Um estudo realizado com ratos de laboratório há dez anos no Departamento de Fisiologia Molecular e Integrativa da Universidade de Michigan nos EUA acabou inspirando, de forma acidental, uma importante pesquisa sobre o que se passa no cérebro humano quando as pessoas morrem.
Em entrevista recente à BBC News Mundo, a primeira autora do estudo, Jimo Borjigin, explica que, durante os experimentos, dois ratos morreram no momento em que a equipe examinava suas secreções neuroquímicas após uma cirurgia. Isso permitiu a observação do processo de morte nos cérebros dos roedores em tempo real.
“Um dos ratos mostrou uma massiva secreção de serotonina”, levando Borjigin a se questionar se o animal teria experimentado alucinações naquela hora, uma vez que "o neurotransmissor está ligado a elas", explicou. Procurando uma explicação na literatura especializada, a neurocientista descobriu "que sabemos muito pouco sobre o processo de morrer."
Perda de oxigênio após uma parada cardíaca
Retirada do oxigênio após parada cardíaca causa intensa ativação gama nos cérebros dos pacientes.Fonte: Getty Images
Decidida a investigar se esse “Surto de coerência e conectividade neurofisiológica no cérebro moribundo” (nome do artigo sobre os ratos) aconteceria também conosco, ela realizou um novo estudo, desta vez com seres humanos. O artigo de pesquisa foi publicado em maio de 2023 na revista PNAS.
Para comprovar suas hipóteses, eles analisaram "os sinais do eletroencefalograma e do eletrocardiograma em quatro pacientes moribundos em coma antes e depois da retirada do suporte ventilatório", diz o estudo. E o que eles descobriram, garante Borjigin à BBC, vai contra tudo o que se imagina.
Tanto nos cérebros dos ratos quanto dos humanos, foram encontradas assinaturas semelhantes de ativação gama, logo após a perda de oxigênio causada pela parada cardíaca. Coautor do estudo, o diretor do Centro de Ciência para a Consciência de Michigan, George Mashour, diz que "o modo como a experiência vívida pode emergir de um cérebro disfuncional durante o processo de morte é um paradoxo neurocientífico".
Aumento de atividade do cérebro após desligamento dos aparelhos
Áreas cerebrais ativadas após parada cardíaca se relacionam com estados alterados de consciência.Fonte: Getty Images
A nova pesquisa foi realizada em quatro pacientes que faleceram de parada cardíaca e eram monitorados por eletroencefalograma (EEG). Como estavam em coma sem resposta, as famílias pediram que os equipamentos de suporte vital fossem desligados.
Curiosamente, dois deles tiveram aumento da frequência cardíaca e também de áreas associadas às funções conscientes do cérebro. Uma dessas áreas é a chamada "zona quente cortical posterior", uma junção onde os lóbulos temporal, parietal e occipital se interconectam.
Conforme Borjigin, "é a parte de trás do seu cérebro responsável pela percepção sensorial". Em outros estudos cerebrais, ela foi correlacionada com sonhos, alucinações visuais na epilepsia e estados alterados de consciência, diz a autora.
Por que o cérebro fica mais ativo na hora da morte?
O cérebro pode ter mecanismos de sobrevivência parecidos com uma hibernação.Fonte: Getty Images
Tentando entender por que o cérebro se torna hiperativo, e não hipoativo, durante uma parada cardíaca, Borjigin acredita que isso se deve a algum mecanismo de sobrevivência. Ela compara o órgão a uma família humana na qual os provedores perdem seus empregos e não há mais nenhuma fonte de renda.
Assim como as pessoas cortam despesas não essenciais, o cérebro faz o mesmo, diz a neurocientista, mas, no caso órgão, "o essencial é respirar, fazer o coração bater". Sua hipótese é de que o cérebro "tem mecanismos endógenos para lidar com a hipóxia [falta de oxigênio] que ainda não compreendemos", afirma.
O estudo ainda é limitado: embora os autores tenham descoberto que essas incríveis experiências subjetivas vivenciadas por pacientes que tiveram paradas cardíacas se devem a um aumento da atividade cerebral, a pergunta permanece: por que o cérebro fica tão ativo na hora da morte? Futuros estudos multicêntricos, feitos com pacientes de UTI monitorados por EEG que sobreviverem à parada cardíaca, poderiam fornecer as respostas.
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