Dispositivos vestíveis (wearables, no inglês), como relógios e pulseiras inteligentes (smartwatches e smartbands), podem monitorar e exibir relatórios sobre como dormimos com boa precisão, ainda que sem poder de diagnóstico. Mas especialistas alertam que pessoas que possuem algum distúrbio do sono, como a insônia, ronco e bruxismo, não se beneficiam do monitoramento. Em alguns casos, o uso dos aparelhos pode até agravar sintomas.
“Os vestíveis são bons para alguns casos. Medidas mais gerais, como tempo total de sono, tempo que a pessoa passou acordada durante a noite e a eficiência do sono, são bem feitas por esses dispositivos. Mas monitorar o sono não é só isso”, diz Gabriel Natan Pires, biomédico e pesquisador do Instituto do Sono, em São Paulo.
Hábito de dormir com smartwatch tem se popularizado para monitorar o sono (crédito: Shutterstock)
Segundo Pires, é mais relevante ter informações sobre os estágios do sono, do mais leve ao mais profundo, que é essencial para o descanso do corpo e da mente. E é aí que os dispositivos começam a falhar.
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“Quando a pessoa tem os ciclos regulares, sem distúrbios do sono, a medição é boa. O problema é quando falamos de pessoas que têm algum distúrbio. Para elas, que têm os ciclos desorganizados, o relógio não funciona direito”, afirma Pires.
Assim, quem mais precisa da tecnologia, não pode contar com ela — considerando que o relatório fornecido pelo relógio pode estar incorreto, elas podem não buscar ajuda médica por confiar em dados potencialmente falhos.
Cada relógio ou pulseira inteligente pode usar tecnologias diferentes para monitorar o sono, mas, via de regra, acelerômetro (que detecta movimentos) e sensor óptico de frequência cardíaca são os recursos mais usados para fazer essa medida.
Alguns relógios usam o sensor óptico de frequência cardíaca para obter informações sobre o sono (crédito: Shutterstock)
“Qualquer monitoramento de saúde pode ser útil, mas é importante entender que trata-se de uma estimativa, não de uma verdade absoluta”, diz a médica neurologista Rosa Hasan, especialista em medicina do sono e coordenadora do Ambulatório de Sono do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP).
Segundo Hasan, para minimizar riscos de mau uso, deve-se buscar informações sobre o aparelho, seu funcionamento e suas limitações. “Se vier algum resultado que assusta, é preciso ter uma interpretação médica sobre o dado”, diz.
Smartwatch pode agravar a ansiedade
Segundo os especialistas, os relógios inteligentes, geralmente conectados ao smartphone, podem agravar a ansiedade e a insônia, duas coisas que frequentemente andam juntas.
“Para pessoas que têm dificuldade para dormir, o celular pode ser um problema que perpetua a insônia”, diz Pires.
De acordo com Hasan, os dados mal interpretados, que podem confundir a cabeça do usuário, também podem gerar ansiedade e atrapalhar ainda mais o sono.
Um estudo publicado em 2018 na revista científica Journal of Sleep Research mostrou que pessoas com insônia que recebiam falsos relatórios negativos sobre seu sono logo de manhã, gerados por um relógio, tinham um dia pior do que aqueles que recebiam um relatório positivo (mas também falso). Essas pessoas que recebiam o parecer negativo experimentavam um pior humor, mais sonolência e tinham mais dificuldade para realizar as tarefas do dia.
O estudo mostra que embora os relógios inteligentes tenham inúmeras vantagens (como o monitoramento de atividades físicas), seu uso não pode ser feito de maneira indiscriminada. Cada um deve avaliar a necessidade de ficar com o dispositivo no braço 24 horas por dia.
Relatórios constantes sobre a qualidade do sono pode piorar a ansiedade e a insônia (crédito: Shutterstock)
Para Hasan, os dispositivos são promissores e devem baratear o custo do diagnóstico de distúrbios do sono no futuro. Hoje, esse exame, conhecido como polissonografia, é caro e precisa de uma grande estrutura para ser feito — o paciente passa a noite em uma clínica tendo vários parâmetros medidos durante o sono por diferentes aparelhos.
“Hoje, se o paciente me traz esses dados do relógio, eu vejo no contexto do que é contado na consulta. Mas não devemos acreditar só naquilo”, diz Hasan.
“O desafio agora é fazer esses relógios funcionarem bem para as pessoas que precisam. No futuro, eles vão ser dispositivos médicos, equipamentos formais de diagnóstico, mas antes precisam funcionar bem para todos”, afirma Pires.
Até lá, a busca por um exame de diagnóstico preciso, consultas e terapias com especialistas devem ser as primeiras opções de quem detecta sinais de distúrbios de sono.
Segundo os especialistas, dificuldade para pegar no sono, sonolência durante o dia, dor na mandíbula ao acordar (que pode ser sinal de bruxismo) e acordar várias vezes durante a noite para ir ao banheiro devem ligar o sinal de alerta.