A comunidade científica tem demonstrando insatisfação com um investimento do Ministério da Educação (MEC) no valor de R$ 250 milhões para a realização de um projeto do renomado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. O órgão governamental aplicaria o valor para a construção do Campus do Cérebro, em Macaíba (RN), que vai ser focado na realização de pesquisas na área de ciência médica e na educação de alunos da rede pública.
O acordo para a liberação da verba foi assinado discretamente no meio do ano sem a realização de anúncios oficiais ou mesmo declarações das partes envolvidas nas redes sociais ou outros meios. Segundo documentos levantados pelo jornal Estado de S. Paulo, o MEC financiará a obra em R$ 247,6 milhões pagos em parcelas semestrais até 2017.
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A primeira parte do dinheiro, de R$ 29,7 milhões, já foi recebida pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont (IEPASD), organização social ligada a Nicolelis. O acordo foi publicado no Diário Oficial da União em 28 de julho, mas em seu único parágrafo de texto não menciona os valores envolvidos. O projeto do Campus do Cérebro é uma parceria entre o IEPASD e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Levantando perguntas
Como não houve anúncios oficiais por parte das instituições envolvidas e nem mesmo Miguel Nicolelis falou sobre o investimento, o Estadão afirma que o acordo acabou passando “despercebido da comunidade científica e da sociedade”. Agora, um grupo de cientistas, representados pelos professores Paulo Saldiva (da USP) e José Antonio Rocha Gontijo (da Unicamp), vão enviar um abaixo-assinado ao MEC questionando o volume da verba.
“A destinação de recursos dessa monta a uma iniciativa pontual é extremamente grave e merecedora de esclarecimentos. Tal precedente é visto como mais grave ainda por viver-se um momento em que há problemas de financiamento de projetos de pesquisa importantes no país”, diz o documento. Gontijo afirma que os cientistas não têm nada contra Nicolelis, mas questionam a magnitude do envio de recursos sem uma aparente avaliação de mérito.
Os dois pesquisadores são coordenadores de grupos de ciências médicas da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e questionam o alto valor do financiamento. Segundo o Estadão, o Capes e o CNPq – outra instituição de fomento a estudos científicos – utilizaram R$ 162 milhões em bolsas fornecidas para 90,8 mil pesquisadores no ano de 2012.
Ninguém perde
De acordo com a legislação brasileira, o governo não precisa fazer licitação ou abrir concorrência para fornecer verba para organizações sociais que realizem serviços públicos, o que é o caso do IEPASD. Em nota, a instituição ligada a Nicolelis afirmou que o valor destinado pelo MEC não faz parte do orçamento federal brasileira para ciência e tecnologia e, portanto, não resultará em nenhum tipo de prejuízo a qualquer cientista do país.
Incomodado, Nicolelis se manifestou no Twitter e questionou “que cientista de verdade pode ser contra um campus que promove educação científica e programa de pré-natal para milhares de crianças e gestantes”. Ele também postou mensagens na rede social indicando questões mais importantes que acha que a comunidade científica brasileira deveria estar discutindo, como “sistema de castas” do CNPq.
@PlinioCorregio pq eles ñ discutem privilégios de classe auferidos por Pesquisadores 1A do CNPQ e como esse sistema de casta afeta academia?
— Miguel Nicolelis (@MiguelNicolelis) November 26, 2014
As previsões do IEPASD indicam que o Campus do Cérebro empregará 552 profissionais até 2017, que atuarão em projetos de educação, saúde e pesquisa. O prédio também abrigará o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), cujo conselho administrativo é presidido por Nicolelis. Além de liderar o projeto, o estudioso hoje atua como professor e pesquisador na Universidade Duke, nos Estados Unidos.