Temperatura anual média de 43 °C negativos, umidade relativa do ar próxima a zero, ventos constantes. Neve e gelo são elementos predominantes de 98% dessa paisagem, cuja extensão é de aproximadamente 14 milhões de quilômetros. Nela, pouquíssimas espécies conseguem resistir a condições tão inóspitas.
Justamente ali, no Polo Sul, que se encontra aqui, na Terra, pode estar uma das chaves para a sobrevivência da humanidade em viagens interplanetárias tripuladas (com pessoas que passariam de meses a anos longe de quaisquer recursos essenciais à manutenção da vida).
Isso porque pesquisas realizadas na região são capazes de desbloquear conhecimentos a respeito do cultivo de alimentos em locais, à primeira vista, incapazes de sustentar a geração de refeições fresquinhas.
Estudos do tipo começaram há mais de um século, quando empreitadas pelo espaço não passavam de ficção científica. Entretanto, com a evolução tecnológica e a idealização de passos em solos extraterrenos — e, quem sabe, a instalação de colônias em outras "vizinhanças" —, esses esforços passaram a ser direcionados ao atendimento de necessidades cada vez mais ambiciosas.
Afinal, como plantações na Antártica ajudam astronautas e qual é o papel delas no planejamento da exploração do Universo?
Com ambiente inóspito, Antártica carece de elementos essenciais à sobrevivência humana. (Fonte: Shutterstock/Reprodução)
Décadas e décadas de história
De acordo com a historiadora e professora assistente Daniella McCahey, da Universidade da Califórnia, as primeiras tentativas de plantações na Antártica (há mais de 120 anos) visavam garantir nutrição para exploradores da região — e, em 1902, o físico e botânico Reginald Koettlitz foi o primeiro a ter sucesso com a ação.
Em amostras de solo do Estreito de McMurdo (colocadas em caixas que ficavam sob uma claraboia do navio de expedição), Koettlitz cultivou mostarda e agrião. A tripulação, enfrentando um surto de escorbuto, beneficiou-se da colheita, consumindo-a para evitar sintomas da condição.
Já o botânico escocês Robert Rudmose-Brown, em 1904, não teve a mesma sorte, conta McCahey. Das sementes de 22 plantas do Ártico tolerantes ao frio que levou à Ilha Laurie, nenhuma germinou, e o cientista atribuiu a falha tanto às condições ambientais quanto à ausência de um especialista que acompanhasse o desenvolvimento delas.
Aliás, não faltaram movimentos malsucedidos de introdução de espécies não nativas nesse tipo de terreno, já que nada sobrevivia por muito tempo. Felizmente, nos anos 1940, as estações de pesquisas começaram a surgir por lá, com estufas que passaram a proporcionar tanto alimentos quanto bem-estar a seus residentes. Ainda assim, notou-se que o solo antártico não suportava muito, além dos já citados agrião e mostarda, perdendo a fertilidade depois de um ano ou dois.
Então, já na década de 1960, expedições passaram a apostar em métodos hidropônicos. Esses sistemas dispensam solo e se valem de água quimicamente aprimorada (na qual raízes de plantas são imersas), assim como de iluminações natural e artificial combinadas. Apesar de a abordagem dizer respeito à criação de condições artificiais, tratou-se de um aprendizado igualmente valioso pelos frutos que gerou.
Primeiras tentativas de plantações na Antártica visavam fornecer suprimentos para expedições. (Fonte: Shutterstock/Reprodução)
Por que a Antártica?
Em 2015, o mundo contava com pelo menos 43 diferentes instalações na Antártica (em que pesquisadores cultivavam plantas por diversas razões). O impulso para esse tipo de dedicação se iniciou também na década de 1960, junto à corrida espacial. Afinal, a hostilidade da região pode ser comparada ao que astronautas podem enfrentar em viagens fora da Terra, permitindo o desenvolvimento de protocolos variados capazes de proteger quem desbrava territórios desconhecidos.
Por isso, em 2004, a Fundação Nacional da Ciência (EUA) e o Centro de Agricultura de Meio Ambiente Controlado da Universidade do Arizona decidiram construir a South Pole Food Growth Chamber na região, um projeto voltado à maximização do cultivo de plantas com o uso mínimo de recursos.
A instalação imita condições de uma base lunar e fornece "um análogo na Terra para alguns dos problemas que surgirão quando a produção de alimentos for transferida para habitações espaciais", segundo seus idealizadores. Funciona até hoje, fornecendo comida à Estação Polo Sul Amundsen-Scott.
Outras iniciativas, como a EDEN ISS (uma estufa construída também na Antártica), aprimoraram técnicas e tiveram resultados sem precedentes. Em 2018, a EDEN recriou um ambiente com 65% de umidade relativa do ar que mantém a temperatura a 21 °C, enquanto o entorno enfrenta frios inferiores a -40 °C. O resultado? Em um espaço de 13 m², cientistas colheram 77 quilos de alface, 51 de pepino, 29 de tomate e 12 de couve-nabo, entre outros vegetais.
É justamente na EDEN ISS que a NASA busca as respostas de que precisa para melhorar as condições de quem vai para a Estação Espacial Internacional (ISS) e para futuras missões tripuladas à Lua e ao planeta vermelho, Marte.
Na EDEN ISS, cientistas cultivaram centenas de quilos de alimentos em espaço limitado. (Fonte: Hanno Müller/AWI/Reprodução)
Da Antártica para o espaço
Em dezembro de 2020, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) dos Estados Unidos anunciou a ida de especialistas à estufa na EDEN ISS para investigar os benefícios que sistemas de suporte à vida semelhantes ao de lá podem gerar quando replicados.
Só para se ter ideia, em apenas nove meses e meio, a instalação gerou 268 quilos de alimentos frescos — isso em um espaço equivalente ao de um quarto em um apartamento. A pesquisadora Jess Bunchek é quem encabeçou a expedição.
Junto à sua equipe, passaria meses dedicada a superar desafios impostos à agricultura em ambientes limitados. Na EDEN ISS, testaria o plantio de cultivares já utilizados na ISS, além de outros.
As descobertas do time, destacou a agência norte-americana, ajudariam a moldar pesquisas futuras sobre a produção de culturas espaciais, além de beneficiar a humanidade.
Antes de embarcar na nova jornada, Jess afirmou: "Preparação é tudo. Devemos estar preparados para qualquer situação". Certamente, todo o conhecimento acumulado em décadas passadas sobre plantações na Antártica ajudaram — e muito — tanto o grupo isolado em neve e gelo quanto astronautas nos passeios que fazem. Plantações na Antártica ajudam nos preparativos dos passeios que astronautas ainda farão.
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