Estamos complicando o exercício físico

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Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.

Entendemos cada vez mais o que ocorre no corpo quando nos movimentamos e como isso faz bem para nossa saúde. Além da saúde, queremos que o corpo desempenhe o máximo possível, ficando mais forte, mais resistente, mais musculoso e mais rápido.

Apesar de observamos praticantes e atletas fazendo coisas incríveis, grande parte da população não consegue levantar do sofá e realizar o mínimo necessário de movimento do seu corpo. Isso pode ser explicado de diversas maneiras, mas uma delas ocorre devido a estarmos complicando as coisas no exercício físico.

Dever ou querer

“Você deve fazer exercícios”. Pesquisadores das ciências do exercício recentemente questionaram como podemos empacotar a mensagem de estímulo aos exercícios como algo que as pessoas “querem” e não como um “deveriam” e que isso pode estar minando qualquer chance de elas praticarem.

Temos complicado ou facilitado o comportamento de exercício das pessoas?Temos complicado ou facilitado o comportamento de exercício das pessoas?Fonte:  Getty Images 

Segundo a ciência, o “deve” cria uma forma controladora de motivação, sendo essa de menor qualidade para o comportamento. É como quando alguém te manda lavar a louça, mas você não o faria naquele momento.

A verdade é que ninguém é obrigado a fazer exercícios físicos, pois eles são um comportamento voluntário.

Porém, passamos de algo que é opcional na vida da pessoa e que sem dúvida traz inúmeros benefícios, sendo solução para diversos problemas de saúde, para mais um problema quando esse não é realizado. Problema que gera culpa e vergonha quando não conseguimos realizar. Novamente, essas não são motivações de boa qualidade para mudar o comportamento das pessoas.

Recomendações de atividade física: ajudam ou atrapalham?

Como geralmente não queremos alguém falando o que devemos fazer (mas muitas vezes precisamos disso), temos dificuldade em levar em consideração e cumprir as recomendações mundiais de atividade física. Muitos inativos sequer sabem da recomendação e os ativos fisicamente praticam atividade física independentemente dela.

As recomendações fazem seu papel norteando a quantidade de atividade física recomendada para saúde (2 horas e 30 minutos por semana, além de duas sessões de treino de força), mas talvez também sejam parte do problema, pois tornamos o comportamento muito prescritivo: “cumpra esse tempo nessa intensidade”. O tempo acima é em intensidade moderada (algo que você consegue falar um pouco enquanto se exercita), caso for uma atividade mais intensa, o tempo é de 75 minutos por semana.

Dois documentos nos servem muito bem em relação às recomendações, mas apresentam problemas. O guia da Organização Mundial de Saúde e o Guia de Atividade Física da população brasileira. Pesquisadores realizaram uma crítica ao primeiro, pois a palavra “saúde” aparece mais de 100 vezes no documento, enquanto os termos “afeto” e “prazer” sequer aparecem, e a palavra “agradável” apenas 3 vezes em todo o texto.

Nosso documento nacional também segue a mesma abordagem caracterizada pelo excesso de foco sobre a saúde, indo pouco além: mais de 150 vezes a palavra “saúde”, já “afeto” nem aparece, enquanto “prazer” apenas 2 vezes e “diversão” somente uma. Mas saúde como motivo não é suficiente para se exercitar? Parece que não. Temos tendência a valorizar pouco esses resultados de longo prazo, o que dificulta a ida diária à academia. Por outro lado, especialistas apontam que prazer e bem-estar são caminhos interessantes.

Um comportamento prescritivo em excesso pode dificultar o exercício das pessoas.Um comportamento prescritivo em excesso pode dificultar o exercício das pessoas.Fonte:  Getty Images 

A abordagem de prevenção e tratamento de doenças via atividade física não impacta motivacionalmente, exceto caso estejamos doentes. A ênfase nesses benefícios, que são claramente importantes, pode estar desconectada do motivo pelo qual a maioria das pessoas se envolve em atividade física.

Há uma incompatibilidade entre uma mensagem como “seja ativo pela sua saúde” e os motivos reais que promovem o envolvimento e manutenção – bem-estar e prazer. Em vez falarmos tanto em progressão de carga nos treinos, a progressão de prazer nos exercícios faria diferença para um número muito maior de pessoas.

A forma que temos falado de movimento na sociedade atual, focado em queima de energia por meio de calorias, por exemplo, limita o entendimento e a experiência de exercício físico. Movimento, antes de tudo, é usar seu corpo para se envolver com a vida. Por isso é fundamental encontrar uma forma que isso faça sentido para a pessoa. Kelly McGonigal, da Universidade de Stanford, sugere um reset total no mindset sobre o que é movimento e, porque o fazemos.

Métricas, dados e entre outros

Estamos complicando o exercício para muitas pessoas, quando dizemos quantos batimentos o coração delas tem que bater no exercício e por quanto tempo, bem como em quantos minutos a pessoa deveria completar 1 km correndo, quantas vezes ela vai levantar um peso e quanto vai descansar em uma academia, definindo em que velocidade e de que forma faz o movimento, chegando até a que roupa vestir ou tênis calçar para praticar exercícios, o que geralmente é irrelevante.

Além das regras em relação à quantidade e intensidade, somos vítimas da indústria explorando dispositivos e equipamentos (a tendência fitness número 1 no mundo é a tecnologia vestível, que consiste em dispositivos que vestimos durante o exercício para medir dados), que nos distanciam do fato de que qualquer movimento é melhor do que nada. Esquecemos do mais importante: faça algo que você goste durante a sua vida. Isso é mais valioso e mais relevante do que o número de passos por dia que o seu relógio conta.

Tecnologias vestíveis já fazem parte do exercício.Tecnologias vestíveis já fazem parte do exercício.Fonte:  Getty Images 

Por conta disso, as pessoas acreditam que o exercício é algo difícil e demorado, quando, na verdade, não é. A tendência de complicar as coisas no exercício tem dificultado para quem já pratica e afastado quem ainda não o faz.

A verdade é que muitas coisas sobre o exercício físico não importam tanto quanto as pessoas pensam. Entre elas, temos o HIIT ou aeróbio moderado, assim como treinar em jejum ou alimentado para perder gordura, sendo que as evidências científicas mostram que tanto faz.

Somos bombardeados nas redes sociais por fórmulas de treino para hipertrofia, mas a ciência demonstra variados caminhos, usando pesos livres ou máquinas, pouco ou muito peso, chegando até a falha muscular ou não, em variadas ordens de exercícios, mas ninguém nos informa que poderíamos escolher muitos dos aspectos do treino, o que caracteriza autonomia, uma necessidade psicológica do ser humano, que tem relação direta com motivação.

Precisamos nos mover mais, mas com autonomia e liberdade, para que, dessa forma, seja uma atividade sustentada ao longo da vida. Uma das formas que apresenta expressivo crescimento é a corrida. Por isso, semana que vem, vamos simplificar a corrida, mostrando seus mitos e verdades, com a participação de uma das maiores especialistas do Brasil.

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Fábio Dominski 
é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz 
divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos.

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