Com X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, o diretor Bryan Singer tinha alguns grandes desafios à sua frente. Além de adaptar uma das mais icônicas sagas dos heróis nos quadrinhos, ele ainda tinha de que pôr ordem na bagunça que se tornou a cronologia da série. Afinal, depois de 15 anos, a quantidade de furos e incongruências nos seis filmes dos mutantes era enorme.
E, a seu modo, ele consegue cumprir bem esses objetivo — mesmo com alguns tropeços. Isso porque o longa-metragem consegue ser, acima de tudo, muito divertido. Singer mostra que ainda tem boas ideias para os mutantes, repetindo aquilo que ele já havia feito muito bem nos dois primeiros filmes da franquia.
Muita gente torce o nariz para o nome do diretor, principalmente após a tragédia de Superman: O Retorno, mas é inegável que ele sabe usar aqueles personagens muito bem. Mais do que criar um roteiro empolgante, ele aproveita muito bem os poderes e as características de cada personagem para dar vida a cenas de ação memoráveis. Lembra-se da invasão do Noturno à Casa Branca em X-Men 2? Pois, em Dias de um Futuro Esquecido, temos pelo menos duas cenas tão memoráveis quanto.
Só que ele vai além e traz também o dinamismo do novo elenco de mutantes de Primeira Classe. E é exatamente essa combinação de velho e novo que faz com que o retorno dos Filhos do Átomo às telonas seja tão animador.
De volta para o futuro
Se a ideia era organizar a linha temporal dos filmes e acabar com as falhas construídas na série, a solução não poderia ser outra além da viagem no tempo. E, apesar de esse ser um tema bem comum nos quadrinhos, nem sempre é fácil utilizá-lo no cinema. No entanto, Singer não apenas aceitou o desafio como ainda escolheu a saga mais marcante dos personagens para isso.
Quem leu a HQ original, publicada em 1981, vai perceber algumas mudanças significativas na apresentação dos fatos, mas a essência geral da história continua a mesma. O filme começa nos mostrando um futuro em que os mutantes passaram a ser caçados por Sentinelas, grandes robôs que se adaptam aos poderes de suas presas, sendo praticamente invencíveis. E essa realidade tenebrosa só aconteceu porque, em determinado ponto do passado, a vilã Mística assassinou um cientista, o que motivou os governos mundiais a perseguirem aqueles que possuem o gene X.
A partir disso, os poucos X-Men sobreviventes utilizam a habilidade recém-adquirida de Kitty Pride para enviar a consciência de Wolverine para o ano de 1973. Apesar de parecer confusa, a premissa básica é relativamente simples: sabendo o que está por vir, Logan deve ajudar os jovens Xavier e Magneto a impedir que a mutante azul crie o evento que vai dar início àquela realidade.
E aqui temos o primeiro grande acerto de Dias de um Futuro Esquecido. Embora ele reúna boa parte do elenco da trilogia original, eles nada mais são do que elementos de coesão entre essas duas séries. Embora a Fox não se canse de mostrar Wolverine nos pôsteres e trailers, os verdadeiros protagonistas ainda são os membros de Primeira Classe — o que é ótimo. Logan é apenas o argumento que dá início à trama.
Assim como vimos no último filme, a nova história é centrada na conflituosa relação de Xavier e Magneto, que questionam não apenas seus ideais, mas também a influência de cada um deles sobre Raven/Mística.
O fato de Hugh Jackman não ser mais o centro das atenções deu espaço para que os atores James McAvoy e Michael Fassbender explorassem ainda mais a dicotomia existente entre seus personagens. Além de terem uma dinâmica muito boa quando estão juntos em cena, eles conseguem apresentar facetas até então pouco exploradas dos mutantes. Ver o futuro Professor X sem acreditar em sua causa e sem esperança de um futuro melhor — e como ele recupera tudo isso — é algo que nos ajuda a entender como ele vai se tornar a figura paterna nos demais filmes.
Partindo para a porrada
No entanto, apesar das boas atuações e do roteiro interessante, ainda estamos falando de um filme de super-heróis, e isso significa que é necessário uma boa dose de ação para movimentar as coisas — e, nesse quesito, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido é uma atração e tanto.
