*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Imagine o lugar mais frio que existe. Nesse exercício mental, alguns pensamentos serão levados para as lembranças de um dia especialmente frio que vivenciamos, outros para países onde o inverno é rigoroso e ainda há aqueles cujos pensamentos irão direto para os polos do planeta onde as temperaturas dificilmente ficam acima do 0ºC. A verdade, contudo, é que todos esses lugares são quentes e de um verão hospitaleiro se comparados ao lugar mais frio que existe naturalmente no Universo.
Geleira na AntártidaFonte: Getty Images
Para falarmos de temperaturas no Cosmos, é necessário lembrar das definições de energia térmica que aprendemos no estudo da física básica nos tempos da escola. Todas as partículas que compõem a matéria comum estão em constante movimento, possuindo, portanto, uma energia cinética intrínseca. A essa energia cinética associa-se a energia térmica do sistema de forma direta e proporcional, isto é, quanto maior a energia cinética do conjunto de partículas, maior será a energia térmica do sistema. Ao grau de medida da energia térmica de um sistema, chamamos temperatura.
Em sentido oposto, ao falar de baixas temperaturas, falamos necessariamente de baixa energia térmica e, portanto, baixa movimentação das partículas que constituem o corpo ou o lugar em questão. Em um lugar muito frio, então, as partículas se movem tão lentamente que se aproximam do limite do que significa estar verdadeiramente em repouso. Lá não deve haver fontes de calor interior e nem nas proximidades para que essas partículas absorvam a energia térmica.
A temperatura média da Terra é de 25 graus centígrados.Fonte: NASA/ISS
Fisicamente, isso significa que você precisa estar o mais longe possível de todas as fontes de partículas em movimento e radiação. Para isso, precisamos guiar nossos pensamentos para fora da Terra. Seria preciso buscar um lugar cuja distância de estrelas, galáxias e nuvens de gás quente seja tão grande quanto possível.
A uma distância de 150 milhões de quilômetros do Sol, por exemplo, nosso planeta é mantido a uns modestos 25ºC, uma temperatura que seria quase 50% mais fria se não fosse pela nossa atmosfera. Afastando-se mais do Sol será cada vez mais difícil aquecer as coisas: Plutão é frio o suficiente para congelar o nitrogênio líquido; sua temperatura superficial costuma ser abaixo de -200ºC.
Plutão, um dos objetos celestes mais frios do Sistema Solar.Fonte: NASA
Porém, quando falamos sobre as profundezas do espaço, embora tenhamos a imagem de um vazio estéril e escasso, repleto de vastas distâncias entre as estruturas que permeiam o Universo, é impossível estar totalmente bloqueado de alguma fonte de energia. Por exemplo, mesmo que consideremos um lugar distante, onde tenhamos filtrado quaisquer fontes externas de fótons energéticos, um lugar nos recessos mais profundos do espaço intergaláctico, protegido da luz das estrelas, ainda haveria uma coisa aquecendo essa região: a radiação remanescente do Big Bang, o fundo de microondas cósmico que está a uma temperatura aproximada de -270ºC (~2,725 K em escala absoluta).
Essa é, de fato, uma das temperaturas mais baixas de todas: o vácuo possui uma temperatura média que é apenas 3 unidades acima da temperatura mais baixa que qualquer coisa pode atingir na natureza: -273,15ºC (0 K em escala absoluta). Porém, surpreendentemente, existe um lugar ainda mais frio.
A Nebulosa do BumerangueFonte: NASA
A nossa galáxia, a Via Láctea, tem um lugar que atinge a temperatura impressionante de -272ºC (1 K em escala absoluta). Conhecida como a Nebulosa do Bumerangue, esse objeto que é um dos mais peculiares do Universo está localizado a apenas 5.000 anos-luz de distância da Terra. Seu nome é devido à sua aparência assimétrica notada pelos astrônomos quando ela foi observada pela primeira vez em 1980.
Trata-se de uma nebulosa pré-planetária: um estágio intermediário na vida de uma estrela moribunda semelhante ao Sol. Nesse estágio da vida estelar, ocorre uma ejeção das camadas mais externas da estrela que vai transformando-a ao longo de alguns milhares de anos em uma anã-branca. A Nebulosa do Bumerangue, contudo, expele seu gás e perde sua massa cerca de dez vezes mais rápido do que a taxa normal: cerca de dois planetas Netunos em termos de matéria são ejetados a cada ano.
Imagem composta da Nebulosa do Bumerangue em luz visível e em ondas de rádio apresentando uma cavidade em sua estrutura.Fonte: NRAO
Como resultado de tudo isso, o seu interior transformou-se no lugar natural mais frio do Universo conhecido até hoje, com algumas partes da nebulosa chegando a meio grau acima do zero absoluto. Essas e outras temperaturas de objetos distantes no Universo podem ser medidas utilizando a radiação eletromagnética que chega nos telescópios por meio de relações conhecidas que permitem obter a temperatura a partir do comprimento de onda da luz.
Dada a vastidão cósmica, provavelmente há outros lugares ainda mais frios por aí do que o que descobrimos até agora. Simplesmente temos que continuar procurando.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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