De todas as coisas que parecem ser fruto apenas do universo da ficção científica, um planeta orbitando duas estrelas definitivamente não é um deles.
Essa foi, entretanto, uma possibilidade puramente teórica por bastante tempo até que, nas últimas décadas, os astrônomos encontraram cerca de uma dúzia de casos confirmados dos chamados planetas circumbinários: planetas que orbitam em torno de um sistema duplo de estrelas.
- Saiba também: Sol pode ter tido um irmão gêmeo há milhões de anos
Um dos planetas desta categoria mais notáveis foram descobertos há menos de 10 anos, quando NASA lançou ao espaço a sonda Kepler, que tinha como objetivo principal a exploração da vizinhança estelar do Sol na Via Láctea para encontrar exoplanetas.
Representação dos tamanhos dos planetas descobertos ao redor do sistema binário Kepler-1647.Fonte: Lynette Cook
Graças a essa missão, 5 anos após o seu lançamento, em 2016, os astrônomos descobriram Kepler-1647 b, um planeta gasoso com tamanho aproximado de Júpiter orbitando um sistema duplo de estrelas ao longo de quase três anos. Kepler-1647 b está localizado dentro da zona habitável do seu sistema, isto é, em uma região ao redor das estrelas nas quais a vida poderia potencialmente existir.
Segundo as descobertas feitas com os dados obtidos pela sonda Kepler, os astrônomos puderam estimar que até metade de todas as estrelas da nossa galáxia fazem parte de um sistema estelar binário. Isso implica que a capacidade de formar planetas em torno de sistemas estelares binários não apenas é possível como também deve ser relativamente comum no Cosmos.
Como seria se a Terra fosse um planeta assim?
Vamos considerar um cenário simples. Suponha que substituímos o Sol por duas estrelas próximas, cada uma com metade do brilho do Sol. Nesse caso, a quantidade de energia que chega à Terra ainda seria a mesma e a vida ainda seria possível aqui. Esses binários de massa igual não são incomuns, portanto este é um cenário que é perfeitamente plausível do ponto de vista científico.
Representação artística de um planeta circumbinário.Fonte: NASA/JPL-Caltech/T. Pyle
A massa de cada um dos nossos novos sóis – o Sol 1 e o Sol 2 – seria cerca de 85% da massa do nosso Sol atual. Isto porque a luminosidade de uma estrela é extremamente sensível à sua massa: duplicar a massa de uma estrela aumenta seu brilho por um fator de 16, logo, uma redução de massa em 15% é suficiente para reduzir pela metade o brilho de uma estrela.
A massa combinada do Sol 1 e do Sol 2 seria 1,7 vezes a massa do nosso sol atual. Como a sua gravidade total seria mais forte, a duração de um ano aqui na Terra seria menor, com apenas cerca de 280 dias.
- Leia mais: Cientistas preveem o fim glorioso para o Sol
Em sua nova configuração, para que a órbita da Terra fosse estável em torno de duas estrelas em vez de uma, a distância do nosso planeta deve ser pelo menos 4 vezes maior que a distância de separação entre as duas estrelas. Em outras palavras, para manter os valores atuais das distâncias de todos os planetas do Sistema Solar, o Sol 1 e o Sol 2 deveriam estar separados por menos de 15 milhões de quilômetros.
A órbita terrestre em dois sóis em vez de um produziria um ano mais curto.Fonte: Getty Images
Mas, por segurança, vamos colocar as estrelas mais próximas: a cerca de 5 milhões de quilômetros de distância uma da outra. Nesse caso, nossos sóis orbitariam mutualmente uma vez a cada 10 dias, aproximadamente.
Cada um deles giraria com um período de 10 dias, o que os tornaria um pouco mais ativos do que o nosso sol atual, mas não tão dramaticamente, a exemplo do próprio sistema binário hospedeiro de Kepler-1647 b.
Nesta distância, vistos da Terra, os dois sóis provavelmente pareceriam orbitar reciprocamente aproximadamente de lado, o que produziria um estranho e novo fenômeno: um eclipse do sol por outro sol!
Representação artística da Terra com dois sóis.Fonte: NASA/JPL
Devido à órbita de 10 dias, o Sol 1 e o Sol 2 passariam um na frente do outro a cada 5 dias. Os eclipses durariam cerca de 6 horas e, no pico, reduziriam a quantidade de energia que chega à Terra em cerca de 35%, dependendo da posição relativa entre eles.
Os dias de eclipse seriam frios, mas os períodos de luz solar reduzida seriam breves o suficiente para se ajustarem suavemente ao clima geral da Terra.
Além disso, os sóis duplos nem pareceriam tão estranhos no céu. Na separação máxima, o Sol 1 e o Sol 2 estariam separados por apenas 2 graus no céu, apenas o suficiente para dar às sombras uma borda dupla. O pôr do sol e o amanhecer seriam espetáculos belíssimos, sendo ligeiramente diferentes todo dia.
- Entenda por que: Os eclipses solares totais irão desaparecer
Em resumo, a Terra ficaria bem se orbitasse uma estrela dupla em vez de nosso único sol e, nas condições apresentadas aqui, não passaria por uma diferença tão significativa quanto poderíamos imaginar.
Contudo, resta-nos saber: em um sistema originalmente duplo, a vida poderia ter surgido em um planeta como o nosso?
Categorias