Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Vivemos uma onda de popularização da inteligência artificial, perguntamos qualquer coisa para a recém-criada ferramenta da OpenAI, o ChatGPT, que já está em sua nova versão, e ela nos responde. E se pedirmos um treino, exercícios para corrida ou musculação?
Antes de continuarmos, é importante dizer que este texto não foi escrito pelo ChatGPT, mas sim sobre ele.
Ao comunicá-lo que desejo correr 5 km, perguntei como posso treinar. Segundo o chat GPT: “Se você deseja correr 5 km, é importante começar gradualmente e aumentar a distância ao longo do tempo”.
Um aumento gradual no volume de corrida é uma estratégia recomendada por especialistasFonte: Getty Images
A IA dá dicas como: começar com caminhadas, caso não tenha o hábito de praticar atividades físicas, como 30 minutos por dia em 5 dias na semana; na sequência, ela considera progressões e sugere corridas curtas de 1 a 2 minutos intercaladas com caminhadas de 1 a 2 minutos.
O GPT até considera o ritmo: “durante as corridas, é importante manter um ritmo confortável para você. Se você está ofegante ou sentindo dor, diminua o ritmo ou volte a caminhar". A sugestão de progressão também é coerente: “Tente aumentar a distância em 10% a cada semana”.
O ChatGPT não comete o erro que grande parte da área das ciências do exercício comete: focar no treino aeróbio e esquecer as sessões de fortalecimento muscular: “além de correr, é importante fazer treinos de resistência para fortalecer seus músculos e evitar lesões. Treinos de força com pesos, flexões e agachamentos podem ser úteis”.
O ponto final é o descanso, recuperação e hidratação. A finalização não poderia ser melhor: “Lembre-se de que cada pessoa é única e pode precisar adaptar o treinamento às suas próprias necessidades e capacidades. Se você tiver alguma dúvida ou preocupação, consulte um profissional de saúde antes de iniciar qualquer programa de exercícios", diz a IA.
Ao solicitar um treino para hipertrofia com uma frequência de 5 vezes na semana, o ChatGPT fez o que muitas academias já fazem, replicam treinos sem considerar especificidades (preferências e necessidades) do indivíduo. O maior problema está na dose, ou seja, volume de treino, e realmente a diferença entre o veneno e o remédio é a dose.
Treinos de força devem ser adatados para cada pessoaFonte: Getty Images
Se aplicarmos a um indivíduo iniciante que jamais entrou em uma academia, o treino sugerido, que tem pelo menos 10 séries por grupo muscular, é a receita para elevada dor muscular tardia -- algo que pode espantar o praticante de voltar para novos treinos. Embora ao final, exista a recomendação “não se esqueça de aquecer adequadamente antes de cada treino e de fazer alongamentos”, não houve prescrição de aquecimento, parte fundamental da sessão.
Apesar de considerar aspectos como volume, intensidade e progressão, existem princípios básicos do condicionamento físico que precisam ser respeitados para um treinamento coerente e melhores resultados, e quando temos treinos prontos replicados, um dos principais é ferido: o princípio da individualidade biológica, que explica as diferenças entre as pessoas e como respondemos aos estímulos, como o treinamento físico.
Por isso o treino da blogueira fitness provavelmente não servirá para você. Outro princípio é o da adaptação, como as respostas ao treinamento são altamente individuais, não sabemos quando e se o indivíduo se adaptaria ao estímulo inicial dado e como progredir a partir disso (que envolve outro princípio: o da sobrecarga).
Além da sobrecarga, para que tenhamos evolução, é preciso o princípio da continuidade, em que estamos motivados o suficiente para seguir na atividade ao longo do tempo e colher os benefícios. Por fim, o princípio da especificidade, postula que estímulos específicos promovem adaptações específicas. Dessa forma tanto a musculação quanto a corrida podem ser praticados visando outro fim, como melhor desempenho em um esporte.
O ChatGPT pode fornecer informações sobre estratégias para promover escolhas de estilo de vida saudável, como atividade física regular, com ampla acessibilidade e de forma gratuita. De fato, a ferramenta pode informar pessoas em estágios iniciais de mudança de comportamento, como um leigo sem experiência prévia que quer iniciar na academia ou correr alguns quilômetros, porém quando consideramos a aplicação dos conhecimentos através da prescrição de treinos, nada substitui por completo a atuação de um profissional humano de saúde para tratar do complexo e multifatorial comportamento que é a atividade física. Esse mesmo praticante iniciante pode ter a necessidade de se sentir amparado, confortável e cuidado.
É como pensar que uma pílula pode substituir os efeitos do exercício. Sendo o exercício físico uma experiência ampla, sentida, com benefícios em diversos espectros: físicos, fisiológicos, sociais e psicológicos, e que vale a pena ser vivida, sendo quem prescreve, orienta e supervisiona, um profissional humano de Educação Física, parece que estamos longe de apenas tomar um comprimido ou que um robô nos diga como nos movimentar.
Ainda precisamos (e talvez sempre iremos precisar) da visão de um humano para ajudar outro humano em seu comportamento.
Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/CEFID/UDESC). É autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos, e apresenta o programa Exercício Físico e Ciência na rádio UDESC Joinvile (91,9 FM); o programa também está disponível em podcast no Spotify.