Quando se fala de ficção científica contemporânea, talvez nenhum outro tema esteja mais presente no imaginário dos fãs do gênero quanto a ideia do multiverso. Presente nas mais diversas categorias da cultura pop, desde jogos até sagas de super-heróis, a noção de múltiplos universos surge de uma questão intuitiva muito mais antiga: seria nosso Cosmos o único?
Quando olhamos para o Universo distante, mesmo com a tecnologia mais sofisticada disponível, nós nunca encontramos uma fronteira definida. O espaço estende-se até onde a nossa vista alcança e, para onde quer que apontemos nossos instrumentos, vemos sempre a mesma natureza disposta em matéria e radiação.
Campo ultra-profundo do Hubble, umas das imagens mais distantes já feitas do Universo.Fonte: NASA/Hubble
Em todas as direções, encontramos os mesmos sinais que apontam para um Universo em expansão: a radiação remanescente de um estado quente e denso; galáxias que evoluem em tamanho, massa e número; elementos químicos que mudam sua abundância à medida que as estrelas vivem e morrem e diversos outros fatores.
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Mas o que está além do nosso Universo observável? Existe um abismo de puro nada além da informação que pode nos alcançar? Ou existem outros universos cuja natureza é misteriosa e inacessível?
Avaliando a teoria do Multiverso
Saindo da ficção e entrando na ciência, a hipótese do Multiverso é extremamente controversa entre pesquisadores e acadêmicos, mas em sua essência é apresentado um conceito bastante simples.
Assim como a Terra não ocupa uma posição especial no Universo, nem o Sol, a Via Láctea ou qualquer outro local, o Multiverso dá um passo além e afirma que não há nada de especial em nosso Universo visível, sendo apenas uma pequena parte de uma estrutura muito maior.
Representação artística do Multiverso.Fonte: Victor de Schwanberg/Getty Images
Esta estrutura estaria além dos limites das nossas observações e poderia fazer parte de um espaço-tempo infinitamente vasto que incluiria inúmeros outros universos desconectados, semelhantes ou não ao Universo que habitamos.
A ciência, embora tenha como constituintes doses de imaginação e especulação, só pode ser feita com base em observações e medições daquilo que entendemos como a realidade tangível. Se algo além do nosso Universo existe, mas nossos experimentos estão aquém de atingi-lo, seria, então, impossível saber se o Multiverso existe?
Não é bem assim. Na história da ciência, inúmeros aspectos desta realidade foram primeiro previstos por teorias físicas para posteriormente serem demonstrados direta ou indiretamente, a exemplo dos buracos negros, ondas gravitacionais, entre outros.
Representação artística dos limites do Universo observável.Fonte: NASA
Nessa perspectiva, dois conceitos na física moderna estabelecem bases para alimentarmos a hipótese do Multiverso: a inflação cósmica e teoria quântica de campos. A inflação cósmica nos diz que antes de o Universo ser preenchido com matéria e radiação, ele era preenchido com algum tipo de energia que era inerente à própria estrutura do espaço, o que fez com que o Universo se expandisse de forma exponencial.
A certa altura, a inflação terminou, transformando aquela “energia inerente ao espaço” em partículas e dando origem ao Universo primordial.
Como o Universo possui uma natureza quântica, isso significa que devemos esperar que a inflação tenha propriedades consistentes com a teoria quântica de campos – a melhor e mais poderosa descrição do mundo das partículas. Desse modo, todas as coisas que acompanham a física quântica, como a incerteza de Heisenberg e a existência de flutuações, devem aplicar-se também à inflação. Juntando essas duas teorias surgem uma série de previsões, sendo o Multiverso uma delas.
Pense na inflação do seguinte modo: há uma pequena bola no topo de um planalto muito plano. A bola pode rolar lentamente em qualquer direção, mas enquanto permanecer no topo do platô, a inflação continuará. Quando a bola sai do planalto e vai para o vale abaixo é que a inflação chega ao fim, fazendo a transição para um Universo dominado por partículas, isto é, matéria e radiação.
Representação do modelo de inflação cósmica.Fonte: Baumann's lectures.
Porém, uma das propriedades da física quântica é que a posição de uma partícula em qualquer momento não é determinística, mas segue uma distribuição de probabilidade. Você pode visualizar isso, em vez de uma bola, como as ondulações geradas por uma bola caindo em um lago.
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Se as ondulações se propagarem mais rápido do que a bola rola, então teremos regiões onde as ondulações “caem” do planalto e outras regiões em que as ondulações serão “levadas” para mais perto do centro do planalto, criando dois estados distintos. Essas regiões do espaço onde a inflação termina e o Big Bang começa são, cada uma, um universo próprio e independente, que constituiriam o Multiverso.
Entretanto, como sempre na ciência, a coleta de evidências convincentes é fundamental para compreender o Cosmos e a verdade é que, sobre a existência múltiplos universos, estamos muito longe de conseguirmos testar essa hipótese. Pode ser que a inflação esteja errada, que a física quântica esteja errada ou que a aplicação destas teorias de forma conjunta (como descrita de forma resumida acima) possua falhas fundamentais. onde sabemos. Até onde sabemos, o Multiverso não deverá sair da ficção científico por muito tempo.
Ah! Não falamos da Interpretação de Muitos Mundos, não é? Deixemos isso para outro dia...