Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
"Eu me movimento bastante no trabalho, não preciso de exercícios”, já ouviu alguém falar isso? Essa pessoa provavelmente tem uma alta demanda energética em seu trabalho e acredita que isso pode ser bom para sua saúde e que não seria necessário fazer exercícios físicos. Mas dependendo de como for esse trabalho, parece que não é bem assim.
Esses dias estava em uma academia de musculação e cerca de três trabalhadores relacionados a serviços gerais estavam limpando a área de treino que eu fazia alguns exercícios. Eles levantaram os pesos para varrer e passar pano e me veio a questão: Esse esforço de afastar os pesos e limpar faz bem para saúde?
Atividade física no trabalho: nem sempre pode fazer bem à saúdeFonte: Getty Images
Será que eles treinam antes ou depois do trabalho? Perguntei a moça que estava mais perto se ela podia treinar na academia, antes ou depois do trabalho. Ela confirmou que podia, mas que não o fazia. O motivo? Cansaço. Falta de energia devido ao trabalho.
Atividades físicas são distribuídas geralmente em quatro contextos: o doméstico (como lavar louça e limpar a casa), de transporte (como caminhar ou pedalar até o trabalho), ocupacional (durante o trabalho – o caso do pessoal da limpeza na academia) e durante o lazer (como ir à academia ou praticar um esporte). A recomendação geral para a população é se mover mais durante o dia, aumentando atividades físicas nos diversos contextos.
A atividade física ocupacional tem chamado a atenção de pesquisadores devido ao fenômeno chamado "Paradoxo da atividade física". Entenda o porquê.
O paradoxo da atividade física
A atividade física ocupacional, que ocorre durante o trabalho, como a atividade que um pedreiro faz em uma obra ou carregador em um depósito, pode não conferir os benefícios cardiovasculares que a atividade física durante o lazer confere, como ir à academia durante uma hora.
Pode na verdade ainda fazer mal à saúde, por isso um paradoxo.
Evidências científicas tem apontado no sentido de que elevados níveis de atividade física ocupacional estiveram associados a mortalidade (homens), ansiedade e depressão, assim como osteoartrite e problemas com sono (qualidade e duração).
A atividade física ocupacional tem chamado a atenção dos pesquisadores.Fonte: Getty Images
Um dos estudos mais atuais, comparou atividade física no lazer e no trabalho de pacientes com doença cardiovasculares. A proteção contra todas as causas de morte, assim como diabetes e eventos cardiovasculares, ocorreu a partir do primeiro tipo de atividade física. Já a atividade física no trabalho aumentou o risco desses problemas, confirmando o paradoxo da atividade física.
Pesquisadores levantaram seis razões que explicam esse paradoxo da atividade física, ou seja, os motivos que explicam por que nem sempre atividade física faz bem. Sendo o último alvo da mais recente investigação.
Como o paradoxo da atividade física pode ser explicado
1. A atividade física durante o trabalho é de baixa intensidade e longa duração, o que torna difícil melhorar a aptidão cardiorrespiratória e saúde cardiovascular. Como 8 horas de trabalho em 30% da capacidade aeróbia máxima, em vez de um treino com 60 a 80% da capacidade, quando corremos na rua ou em uma esteira.
2. Frequência cardíaca elevada durante e após o trabalho, elevando a média em 24h, o que é um fator de risco para mortalidade e doenças cardiovasculares.
3. Posturas estáticas e carregar pesos no trabalho pode aumentar a pressão arterial, a qual em nível elevado de forma sustentada também é fator de risco. Como um entregador de bombonas de água, que faz força para levantar e carregar os recipientes.
4. Longos períodos de trabalho sem recuperação suficiente pode gerar fadiga e exaustão.
5. Pouco controle do trabalhador em relação ao ambiente e segurança. Como trabalhar ao ar livre por 8 a 12 horas.
6. A atividade física ocupacional aumenta os níveis de inflamação. A hipótese da inflamação sistêmica sustentada, através de marcadores como a proteína C reativa, é um caminho para aterosclerose e outras doenças cardiovasculares.
É importante mencionar que o risco aumentado de problemas à saúde e risco de mortalidade não ocorre exclusivamente a partir de elevados níveis de atividade física no trabalho. Diversas outras variáveis influenciam esses resultados.
Por outro lado, a atividade física no seu tempo de lazer traz oportunidades de sentir prazer, autonomia, percepção de competência e socialização. Algo que o trabalho muitas vezes não nos oportuniza.
E se os trabalhadores conseguissem praticar exercícios, esse risco poderia ser reduzido? Provavelmente. Mas esse pode ser um grande desafio, devido ao elevado gasto energético durante o trabalho, a barreira apontada pela moça que indaguei pode ser prevalente – a falta de energia. Mas, acredito que se for um exercício ou esporte prazeroso, haverá tempo e energia para essa experiência que vale a pena.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/CEFID/UDESC). É autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos, e apresenta o programa Exercício Físico e Ciência na rádio UDESC Joinville (91,9 FM); o programa também está disponível em podcast no Spotify.
Fontes