Você tem ideia de quantas relações sexuais ocorrem todos os dias?
Em média, adultos de 18 a 29 anos praticam 112 relações sexuais por ano (2,2/semana). Para aqueles de 30 a 39 anos, o número cai para 86 vezes/ano (1,7/semana). Entre os 40 e 49 anos, são 69 episódios/ano (1,3/semana).
A metade das pessoas jovens (entre 18-24 anos) teve sua última prática sexual com uma parceria ocasional (não fixa). Entre casais, 50% dos homens e 26% das mulheres possuem relações extraconjugais. Esses dados fazem parte do último relatório do Instituto Kinsey, realizado em 2010.
Um estudo mais recente, de 2019, sobre comportamento sexual e uso de preservativos na população brasileira, revelou que a maioria (59%) nunca usa e apenas 23% da população sempre usa camisinha. Se considerarmos que, de forma conservadora, uma pessoa pratica 52 relações sexuais por ano (1/semana) e que 75% da população possui vida sexual ativa (entre indivíduos com mais de 15 anos), concluímos que ocorrem mais de 410 milhões de relações sexuais por dia. Imagino que esse número deva ser maior aos sábados e menor às segundas.
As ISTs representam um problema global em saúde coletiva que afeta países de todos os aspectos socioeconômicos (Getty Images)
Avaliando por esse prisma, fica fácil compreender a relevância das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), anteriormente chamadas de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). A mudança na nomenclatura se deu pelo fato de algumas infecções não causarem sintomas, mas ainda assim poderem ser transmitidas.
As ISTs representam um problema global em saúde coletiva que afeta países de todos os contextos socioeconômicos. As principais representantes delas são: a Neisseria gonorrhoea, responsável pela uretrite, cervicite, doença inflamatória pélvica, entre outras; a Chlamydia trachomatis, também causadora de uretrite, cervicite e doença inflamatória pélvica; o HPV, responsável pelo câncer de colo uterino; a sífilis e as hepatites virais (A, B e C); e, ainda, o HIV. Há grande dificuldade no controle dessas doenças devido à alta proporção de infecções assintomáticas ou por possuírem longos períodos de incubação, que é o tempo entre a infecção e a presença de sintomas.
A capacidade de disseminação de uma IST depende do número de relações sexuais praticadas por indivíduos transmissores e a probabilidade de transmissão durante a relação entre um indivíduo transmissor e outro susceptível.
Cada uma dessas variáveis possui pesos diferentes de acordo com o tipo de IST. Por exemplo, no caso da gonorreia, a probabilidade de transmissão durante um intercurso sexual é maior que 50%, caso um dos indivíduos esteja infectado. Porém, na grande maioria das vezes, não há o reconhecimento de infecção por parte do indivíduo que a possui. Como a prevalência é em torno de 1,85% (pode ser maior ou menor, de acordo com o local e a faixa etária). Apesar de parecer pouco, a tendência é crescente e variável de acordo com o país, faixa etária e perfil do indivíduo. Levando esses números médios em consideração, o risco de uma pessoa contrair doença gonocócica após 11 relações sexuais desprotegidas, com diferentes parcerias, é de 10%. A cada 108 relações sexuais praticadas no mundo, em uma delas haverá uma nova infecção. Lembram das 410 milhões relações que ocorrem por dia? Sim, são mais de 3,5 milhões de novos casos de doença gonocócica todos os dias.
A realização de testes de ISTs ajuda no rastreamento e no controle das doenças na população (Getty Images)
Esse risco pode ser diminuído com uso de camisinha, porém, um estudo recente brasileiro demonstra que 77% das relações sexuais são desprotegidas. A via de exposição – vaginal, retal ou oral – também afeta essa probabilidade. Indivíduos jovens sabidamente possuem mais relações do que a média e são naturalmente mais vulneráveis.
Cada uma das ISTs possui diferentes formas de prevenção, incluindo as vacinas – no caso do HPV e hepatites A e B –, o preservativo e as medicações (PrEP - Profilaxia Pré-Exposição - para HIV). De qualquer forma, há uma estratégia que se aplica a todas: o rastreamento. Por meio dele, busca-se o diagnóstico dos indivíduos com a infecção, incluindo os assintomáticos, por meio da testagem. O tratamento adequado leva à cura, evita as complicações e, principalmente, reduz as transmissões.
É muito difícil interferir na dinâmica de transmissão das ISTs já que o sexo é muito associado às liberdades individuais e à percepção ou gestão individual de risco. Mas a identificação, tratamento e cura reduz o número de indivíduos transmissores praticando relações sexuais. O rastreamento é a base da pirâmide e está indicado nos protocolos de saúde, mas, na prática, não há adesão consistente. Respondam a essas perguntas: você possui vida sexual ativa? Se sim, qual foi a última vez que realizou teste para HIV, hepatites virais, sífilis e outras ISTs?
A infecção pela Neisseria gonorrhoea é assintomática em 5% dos homens e entre 30% e 80% das mulheres. Por não possuírem sintomas, esses indivíduos são os maiores responsáveis pela transmissão. As mulheres que costumam não ter sintomas da infecção irão desenvolver Doença Inflamatória Pélvica (DIP) em 40% dos casos não tratados, com risco de complicações infecciosas, infertilidade e dor crônica.
Os testes realizados em point-of-care (POC) são pilares nessa perspectiva. Por meio de um modelo de testagem descentralizada, sob gestão laboratorial que possua um sistema integrado de reporte de resultados, com vigilância epidemiológica em tempo real, é possível avançar significativamente no enfrentamento das ISTs. Já há experiência exitosa no caso do HIV, mas que pode ser ainda aprimorada e ampliada para outras doenças, se for encarada como uma política de saúde.