Tudo aquilo que Bryan Singer ignora em termos de caracterização, ele tem de criatividade para criar cenas que aproveitam os poderes dos mutantes que aparecem em cena. E isso fica bastante claro nas cenas do futuro apocalíptico.
Sejamos francos: aquele núcleo está ali apenas para termos uma porradaria de respeito, já que todos estão presentes apenas para fazer volume. Com exceção de Xavier, Magneto, Kitty Pride e Wolverine, todos os demais mutantes que aparecem nessas sequências são somente número, já que a relevância desses personagens é nula. Só que o diretor compensa essa inutilidade com bons momentos de pancadaria.
O grande charme dos X-Men nunca foi a quantidade de heróis reunidos, mas a forma como eles trabalhavam em equipe — e é isso o que mais empolga por aqui. Ver os mutantes juntando suas habilidades para derrubarem os Sentinelas é incrível, principalmente por conta do senso de unidade que Singer conseguiu criar ao colocar vários mutantes atuando juntos.
O destaque aqui fica por conta dos momentos em que a personagem Blink entra em cena. Com os poderes de criar portais, ela é a responsável por um dos momentos mais fantásticos de todo o filme. Juntamente com o Colossus, faz umas peripécias tão incríveis com suas habilidades que você certamente vai pular da cadeira quando vir do que ela é capaz. E isso porque ela nem é uma heroína tão popular assim.
Outro momento que vai deixar todo mundo animado é a tão comentada participação de Peter Maximoff — o Mercúrio, embora ele não seja chamado assim no filme por questões de licenciamento. O visual do velocista foi duramente criticado ao longo da produção do filme (e com razão), mas vemos que nada disso importa diante de sua utilização em Dias de um Futuro Esquecido.
Além de ser um personagem extremamente engraçado, rendendo bons momentos de humor à história, a demonstração de sua supervelocidade é uma das melhores já feitas no cinema. Esqueça o borrão dos filmes do Superman e demais soluções parecidas: o que o novo X-Men traz é diferente de tudo o que já vimos na telona. Só é uma pena que ele apareça tão pouco.
A maldição X-Men
E é aqui que entramos no maior problema de Dias de um Futuro Esquecido. Assim como nos demais filmes da série X-Men, a Fox se preocupa demais em inserir a maior quantidade possível de mutantes em cena, por mais que apenas um terço deles seja realmente relevante para a história. O resto serve como figurante de luxo ou como saco de pancada.
O problema é que esse número exagerado atrapalha outros aspectos do filme. O tempo utilizado para mostrar uma Tempestade muda ou para tentar explicar os poderes do Apache e do Mancha Solar poderiam muito bem ter sido usados em momentos mais importantes, como explicar de onde diabos a Lince Negra arranjou aqueles novos poderes.
Como dito, quase todo o elenco do futuro é descartável. E isso não se resume apenas aos mutantes inéditos, mas também àqueles que já apareceram outras vezes. Tudo bem que isso serve como elemento de coesão, mas era muito mais fácil mostrá-los em uma única cena apenas para constar ao invés de deixá-los roubando tempo de tela de outros personagens mais interessantes, como o próprio Mercúrio.
Dando um reset
Quem lê quadrinhos já sabe muito bem o que é um reboot. Na linguagem das HQs, o termo é utilizado a grandes eventos que reiniciam a cronologia daquele universo, corrigindo incongruências e fazendo algumas alterações dentro do conceito e da história de seus personagens. E é exatamente isso que Dias de um Futuro Esquecido representa para a série X-Men.
Como citado no início do texto, o desafio do diretor era corrigir todas as falhas que os filmes criaram ao longo dos últimos 15 anos. E ele consegue fazer isso muito bem não apenas corrigindo os furos de roteiro — e apagando o chorume que foi X-Men 3 da cronologia —, mas abrindo o caminho de vez para que a equipe mais jovem de First Class possa assumir a franquia daqui pra frente.
É claro que ele não consegue aparar todas as arestas — os acontecimentos de Wolverine: Imortal, por exemplo, são completamente ignorados —, mas não é nada que comprometa a diversão. Mais do que isso, ele não ofende sua inteligência e traz diversão descompromissada e ótimas cenas de ação aliadas a um futuro promissor para um dos grupos mais importantes das HQs e do cinema.
E que venha o Apocalypse.
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