Três dias após a divulgação dos resultados do primeiro turno das Eleições 2022, o governo federal determinou um corte de R$ 1 bilhão nos recursos financeiros destinados às universidades e aos institutos federais, o equivalente a 5,8% do orçamento dessas instituições.
Dois dias depois, face às repercussões negativas do ato, e com a corrida presidencial ainda em aberto, o Ministério da Economia recuou e liberou os recursos, embora outra redução – equivalente a 7,2% do orçamento feito em maio – continue contingenciada.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo
Esses repetidos cortes de recursos para a ciência e a educação ao longo dos últimos quatros anos foram apresentados – com base em levantamentos efetuados pelo centro de estudos Sou Ciência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) – na 6ª edição do Encontros Serrapilheira, evento que reuniu, de 17 a 19 de outubro, pesquisadores e divulgadores científicos no Rio de Janeiro.
O que mostraram os levantamentos do Sou Ciência?
De acordo com a coordenadora do Sou Ciência, Soraya Soubhi Smaili, os estudos e levantamentos feitos pelo centro de estudos “têm mostrado grande queda nos recursos das 68 universidades federais, especialmente entre 2019 e 2022, prejudicando laboratórios, pesquisadores e infraestrutura de pesquisa.”
Usando dados do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento) do Ministério da Economia corrigidos pela inflação/IPCA, os pesquisadores apuraram que a rubrica “outras despesas correntes”, que registra custeio e assistência estudantil das universidades, caiu de R$ 8,1 bilhões em 2019 para R$ 4,4 bilhões em 2022.
A tungada representou um corte de 45% no dinheiro que seria destinado ao pagamento de água, energia, bolsas de estudo e prestação de serviço, entre outras despesas. Veja no quadro abaixo.
Fonte: SIOP/DivulgaçãoFonte: SIOP
Os investimentos nas universidades federais
A coisa piora um pouco quando são analisados os investimentos das universidades federais do Brasil, aqueles recursos destinados aos gastos patrimoniais, ou seja, compra de imóveis e terrenos, reformas e obras, além de outros itens essenciais, como equipamentos, computadores, livros e materiais permanentes.
Os números revelam que o investimento nas universidades federais despencou 50% entre 2019 e 2022, chegando a R$ 97,5 milhões em setembro deste ano. No ano passado, essa verba atingiu R$ 129 milhões. Confira:
Fonte: SIOP/Divulgação.Fonte: SIOP
Para se ter uma ideia do tamanho do tombo, basta lembrar que, segundo a série histórica dos últimos 22 anos, em um único ano – 2014, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff – o volume de investimentos chegou a R$ 1,5 bilhão. Isso representa uma redução de 94% nos últimos oito anos.
Recursos destinados a aplicações em ciência e tecnologia
No Brasil, o apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico é feito pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Esses recursos vêm de taxas e impostos que, por lei, deveriam ser aplicados especificamente nessa finalidade, apoiando universidades e institutos de pesquisa.
Mas nem sempre a arrecadação (dotação) do FNDCT é inteiramente aplicada, diz Smaili. Esse hiato entre o que se arrecada e o que se aplica em ciência e tecnologia vem crescendo ainda mais.
Enquanto em 2010 a diferença entre dotação atual e valor liquidado (reembolsável e não reembolsável) era de 32,8%, o valor em 2021 cresceu para 90%, conforme gráfico.
Fonte: SIOP/Divulgação.Fonte: SIOP
Uma dívida com a ciência e a tecnologia brasileiras
Para dar a real dimensão sobre a distribuição desses recursos governamentais, o Sou Ciência compilou o que foi arrecadado pelo FNDCT e efetivamente pago nos últimos 12 anos no Brasil. Atualizados, esses valores chegam a impressionantes R$ 44 bilhões conforme mostrado abaixo.
Fonte: SIOP/Divulgação.Fonte: SIOP
Smaili destaca: "Mesmo sem esses recursos, temos feito grandes contribuições para a sociedade brasileira, como foi mostrado na pandemia". Se eles fossem integralmente aplicados, afirma: "estaríamos produzindo mais conhecimento para saúde, biotecnologia, agricultura, preservação de águas e florestas, energias sustentáveis, ciência da computação."
Para o diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, Hugo Aguilaniu, "A ciência brasileira se encontra neste momento em uma situação extremamente preocupante de desmonte, e caberá ao próximo governo a sua recomposição estrutural e orçamentária."
Fontes