A Sociedade de Radiologia da América do Norte (RSNA) descobriu uma diferença crucial no cérebro de pessoas com enxaqueca crônica e enxaqueca episódica sem aura. Segundo o estudo, esses pacientes apresentam espaços dilatados em torno dos vasos sanguíneos no centro semioval.
Esses espaços perivasculares aumentados nunca haviam sido relatados e a esperança é a de que as imagens possam ajudar os pesquisadores a desenvolverem novas maneiras personalizadas para diagnosticar e tratar a enxaqueca. O trabalho será apresentado na reunião anual da entidade, no final de novembro.
A enxaqueca é uma condição comum, mas muitas vezes debilitante. Quem sofre com ela costuma relatar uma forte dor de cabeça que não passa. Além disso, enxaquecas podem causar náuseas, fraqueza e sensibilidade à luz - e podem ser acompanhadas de aura.
A aura é uma alteração visual, na qual o paciente enxerga pequenos pontos luminosos ou sofre embaçamento dos limites do campo de visão. Ela pode durar entre 15 e 60 minutos e é seguida por uma dor de cabeça muito forte e constante.
A American Migraine Foundation (Fundação Americana de Enxaqueca) estima que até 148 milhões de pessoas em todo o mundo sofram com enxaqueca crônica - a versão da doença dos pacientes estudados pela RSNA.
Ao todo, cerca de 10% da população mundial já teve um episódio de algum tipo da doença, segundo um artigo publicado na revista científica Jama - ou seja, cerca de 800 milhões de pessoas.
Entendendo o cérebro com enxaqueca
Os espaços perivasculares em foco no estudo são espaços cheios de líquido que envolvem os vasos sanguíneos no cérebro. São mais comumente localizados nos gânglios da base, na substância branca do cérebro e ao longo do trato óptico.
Esses espaços no entorno dos vasos sanguíneos podem ser afetados por vários fatores, como inflamações, e sua dilatação pode ser sinal de alguma outra doença.
O tipo de exame de imagem utilizado no estudo - ressonância magnética de ultra alta resolução - é capaz de criar imagens do cérebro com qualidade superior a outros tipos de ressonância magnética, o que permite demonstrar mudanças muito menores que ocorrem no tecido cerebral após um episódio de enxaqueca.
O grupo de participantes incluiu dez pessoas com enxaqueca crônica, dez com enxaqueca episódica sem aura e cinco pessoas sem enxaqueca para ser o grupo de controle, escolhidas para combinar com a idade dos demais participantes. Todos tinham entre 25 e 60 anos.
Os pesquisadores calcularam os espaços perivasculares aumentados no centro semioval do cérebro dos pacientes e as lesões que “se iluminaram” na ressonância magnética foram medidas e classificadas com a escala de classificação anatômica de microsangramento.
Também foram levados em conta no exame dados clínicos - como duração e gravidade da doença - sintomas, presença de aura e o lado da dor de cabeça.
Resultados do estudo
Diferenças pontuadas por setas no cérebro com enxaqueca, à esquerda, e em um cérebro saudável à direita.Fonte: RSNA/Divulgação.
A análise estatística revelou que o número de espaços perivasculares aumentados no centro semioval foi significativamente maior em pacientes com enxaqueca em comparação com os controles saudáveis.
Segundo um comunicado publicado pela equipe do estudo, “as lesões da substância branca foram significativamente ligadas à presença de espaços perivasculares aumentados". De acordo com eles, isso sugere que mudanças nos espaços perivasculares podem levar ao desenvolvimento futuro de mais lesões na substância branca do cérebro.
Agora, a equipe levanta a hipótese de que diferenças significativas nos espaços perivasculares de pacientes com enxaqueca podem sugerir interrupção no sistema de eliminação de resíduos do cérebro, que utiliza canais perivasculares para ajudar a eliminar proteínas solúveis e metabólitos do sistema nervoso central (SNC).
Mas ainda não se sabe se as alterações encontradas no estudo ajudam ou afetam o desenvolvimento da enxaqueca, ou se são resultado da doença. Será preciso um estudo contínuo com um número maior de pacientes para entender melhor a relação entre as alterações estruturais e o desenvolvimento de diferentes tipos de enxaqueca.
Segundo um dos coautores da pesquisa, Wilson Xu, os resultados de sua equipe devem inspirar estudos futuros de maior escala e, eventualmente, ajudar a desenvolver novas maneiras personalizadas de diagnosticar e tratar a enxaqueca.