*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Uma das produções de maior sucesso da atualidade é a série The Last of Us, da HBO. O programa, que é derivado do jogo de videogame que possui o mesmo nome, trata de um mundo pós-apocalíptico onde a sociedade humana como conhecemos sucumbiu diante de uma pandemia causada por uma doença relacionada à contaminação por um fungo chamado Cordyceps.
Na série, logo antes do surto global, uma cientista, chamada Ibu Ratna, é convocada pelas autoridades militares para avaliar uma paciente que faleceu em decorrência da doença causada pelo fungo. Ao perceber a gravidade da situação, a cientista recomenda que os militares e governantes bombardeiem a cidade com toda sua população, uma vez que não haveria uma solução para evitar o espalhamento da doença.
Após o final da série, que foi ao ar neste mês de março, no episódio do podcast NerdCast sobre a série, os comentaristas lembram dessa cena específica e dizem algo que, parafraseando seria como: “...a sociedade humana colapsa quando até os cientistas desistem de uma causa”. Esse pensamento pode nos levar a uma reflexão sobre o papel que a Ciência possui em nossa sociedade.
Área de isolamento em cena da série The Last of Us (Reprodução)
Em momentos de crise, seja qual for o tipo ou o motivo da crise, nossa sociedade atual costuma se voltar para a Ciência em busca de soluções. A pandemia da covid-19 foi um exemplo claríssimo de como a pesquisa e o esforço científico nos afetam enquanto sociedade. Basta observar as medidas de isolamento social e a produção das vacinas em tempo recorde que nos permitiu preservar milhares, se não milhões de vidas (e poderíamos ter preservado ainda mais vidas se o esforço governamental tivesse sido direcionado corretamente).
Atualmente, talvez a questão que necessite da maior urgência seja a crise climática pela qual já estamos passando. Entretanto, essa crise possui consequências mais lentas se comparadas com uma pandemia provocada por um vírus ou por um fungo, como na série. Porém, diversos cientistas (e a comunidade científica como um todo) já alertaram, assim como Ibu Ratna, que estamos chegando a um ponto irreversível das mudanças em nosso clima e, mesmo assim, não conseguimos mudanças drásticas em nosso modo de vida.
É no mínimo curioso pensar o caos que tomaria nossa sociedade se, no início da pandemia, a comunidade científica global se posicionasse dizendo que não haveria o que ser feito para mitigar os efeitos do novo coronavírus. Certamente, veríamos cenas dignas de The Last of Us, com saques a mercados, hospitais e as mais diversas atrocidades sendo cometidas. Isso tudo serve de exemplo para refletirmos o quanto a posição científica, sobre o que quer que seja, influencia os mais diversos fatores sociais.
Entretanto, não é nenhum absurdo afirmar que os cientistas, especialmente no Brasil, são profissionais extremamente desvalorizados. Por exemplo, as bolsas de pós-graduação e iniciação científica receberam, recentemente, um aumento de 40%. Essa notícia pode até parecer boa, porém, tais bolsas não eram reajustadas há uma década e a inflação acumulada desse período passa de 75%. Ou seja, considerando a inflação, mesmo com os aumentos, os cientistas que estão cursando mestrado e doutorado recebem menos hoje do que em 2013.
É contraditório valorizarmos a Ciência e sua produção somente quando precisamos de resultados urgentes. O investimento em Ciência, mesmo na ausência de crises, produz conhecimento e riquezas que auxiliam e influenciam diretamente no desenvolvimento dos países. Por isso, toda a sociedade precisa estar envolvida e consciente para que os cientistas não sejam os únicos responsáveis por não desistir da Ciência.
Rodolfo Lima Barros Souza, professor de Física e colunista do TecMundo. É licenciado em Física e mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Unicamp na área de Percepção Pública da Ciência. Está presente nas redes sociais como @rodolfo.sou
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