Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Um tema que os leitores do TecMundo têm buscado é a respeito do exercício físico para saúde mental em crianças e adolescentes, portanto o tema merece aprofundamento e tratamento científico.
Um dos livros do ano é o bestseller Geração Ansiosa, do psicólogo social Jonathan Haidt, que traz a grande reconfiguração da infância – que tem como base o uso massivo do celular como responsável pelo expressivo crescimento de ansiedade e depressão na geração Z (nascidos 1997 e 2010). A crise de saúde mental parece estar instaurada e procuramos por formas de tratamento. Uma delas é movimentando o corpo, por meio de atividade física.
Haidt foi duramente criticado por apresentar evidências correlacionais indicando causa direta entre uso de telas e pior saúde mental de crianças e adolescentes. Tampouco o autor relaciona ao fato de que adolescentes são a população mais inativa fisicamente, o que é um fator de risco para problemas de saúde mental.
Segundo pesquisa, 81% dos adolescentes no mundo não fazem o tempo recomendado de atividade física semanalmente.
Com dados de dispositivos, estudos mostram que os níveis de atividade física diminuem em todos os públicos, mas especialmente nos adolescentes. Espelhando os dados dos adultos, 31% das crianças de 3 a 4 anos são inativas fisicamente.
O paradoxo da saúde mental
Um paradoxo pode ser reconhecido no público adolescente: o exercício é visto como um remédio para tratar saúde mental ao mesmo tempo que a condição de saúde mental é uma barreira para a prática. Em outras palavras, adolescentes podem desejar praticar exercícios para melhorar ansiedade e depressão, mas os sintomas são uma barreira importante.
O fato é que para que o movimento do corpo beneficie a mente, não pode ser realizado de qualquer jeito. Depende de como, quando e onde é feito. Para benefícios em saúde mental, é preciso que a atividade física faça sentido para as crianças e adolescentes.
O modo como exercício (um tipo de atividade física) é apresentado e vendido para adultos, para melhorar saúde e condicionamento físico não interessará o público jovem. Portanto, é preciso priorizar aspectos como prazer, desafio e diversão, para que crianças e adolescentes se interessem por exercícios físicos ou esportes.
Não há uma modalidade de exercício ou esporte considerada melhor, pois diversas apresentam benefícios sobre saúde mental. Portanto, o tipo/modo deve ser selecionado com base na preferência pessoal, visando prazer e aderência.
Atividade física além do aspecto físico
As atividades devem ser vistas como oportunidades dos jovens se sentirem competentes, conectados socialmente, dominarem habilidades, sentirem prazer e bem-estar, melhorarem sua autoestima e autoconfiança, além de se distraírem. A satisfação com a própria imagem corporal também pode ser melhorada via prática de exercícios.
Todos esses aspectos são psicossociais e vão apresentar resultados mais rápidos que podem motivar os jovens ao exercício. A atividade física pode efetivamente melhorar a saúde mental, mas para isso é preciso praticá-la regularmente.
A educação física na escola é uma das oportunidades de movimento dos jovens, mas o comportamento de atividade física não deve ser limitado e exclusivo à educação física escolar, pois se recomenda para crianças e adolescentes pelo menos uma hora diária de atividade física.
Atividade física durante o lazer (tempo livre) pode ser o domínio ideal para promover saúde mental, pois nesse não há obrigação, e sim escolha própria. A autonomia é aspecto importante para saúde mental.
O ambiente também se torna relevante, pois um contraste pode ocorrer entre uma prática em academia ou na natureza. Para alguns, academias são fonte de ansiedade social. Realizar atividade física em ambientes naturais agradáveis como espaços verdes e azuis é favorável para saúde mental.
Recomendações para os jovens
Quando pesquisadores australianos reuniram trabalhos sobre exercício aeróbio e de força para tratar ansiedade e depressão em jovens (abaixo de 26 anos), encontraram que quando realizadas 2 ou 3 vezes por semana, durando cerca de 1 hora, com exercícios de musculação (máquinas, pesos livres e peso corporal para aplicação de sobrecarga) bem como o exercício aeróbio com treino de flexibilidade, sendo o treinamento supervisionado e podendo ser realizados treinos adicionais na casa do jovem, esse pode ser um caminho efetivo.
"Um mito a ser esclarecido é que a musculação não prejudica o crescimento dos jovens."
A experiência de exercício precisa ser positiva para os jovens desejarem se manter ativos. Porém, parece que eles estão longe disso, pois o distanciamento das crianças e adolescentes do mundo real para mergulhar no mundo virtual também dificulta a prática de atividades físicas, pois smartphones, redes sociais, jogos online, e hoje as apostas esportivas os distanciam desse comportamento.
Crianças, especialmente, tem a necessidade de aprender a administrar seu corpo no mundo físico, antes de começar a passar horas no mundo virtual, esse que será cada vez mais presente no tempo das pessoas agora e futuramente. O exercício físico é uma oportunidade para conhecer e celebrar o próprio corpo, com benefícios significativos para o cérebro.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos.
Fontes