Um novo artigo publicado domingo (3) na revista Nature Communications traz pistas inéditas sobre a formação das grandes geleiras da Antártida durante uma impactante transição climática ocorrida na Terra há cerca de 34 milhões de anos. O material foi encontrado em núcleos de lama próximos à cidade de Jacksonville, capital do estado do Mississipi, nos EUA.
A chamada Transição Eoceno-Oligoceno (EOT) ocorreu durante a segunda para a terceira época geológica da Era Cenozoica e se caracteriza por uma sucessão de mudanças climáticas drásticas. O planeta passou de um clima do tipo "estufa", mais quente do que o atual, para temperaturas glaciais, com violentas alterações oceânicas, extinções em massa de espécies e variações isotópicas na geologia.
“Desenterramos informações da lama do Mississipi para responder a uma questão-chave sobre como o gelo antártico se expandiu maciçamente para a escala continental”, explica em um comunicado o autor sênior Tom Dunkley Jones, micropaleontólogo e paleoceanógrafo da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, instituição que liderou o projeto formado por cientistas de seis países, inclusive do Brasil.
Afundamento do mar e "freada" no congelamento
O crescimento das geleiras fez com que o nível do mar caísse 40 metros.Fonte: Getty Images
De acordo com o estudo, uma consequência global da formação de camadas de gelo durante a EOT foi uma queda acentuada no nível do mar em cerca de 40 metros, dando início a uma paradoxal "queda de braço". Se, por um lado, as geleiras sequestraram o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, por outro expuseram grandes faixas de terra anteriormente submersas, como consequência do retrocesso das linhas costeiras.
As regiões costeiras expostas pela queda dos mares revelaram sedimentos moles à intensa erosão causada pelas chuvas e pelos rios. "Pense nos manguezais tropicais de hoje", dizem os cientistas, sendo expostos ao oxigênio do ar e disponibilizados para um banquete de bactérias, leia-se convertendo o material de novo em dióxido de carbono para ser liberado na atmosfera.
Cavando fundo por argilas marinhas
A exposição de áreas costeiras submersas "atrasou" a formação da calota da Antártida.Fonte: De Lira Mota et al.
Embora a EOT possa ser considerada como o maior evento de resfriamento climático do planeta, dizem os autores, a liberação de grandes quantidades de CO2 retirado das regiões costeiras em torno da bacia do rio Mississipi pode ter funcionado como "uma freada temporária no arrefecimento atmosférico".
A equipa de investigação cavou fundo — cerca de 137 metros — para obter amostras de argilas marinhas e compará-las com registros da EOT no Oceano Pacífico.
Conforme o primeiro autor do estudo, dr. Marcelo A. De Lira Mota, "os eventos no final do Eoceno mostram as ligações íntimas entre os reservatórios globais de carbono — incluindo nossos solos, biosfera e sistemas costeiros — dióxido de carbono atmosférico, clima global, camadas de gelo polar e níveis do mar. Faríamos bem se prestássemos atenção em tudo isso", conclui o brasileiro.
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