HIV: os avanços e gargalos para 2023

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A AIDS já foi a oitava principal causa de óbitos no mundo, com 1,84 milhão de vidas perdidas no ano de 2004. Em 2022, passamos pelo 1º de dezembro, dia mundial do combate à doença, com ela na 14ª posição deste ranking, causando cerca de 800 mil óbitos anuais. Um avanço significativo, mas o vírus do HIV ainda mata mais do que o suicídio, a malária e o homicídio

O grande flagelo do HIV no início de sua descoberta era a falta de tratamento. O diagnóstico era um atestado de óbito e a letalidade era de praticamente 100%. 

Quando as primeiras medicações surgiram, houve grande pressão da Sociedade Civil Organizada para que as etapas de aprovação fossem mais céleres. Com o aumento na distribuição e acesso ao tratamento, o aumento na sobrevida de pessoas com a doença foi considerável. Depois, a associação de novas medicações fez com que a síndrome passasse a ter controle, tornando-se uma doença crônica. 

O Brasil teve papel decisivo no enfrentamento global, através do investimento público para disponibilização da terapia associada, e da quebra das patentes. Para uma pandemia altamente letal, em viés de forte alta, essas medidas ampliaram ainda mais o acesso ao tratamento. 

HIV e os avanços para 2023Testes laboratoriais de HIV

Porém, mesmo com esses avanços sem precedentes na história da medicina, os óbitos continuavam crescentes. De que adianta o tratamento, se boa parte dos indivíduos não possuem diagnóstico? Muitos tratamentos eram iniciados em fase tardia, já passada a oportunidade dos seus benefícios a longo prazo.

O tratamento é a ponta do iceberg. Precisamos encontrar os casos. Para saber os casos, necessitamos do diagnóstico. E para diagnóstico, precisamos de testes. E o teste sozinho não é suficiente. Precisávamos que testes fossem, de fato, realizados. 

No início, assim como as fragilidades do tratamento, não haviam testes disponíveis. Os testes de primeira geração foram criados em 1985. Além de caros, possuíam sensibilidade e especificidade mais baixas.

O período de janela imunológica – o tempo entre a infecção e a capacidade de detecção da doença ao teste –, chegava a 45 dias. Com o tempo os testes evoluíram, melhoraram progressivamente a acurácia e tiveram seu custo gradativamente reduzido. 

Situação resolvida? Longe disso. Em 2003, metade dos pacientes obtinham resultado de um teste somente após 15 dias e haviam poucos locais para a sua realização. Os médicos simplesmente não realizavam requisição e o paciente não via necessidade de se testar. 

Vemos que por maior que seja a acurácia de um teste, o fato de não ser rápido, fácil e acessível, alimenta o estigma e discriminação, mantendo a maior parte das pessoas ignorantes sobre seu status imunológico. O teste em grande parte ainda era motivado pela suspeita clínica de AIDS, quando já há imunossupressão em consequência da destruição da imunidade após anos de infecção. 

É aí que entra a maior revolução no enfrentamento do HIV desde o surgimento dos tratamentos: os testes rápidos. São exames com alta acurácia, baixo custo e resultado em poucos minutos. Parece o melhor dos mundos para um exame laboratorial, e realmente é. Desde sua incorporação no Sistema de Saúde no Brasil, o número de testes distribuídos aumentou em mais de 300%. 

A redução na proporção de indivíduos com HIV sem diagnóstico de 31% para 11% é consequência do aumento na testagem. No mesmo período, o mundo reduziu o subdiagnóstico de 53% para 19%. 

Mas ainda estamos aquém do ideal, convivendo com uma parcela significativa de subdiagnóstico no Brasil e no mundo. Os dados epidemiológicos a respeito de características e perfil de novos casos são bastante robustos e isso tem dado o norte para onde os esforços devem ser direcionados.

Homens jovens que fazem sexo com outros homens concentram a maior parte de novos casos. Naturalmente que a estratégia de comunicação do ponto de vista de medidas de prevenção e disponibilização de testes devem ser focadas para essa população.

Mas será que isso está ocorrendo de fato? Não há um sistema de monitoramento epidemiológico dos testes que de fato estão sendo realizados. Qual é o perfil do indivíduo testado para HIV no Brasil? Qual é a frequência de realização desses testes? Indivíduos de maior vulnerabilidade estão tendo acesso aos testes? 

Todas essas perguntas não são respondidas por não termos um sistema de dados integrado e isso é uma das fragilidades atuais. Há tecnologia disponível para isso, mas é necessário um esforço político para sua incorporação. 

A pandemia da Covid mostrou o quanto trabalhar com dados em tempo real é fundamental para definição de políticas públicas e distribuição de recursos. Essa lógica se mantém para o HIV e outras enfermidades. Na região africana, o HIV ainda é a quarta principal causa de óbito. Já sabemos como avançar, mas por algum motivo esse avanço não chegou de fato em alguns lugares. 

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Referências

  1. Três Décadas de Diagnóstico de HIV: A Experiência Brasileira, 2016: https://www.ucs.br/ips2/wp-content/uploads/2020/09/Tres-Decadas-de-Diagnostico-de-HIV-A-Experiencia-Brasileira.pdf 

  2. Unaidshttps://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/dangerous-inequalities_en.pdf

  3. MR Trends in HIV testing https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2022.11.14.22282329v1.full.pdf

  4. Ministério da Saúde I https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2022/hiv-aids

  5. Ministério da Saúde II https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2018/manual_tecnico_hiv_27_11_2018_web.pdf

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