De todos os diversos problemas que tiraram o sono dos físicos teóricos nas últimas décadas, apenas um reinou absoluto por pelo menos 50 anos: o paradoxo da informação em buracos negros.
Desenvolvida formalmente em meados da década de 70 através das contribuições fundamentais do famoso físico inglês Stephen Hawking, o paradoxo é um quebra-cabeça teórico que surge quando as previsões da mecânica quântica são aplicadas às regras da relatividade geral, isto é, quando duas das teorias científicas mais bem-sucedidas da história são combinadas.
Representação artística da deformação do espaço-tempo.Fonte: ESA
Para o caso de você não recordar bem ou não ser familiar com essas definições, não se preocupe, eis um lembrete: a mecânica quântica apresenta a descrição matemática que acreditamos ser a base de todos os processos físicos fundamentais na natureza das partículas que compõem a matéria comum; a relatividade geral, por sua vez, é a famosa teoria descoberta por Albert Einstein, na qual a gravidade é descrita como um efeito da curvatura do espaço e do tempo. Em suma, a mecânica quântica descreve o aspecto micro do Universo, enquanto a relatividade geral seu aspecto macro.
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Uma das muitas previsões espetaculares confirmadas da teoria da relatividade geral é a existência de buracos negros: regiões do espaço-tempo das quais absolutamente nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Essa categoria de objetos astronômicos normalmente é formada a partir do colapso do núcleo de estrelas extremamente massivas e possui propriedades tão extremas que produzem à existência de uma singularidade em seu interior, um ponto que não parece obedecer à nenhuma das leis conhecidas da física.
Imagem do buraco negro no centro da Via Láctea.Fonte: EHT Collaboration
O problema com os buracos negros diz respeito à informação que eles contêm: jogue algum objeto nele e você jamais o verá novamente, pule em um deles e você jamais sairá. Até mesmo a fusão de dois buracos negros é impossível de ser desfeita, não se pode separá-los novamente. Mas a verdade é que o objeto caiu, você pulou e dois buracos negros se fundiram, correto? Para alguém que observa o buraco negro em uma distância segura depois que esses eventos ocorreram, não é possível dizer o que aconteceu. Os buracos negros simplesmente parecem não preservar nenhuma informação.
No Universo descrito por nossas leis científicas, essas informações são certas propriedades físicas mensuráveis de matéria e energia. Uma molécula ou uma partícula, como um próton ou um elétron por exemplo, contém um valor de massa, uma carga elétrica, um spin e diversas outras propriedades quânticas (número de bárions, léptons, hipercargas etc.). Supondo, então, que um buraco negro “absorva” uma determinada quantidade de matéria e energia ao longo do tempo e, além disso, ele próprio é constituído por toda uma série de partículas com propriedades únicas, é razoável deduzir que um buraco negro contém uma quantidade significativa de informação.
Representação artística de um buraco negroFonte: Getty Images
A pergunta então é: para onde foi toda essa informação? Em teoria, um buraco negro feito a partir do colapso de uma estrela normal deveria ter informações codificadas totalmente diferentes do que as de um buraco negro feito a partir do colapso de uma estrela de antimatéria (considerando ser possível), por exemplo. Contudo, não há como diferenciá-los.
Nesse fato reside a primeira parte do paradoxo: se a informação some, isso viola a teoria quântica. A segunda parte surgiu quando Stephen Hawking aplicou as regras da mecânica quântica aos buracos negros e descobriu que esses sistemas isolados emitiriam uma forma de radiação, chamada radiação de Hawking, que seria independente do estado inicial do buraco negro e dependeria apenas de sua massa, carga elétrica e momento angular.
O paradoxo da informação, então, pode ser descrito de forma simplista e reduzida nos seguintes termos: se considerarmos um buraco negro que é formado através dos processos físicos conhecidos é esperado que dele nada saía, mas que a informação seja preservada de algum modo. Se a informação não se preserva ou se evapora inteiramente através da radiação de Hawking, tem-se um paradoxo.
Nos últimos anos, várias hipóteses têm sido levantadas de modo a solucionar o paradoxo da informação em buracos negros e extensões dele. Muitas dessas hipóteses se fundamentam em cálculos oriundos da teoria das cordas, a principal candidata a uma teoria unificada da natureza, e afirmam que a informação realmente escapa de um buraco negro. Segundo uma delas, por exemplo, se você pular em um buraco negro, não irá necessariamente embora para sempre; ao invés disso, a informação do seu corpo poderá emergir, partícula por partícula, para reconstitui-lo.
Os físicos esperam que uma resposta definitiva a esse paradoxo apareça brevemente nos próximos anos. Até lá, o estudo dessa e de outras propriedades exóticas da natureza certamente continuarão a empurrar as fronteiras do conhecimento humano para ainda mais longe, rumo aos confins do Universo.
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