Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Estamos acompanhando os Jogos Olímpicos de Paris, na França. Muitas das pessoas que já apreciam ou praticam exercícios e esportes assistem, porém, o que mais impressiona nesse período de duas semanas olímpicas, são as pessoas que não tem apreço pela prática esportiva, mas torcem e vibram, especialmente com os atletas de seu país.
Uma questão que surge é: as Olimpíadas são capazes de contagiar as pessoas a ponto de aumentar a atividade física da população?
Legado olímpico: mais pessoas se exercitando?
Um dos legados esperados dos Jogos Olímpicos é de impactos positivos nos níveis de atividade física da população. Há um potencial inexplorado para usar megaeventos como esse para promover mudanças de comportamento de saúde que reduzam o risco de doenças não transmissíveis da população, e as Olimpíadas oferecem uma oportunidade para aumentar a atividade física a partir da perspectiva de saúde pública, deixando um “legado de atividade física”.
Um mecanismo pelo qual os esportes olímpicos de elite são pensados para aumentar a atividade física da população e a participação em esportes se dá por meio do efeito cascata, no qual se pensa a participação em esportes de elite levando a um maior interesse da comunidade e mais pessoas praticarem atividades físicas e esportes.
Os esportes olímpicos são capazes de aumentar a atividade física da população?Fonte: GettyImages
No entanto, atualmente não existe evidência que apoie este efeito. Uma análise baseada em evidências sobre o impacto das Olimpíadas nos níveis de atividade física da população foi publicada na The Lancet.
Apesar de os Jogos Olímpicos contribuírem para a construção de instalações esportivas, promoverem a divulgação e educação esportiva, além de promoverem programas de treinamento de elite, esses efeitos atingem apenas atletas de alto nível e são diferentes dos legados que promovem atividade física e saúde.
Ao analisarem 15 megaeventos esportivos, os autores concluíram a falta de mudanças nas taxas de participação em atividades físicas ou esportes nos momentos pré e pós-Jogos Olímpicos, tanto nos jogos de verão como de inverno. O primeiro evento analisado foi a Olimpíada de Barcelona em 1992 e o último a Olimpíada de Tóquio de 2020.
Os dados populacionais de Atlanta, nos Estados Unidos, mostraram um aumento ligeiro, mas não substancial, na atividade física nos anos (1997-2000) após os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. Durante os Jogos Olímpicos de Londres em 2012, os dados mostraram uma prevalência inalterada de adultos atendendo às diretrizes de atividade física ao longo de 12 anos medidos na Inglaterra.
Dados dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, sugerem um aumento pequeno, mas não substancial, na participação em atividades físicas na população do Rio de Janeiro, embora tenha havido algum aumento nos três anos anteriores aos Jogos Olímpicos.
A mudança de comportamento para aumento de atividade física é mais complexa do que apenas assistir aos Jogos OlímpicosFonte: Getty Images
Aumento no interesse, mas não nas ações
Em análise de dados do Google Trends, houve evidência de aumento do interesse em exercícios por volta das Olimpíadas em Londres, mostrada por meio dos aumentos nos termos de pesquisa relacionados, mas a prevalência de cumprimento das diretrizes de atividade física entre adultos na Inglaterra não mudou durante e após os Jogos Olímpicos de Londres, ou seja, as buscas não se traduziram em ações.
Houve um aumento na intenção de ser mais ativo imediatamente após os Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, entre os homens, sugerindo um aumento do interesse da comunidade em ser ativo, mas esse interesse não foi associado a qualquer mudança no comportamento de atividade física. Claramente, existe um espaço entre a intenção das pessoas e as ações.
Um caminho coerente
Os Jogos Olímpicos criam oportunidades para aumentar o interesse da população em atividade física, que podem incluir exercícios e esportes. Mas, geralmente, esse fenômeno não se traduz em real mudança de comportamento que aumente os níveis de atividade física da população.
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É evidente que isso não depende só da vontade do indivíduo de ser fisicamente ativo. Existem vários fatores que atuam como barreiras e facilitadores que precisam ser levados em consideração, porém reconhece-se que um antecedente necessário é ter intenção.
Infelizmente não há um legado olímpico dos jogos nos níveis de atividade física da população.
Mas se você sente um impulso para levantar do sofá e teve mais vontade a partir do que assistiu nas Olimpíadas, pode considerar esse um começo, mas esteja ciente do que alguns pesquisadores apontam como importante: criar experiências afetivas positivas a partir de dois elementos-chave:
- Primeiro: que sentimentos de autonomia (escolha), competência e relacionamento social, sejam possíveis no seu exercício ou esporte, pois isso irá permitir a melhor qualidade de motivação para a prática;
- Segundo: as atividades precisam ter propósito e função positiva para você.
Pode ser uma função social (como jogar com amigos ou família), função psicológica (preenchendo a necessidade de desenvolver habilidades e se sentir competente) ou função física (como melhorar o condicionamento físico). Se a função correta puder ser atendida de maneira satisfatória, bem como o ambiente favorecer, há mais chance de sucesso, com ou sem Olimpíadas.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos.
Fontes