho, assim como mais continuações para as franquias anteriores. A Marvel possui várias subsidiárias que cuidam de suas propriedades intelectuais, dos games às séries de Netflix (como Demolidor), projetando essas ações.
O grupo é avaliado em US$ 7 bilhões, dando suporte constante à principal fonte de suas histórias, os quadrinhos, com novos autores contratados e cronologias atualizadas sempre, utilizando linguagens mais atuais para simplificar os enredos. Se o público vai se cansar dos filmes de super-heróis não sabemos dizer, mas a Marvel e a Disney estão utilizando todo o potencial do momento para povoar os cinemas com os personagens originários dos quadrinhos, que, anos atrás, estavam quase fadados ao esquecimento e que atualmente estão presentes em jogos, brinquedos, canecas, camisas e dezenas de produtos licenciados.
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