As mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global estão relacionadas à emissão de gases de efeito estufa (GEE). Um dos principais emissores dos poluentes são os combustíveis fósseis, utilizados tanto para movimentar veículos de transporte quanto para gerar energia elétrica.
As fontes não renováveis, como petróleo, carvão mineral e gás natural, respondem por 84% da matriz energética mundial, de acordo com o Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas (FGV Energia). Elas também são responsáveis por quase 100% dos GEE emitidos para a produção energética. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), a queima de carvão, bastante utilizada para a geração de eletricidade, lidera as emissões do setor, com mais de 43% dos gases lançados na atmosfera.
Nesse cenário, as alterações climáticas, como o aumento de secas, as inundações e o avanço do mar são inevitáveis. No entanto, há um esforço mundial para tentar conter o aumento da temperatura global em relação ao período pré-industrial a apenas 1,5 °C até 2100, o que significa evitar catástrofes ainda maiores. Mas a negociação é difícil e lenta.
O Protocolo de Quioto, de 1997, estabelecia apenas compromissos voluntários, porém em sua maior parte não foi cumprido. O documento foi substituído pelo Acordo de Paris, em 2015, que estabeleceu medidas mais incisivas, mas que demoram para ser implementadas por conta da resistência dos maiores poluidores.
Durante a última Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em 2021 (COP26), mais de 40 países pretendiam assinar um acordo para eliminar gradualmente a utilização de carvão nas próximas décadas. O primeiro e o terceiro maiores consumidores globais de carvão, China e Índia, trabalharam para retirar do compromisso a palavra "eliminação" e substituí-la por "redução", o que foi alvo de crítica de ambientalistas de todo o mundo. O segundo maior consumidor, os Estados Unidos, sequer assinou o tratado.
Como evitar um desastre climático, por Bill Gates
O fundador da Microsoft, Bill Gates, que já foi a pessoa mais rica do mundo, tem se dedicado a investir tempo para refletir sobre os problemas globais e aplicar iniciativas com potencial para reverter as mudanças climáticas ao longo de mais de uma década. Seu conhecimento foi consolidado no livro Como evitar um desastre climático: as soluções que temos e as inovações de que precisamos, publicado em 2021.
“Tenho visto um progresso empolgante nos mais de 15 anos em que aprendi sobre energia e mudanças climáticas”, escreveu Gates. O bilionário acredita que o atual momento é crucial para o futuro da humanidade. Enquanto o custo da geração energia renovável do sol e do vento caiu drasticamente, cresceu o apoio público para realizar ações mais efetivas para evitar um desastre climático.
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Gates afirma que “para evitar um desastre climático, temos que chegar a zero emissão de gases de efeito estufa”. Para isso, argumenta que é preciso implantar as ferramentas disponíveis de forma mais rápida e inteligente, mas também criar e implementar tecnologias inovadoras.
“A implementação desse novo sistema de energia requer uma ação política concentrada”, defende ele em um trecho do livro. Por isso, é necessária uma pressão maior sobre os governos. “As autoridades eleitas adotarão planos específicos para as mudanças climáticas se seus eleitores assim exigirem”, afirma Gates.
Para colocar a questão em prática, um grupo de investidores do setor privado liderado pelo bilionário decidiu fundar a TerraPower em 2006. A empresa tem como principal objetivo desenvolver energia limpa para conter as alterações drásticas no mundo provocadas pelo aquecimento global.
A proposta da TerraPower
A TerraPower considera que a energia nuclear é um elemento essencial para a infraestrutura energética, por isso começou a desenvolver uma tecnologia batizada de reator de ondas viajantes (TWR), que pretende ser um método mais seguro de gerar eletricidade a partir de fontes atômicas.
A fissão nuclear, um processo em que os átomos se dividem e liberam uma grande quantidade de energia, gera muito calor. Nas usinas nucleares convencionais, a água absorve esse calor, transformando-o em vapor, o qual gira uma turbina para produzir eletricidade. O problema é que o vapor também pode criar pressão dentro de um reator e causar uma explosão.
A TerraPower usa um método diferente, substituindo a água por sódio líquido como agente de resfriamento. A substância tem ponto de ebulição mais alto e pode absorver muito mais calor do que a água, o que significa que a alta pressão não se acumula dentro do reator.
O sistema de refrigeração inovador, chamado de Natrium, não depende de uma fonte externa de energia para operar em caso de desligamento de emergência do reator. Em vez disso, seu sistema funciona com o ar quente que sobe da circulação natural dentro do sistema. Isso pode evitar acidentes como o da fábrica de Fukushima, no Japão: depois que um tsunâmi desligou o reator da usina, o sistema de resfriamento de backup, que era alimentado por motores a diesel, falhou. Sem o resfriamento do reator, a usina enfrentou o derretimento de componentes e outros problemas.
A nova tecnologia também elimina a necessidade de urânio enriquecido (produto controlado devido ao potencial de gerar armas atômicas), produz menos lixo nuclear e permite redução de custos para a implantação de usinas.
Os reatores nucleares do TerraPower ainda estão em fase experimental. O primeiro grande teste de operação deverá ocorrer até 2028, quando a primeira usina da companhia deverá começar a funcionar, aproveitando a estrutura de uma antiga indústria de carvão, em Wyoming, nos EUA.
A planta conta com US$ 4 bilhões em investimentos, sendo metade bancada pela empresa e a outra parte pelo governo dos Estados Unidos. A previsão, contudo, é que as próximas instalações custem pelo menos um quarto desse volume.
A energia nuclear pode não ser viável
O uso da energia nuclear como alternativa para a geração de eletricidade, no entanto, não é consenso entre os cientistas. A maior crítica ao sistema atômico é que a principal matéria-prima utilizada nos reatores nucleares, o urânio, é uma substância não renovável que pode ser utilizada em uma guerra nuclear.
Além disso, as usinas nucleares demoram muito tempo para serem construídas e são muito caras. “Investir em nova energia nuclear é o caminho mais seguro para o desastre climático”, alerta Mark Jacobson, professor da Universidade Stanford (EUA).
A própria tecnologia utilizada pela iniciativa de Gates pode ser perigosa. “A onda viajante é uma subespécie de um reator rápido refrigerado a sódio, e o histórico desses reatores não é animador”, lembra Richard Martin, editor sênior da MIT Technology Review. O sódio tem alta reatividade química que pode provocar acidentes, como o ocorrido em 1995 na Usina Nuclear de Monju, no Japão.
“Reatores rápidos em geral nunca foram comercialmente viáveis, e não vi nada da TerraPower que sugira que seu projeto seja melhor”, argumenta M.V. Ramana, físico nuclear da University of British Columbia. “E o sódio, por ser opaco, torna a manutenção e os reparos do reator notoriamente difíceis”, completa.
Certamente Gates e sua equipe estão cientes das críticas ao sistema e buscam soluções para superar os desafios. Se eles vão conseguir ou não desenvolver uma alternativa de energia atômica viável, só o futuro poderá dizer.
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