Epigenética tá na boca do povo, mas nem sempre por bons motivos. Sendo um campo relativamente novo do estudo de como nosso DNA se comporta e pode sofrer influência do ambiente e hábitos de vida, algumas informações desencontradas acabaram conferindo uma fama duvidosa para esse campo sério e intrigante.
Se alguém te perguntasse hoje o que é epigenética e quais “milagres” ela é capaz de produzir, o que você responderia? A santa epigenética, modificadora de genes, não é bem o que você pode imaginar, começando pelo fato de que em pouquíssimos casos ela tem realmente o poder de impactar a sequência do DNA. Sua ação está mais relacionada a como ele se comporta.
Venha entender mais sobre epigenética, como ela age, evidências atuais sobre seu impacto no DNA e como não cair em pegadinhas.

DNA + Ambiente= Epigenética
Deturpando Maquiavel em “O Príncipe”, os fins de expressão fenotípica são resultados da influência do meio, ambiental e social, em que você vive. O conceito de epigenética não é algo extraordinariamente novo.
Muitos estudiosos vêm ao longo dos séculos tentando compreender como o meio social e ambiental pode gerar impacto em quem nós somos enquanto seres genéticos.
A primeira concepção do que seria a epigenética moderna foi postulada pelo biólogo inglês Conrad Waddington, em 1940. Segundo a teoria da complexidade genética desse pesquisador, nosso DNA é capaz de assimilar o ambiente em que está inserido e expressar fisicamente essa influência em resposta ao estímulo, em uma espécie de organização e acomodação.

A teoria de assimilação já havia sido inferida por outros biólogos e pesquisadores, décadas antes, mas foi Waddington quem teorizou e organizou o pensamento voltado para as implicações das ações do meio nos genes.
Como exemplo dessa complexidade e para compreender como os fatores epigenéticos atuam, vamos fazer um exercício mental. Digamos que sua família tem uma pré-disposição para diabetes mellitus. Sabendo disso, você adota uma dieta variada, exercícios físicos, ingestão de água e sono reparador.
Já sua irmã caçula ignora essa propensão e mantém uma dieta desequilibrada, faz ingestão de álcool e gosta da vida noturna, afinal, só se vive uma vez. Quem você acredita ter mais chances de desenvolver a comorbidade?
O pulo do gato genético é que o DNA não é algo determinista, mas sim uma indicação de propensão. Mesmo vivendo uma vida totalmente regrada, você pode ter mais marcadores genéticos que sua irmã para o desenvolvimento da doença.
O que os hábitos saudáveis ou de “eternamente carpe diem” podem fazer é modificar como essa informação contida no seu código genético irá trabalhar. Assim, nós temos dois fatores diferentes: genótipo e fenótipo.

O genótipo é a sopa de letrinhas (A, C, G, T) que forma você e pode ser transmitida a seus descendentes. Já o fenótipo é como essas letrinhas interagem com o ambiente e tudo o que há nele e se expressa fisicamente. Genótipo é o que você é enquanto constituição biológica, o fenótipo é como você parece e se comporta.
A epigenética é capaz de influenciar os fenótipos através dos chamados fatores epigenéticos que desencadeiam processos de metilação do DNA, que é a inclusão “superficial” de moléculas de metil nas sequências do código genético.
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A presença desse metil irá funcionar como uma espécie de interruptor silenciando o gene metilado, impedindo sua expressão. Mas nem sempre esse silenciamento é algo bom. Como exemplo, se você iria contar uma balela para parecer legal no grupo de amigos, é bom que você fique quietinho, mas se você precisava corrigir o troco errado que recebeu, permanecer em silêncio pode ser um problema.

Entretanto, ainda que os fatores epigenéticos aos quais você está exposto possam ser minimamente controlados, nada garante que o gene certo irá ser atingido. Genética é a matemática exata mais errática do Universo.
As metilações do DNA têm sido utilizadas como marcador de idade biológica e também como um fator passível de transmissibilidade genética. E se acalme, não existe a possibilidade de “zerar” doenças genéticas devido à epigenética.
Como somos filhos dos nossos pais e herdamos gostos duvidosos como ouvir música sertaneja raiz durante viagens longas, os genes herdados vem acompanhados de uma maior sensibilidade à metilação, mas aí, temos novamente outros marcadores epigenéticos que irão atuar naquele organismo, que irão contribuir ou barrar esses processos.
Mais uma vez reforçando, o código genético não muda, assim, a propensão a doenças continuarão sendo transmitidas entre as gerações futuras, mas a sensibilidade desses genes, podem, sim, estar sujeitas a fatores epigenéticos vivenciados pelos nossos antepassados.
Exemplo dessa susceptibilidade é a “herança genética dos traumas”, onde mudanças no comportamento da expressão gênica desencadeada por vivências traumáticas, como ambientes de guerra e fome extrema, podem deixar sinais em alguns genes.

A extensão e reais consequências dessas mudanças de sensibilidade genética necessitam ainda de maior investigação. Mas são uma boa evidência de que não somos apenas química e biologia, mas uma complexa construção entre esses fatores e o ambiente onde nos desenvolvemos e nos relacionamos.
Em resumo, sim, seu ambiente social e físico podem afetar a maneira como seu código genético irá funcionar e se expressar. Sim, é possível transmitir uma certa sensibilidade genética para gerações posteriores.
Não, seu código genético não irá mudar, exceto caso você seja exposto a ambientes com radiação ou outros componentes capazes de gerar mudanças no DNA, como teratogênicos. E por fim, não existe dieta que ‘zera’ doenças hereditárias. Cuidado com engodos e promessas baseadas em pesquisas ainda em andamento.
E para ficar ainda mais por dentro das pesquisas do futuro, saiba um pouco mais sobre genômica e como o estudo de quem somos enquanto letrinhas pode contribuir para o futuro da humanidade. Continue acompanhando o TecMundo, e esta redatora se despede. Até mais, e obrigada pelos peixes.