*Este texto foi escrito por uma colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Estudar atmosferas de exoplanetas sempre pareceu coisa de ficção científica. Mas essa é a realidade dos últimos avanços da astronomia!
Como podemos saber a química que está presente em planetas orbitando outras estrelas a centenas de anos-luz de distância? A ideia é analisar a luz da estrela que passa através da atmosfera do planeta.
Como fazemos isso? Quando um planeta passa na frente da estrela, nós temos o que é chamado de trânsito, e parte da luz da estrela é bloqueada. Não é incomum e podemos até mesmo ver acontecer aqui no nosso Sistema Solar. Quando planetas mais internos do que a Terra, no caso Mercúrio e Venus, passam na frente do Sol, conseguimos visualizar o trânsito desses planetas, que cobre uma fração da luz do Sol.
Trânsito de Mercúrio em 2003. Na imagem temos um time-lapse do trânsito: cada ponto representa um momento do trânsito onde o planeta cobria uma parte diferente da luz do Sol.Fonte: APOD
Agora, outra coisa acontece durante o trânsito dos planetas e exoplanetas. Bem perto da borda do planeta, a luz da estrela não é tampada. Onde existe a atmosfera do planeta, a luz atravessa essa atmosfera, e interage com a química da atmosfera do exoplaneta! Sabendo qual a química da estrela isolada, podemos então entender quais elementos químicos estão na atmosfera do (exo)planeta.
Existe uma classe de exoplanetas de que é ideal para esse tipo de estudo, os Júpiteres quentes. Esses planetas possuem massas semelhantes à de Júpiter, ou seja, são gigantes e extremamente gasosos. Mas, diferente de Júpiter, eles estão bem próximos de suas estrelas, e levam cerca de três dias para dar uma volta completa ao redor dela! A grande vantagem é que, por estarem próximos da estrela, o calor faz com que suas atmosferas evaporem para maiores altitudes. Dessa forma, esses exoplanetas possuem atmosferas bem estendidas, o que permite um estudo mais detalhado delas.
E o que a astronomia encontrou até agora é de se arrepiar.
Para começar, em 2020, um estudo mostrou que em um desses exoplanetas gigantes gasosos e quentes, o WASP-76b, chovia Ferro. Sim, você leu direito, Ferro. O mecanismo por trás desse feito é uma combinação de altas temperaturas e uma orbita que segue um acoplamento de maré. Não se assuste pelo nome, isso significa o seguinte: o período orbital e o dia desse planeta são os mesmos. Isso faz com que o planeta tenha sempre a mesma face voltada para a sua estrela enquanto a orbita. Não é incomum, a nossa própria Lua tem o mesmo tipo de orbita. Por isso sempre vemos a mesma face da Lua!
Uma ilustração do movimento da Lua. À direita, vemos o movimento real da Lua, onde o seu período de rotação e orbital são exatamente o mesmo. Com isso, vemos sempre a mesma imagem. À esquerda, conseguimos ver a hipótese caso a Lua não rodasse a si mesma. Se esse fosse caso, ao orbitar a Terra, veríamos diferentes faces da Lua, o que não acontece.Fonte: Wikipedia
Pois bem, esse efeito de sempre ter uma face voltada para a sua estrela hospedeira faz com que a face que é dia seja extremamente mais quente que a face que é noite. Essa diferença de temperatura causa ventos fortes que segue da face quente para a fria. E aí podemos entender o seguinte: na parte de dia, as temperaturas elevadas causam a evaporação do Ferro. Os ventos fortes levam o vapor de ferro para a parte que é noite. Ali, as temperaturas mais amenas permitem que o vapor condense e chova Ferro. É definitivamente admirável como isso é exótico da nossa realidade. Mas admirável de longe, porque seria impossível sobreviver em um ambiente tão hostil para nós.
Concepção artística do lado noturno do planeta, onde chove ferro.Fonte: ESO
Outro estudo mais recente descobriu, esse mês, o elemento mais pesado já detectado em uma atmosfera de um exoplaneta, o Bário. E, mais curioso ainda, esse elemento estava presente em partes altas da atmosfera! O Bário é 2.5 vezes mais pesado do que o Ferro. Esse fato junto das gravidades elevadas desses exoplanetas gigantes, criam uma dúvida: como esse elemento não caiu para camadas mais inferiores da atmosfera do exoplaneta? O mecanismo por trás desse efeito, de manter um elemento pesado nas camadas superiores da atmosfera desses exoplanetas, ainda não é conhecido e pergunta está em aberto.
Camila de Sá Freitas, colunista do TecMundo, é bacharel e mestre em astronomia. Atualmente é doutoranda no Observatório Europeu do Sul (Alemanha). Autointulada Legista de Galáxias, investiga cenários evolutivos para galáxias e possíveis alterações na fabricação de estrelas. Está presente nas redes sociais como @astronomacamila.
Categorias