Um soldado republicano que participou da Guerra Civil Espanhola, em 1938, levou um tiro na parte de trás da cabeça e acordou enxergando o mundo ao contrário. A descoberta foi divulgada em um estudo publicado na revista científica Neurologia, realizado pelo neuropsicólogo Alberto García Molina, do Institut Guttmann, na Espanha.
Após levar um tiro na nuca que atingiu seu cérebro, o homem foi encontrado desacordado no chão e transportado ao hospital provincial de Valência. Duas semanas após a explosão, quando recuperou a consciência, ele disse aos médicos que estava sentindo sensações incomuns.
O homem, nomeado de Paciente M, relatou que sua visão parecia estar do lado oposto e de cabeça para baixo — por exemplo, ele afirmou que ficou confuso ao ver ‘homens trabalhando de cabeça para baixo em um andaime’. A condição não era restrita a sua visão, já que o soldado também sentia as mesmas sensações em relação ao tato e à audição.
Apesar disso, a condição não causou efeitos negativos nos olhos, e nem apenas sintomas negativos. Ele também podia ler letras e números normalmente e de trás para frente, além de conseguir ler as horas com um relógio em qualquer ângulo. Outros sintomas incluíam cores descoladas de objetos, daltonismo e objetos triplicados.
Os destroços do tiro destruíram parte das camadas externas do cérebro do soldado; na imagem, é possível visualizar a região atingida.Fonte: Neurologia
Paciente M: visão e sentidos ao contrário
Antes do estudo de Molina, o cérebro do Paciente M foi estudado por quase 50 anos pelo neurocientista espanhol Justo Gonzado. Na época, ele afirmava que o órgão era visto como uma coleção de 'caixinhas' que tinham diferentes funções; ou seja, ele concluiu que a lesão bagunçou essas 'caixinhas' e resultou em uma visão completamente confusa.
Ao todo, Gonzalo identificou que o Paciente M tinha três síndromes, são elas: central, paracentral e marginal. A primeira é responsável por interromper vários sentidos; a segunda faz o mesmo, mas os efeitos não são distribuídos uniformemente pelos sentidos; por último, a marginal afeta alguns sentidos específicos e as vias cerebrais.
“O cérebro era visto como caixinhas. Quando você alterou uma caixa, supostamente havia um déficit concreto. Para o Dr. Gonzalo, as teorias modulares não conseguiam explicar as questões que surgiam com o paciente M, então ele começou a criar sua teoria da dinâmica cerebral, rompendo com a visão hegemônica sobre como o cérebro funciona”, disse Molina em entrevista ao jornal El País.
No estudo mais recente, Molina diz que se surpreendeu ao estudar a história do paciente, já que ele conseguiu administrar uma vida normal sem grandes dificuldades. Inclusive, a filha de Gonzalo, Isabel Gonzalo-Fonrodona, auxiliou na nova pesquisa.
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