*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
No ano de 1915, pouco tempo depois da publicação do primeiro artigo sobre a Teoria da Relatividade Geral por Albert Einstein, um outro físico alemão, Karl Schwarzschild, encontrou uma solução para as equações de Einstein que eram aplicáveis ao caso mais simples de um objeto perfeitamente esférico e extremamente denso: um buraco negro.
- Leia também: Como seria cair em um buraco negro?
Schwarzschild não foi, contudo, o primeiro a idealizá-lo. A ideia de um corpo com essas características – um corpo tão massivo que até mesmo a luz seria incapaz de escapar de sua influência gravitacional – remonta a 1783, quando o cientista de Cambridge, John Michell, propôs a hipótese da sua existência.
Representação artística de um buraco negro.Fonte: D. Berry/NASA
Um século após os resultados de Schwarzschild (hoje conhecidos como o raio de Schwarzschild) e diversos debates sobre a existência de corpos com essa natureza depois, muitas outras soluções matemáticas e evidências observacionais impuseram uma certeza na nossa realidade física: os buracos negros realmente existem.
Mas com o que eles se parecem? Como podemos vê-los, se eles não emite nenhum tipo de radiação eletromagnética?
Devido à matéria orbitando e caindo em torno de buracos negros – tanto nos buracos negros estelares, menores, quanto os buracos negros supermassivos nos centros das galáxias – é possível detectar as emissões de raios-X em regiões próximas. Além disso, é possível também observar e medir os movimentos de estrelas individuais que orbitam regiões aparentemente vazias na galáxia, que são características que confirmam a existência dos buracos negros.
Buraco negro da galáxia M87.Fonte: EHT
No dia 10 de abril de 2019, vimos, pela primeira vez na história, o resultado de uma nova forma de observar um buraco negro. A colaboração do Event Horizon Telescope (EHT) divulgou a primeira imagem bem-sucedida do horizonte de eventos de um buraco negro localizado no centro da galáxia Messier 87 (M87): a maior e mais massiva galáxia dentro do nosso superaglomerado local de galáxias.
O EHT é uma colaboração internacional de observatórios ao redor do planeta formada para levar a interferometria em comprimentos de onda curtos a um outro nível. Para isso, o EHT baseia-se na técnica de vincular antenas de rádio espalhados em diferentes regiões de todo o mundo para criar um interferômetro que possui um tamanho equivalente ao da Terra. Desse modo, obtém-se o potencial necessário para medir o tamanho das regiões de emissão de buracos negros, como foi o caso para o centro da M87.
Localização dos telescópios do EHT.Fonte: EHT
A uma distância de 55 milhões de anos-luz, o buraco negro central de M87 possui uma massa estimada cerca de 6,5 bilhões de vezes maior que a massa do nosso Sol. Seu tamanho corresponde a um tamanho maior que o da órbita de Plutão ao redor do Sol, ou seja, maior que boa parte do nosso Sistema Solar.
Na manhã desta quinta-feira (12), o EHT divulgou mais um feito sem precedentes: a primeira imagem do buraco negro central da nossa galáxia: o Sagittarius A* (Sgr A*)!
Primeira imagem da história do buraco negro no centro da Via Láctea.Fonte: EHT
Sgr A* é bem menor e bem menos massivo que o buraco negro de M87, o que fez a tarefa ser particularmente mais complexa que em 2019. Sgr A* está a apenas 27 mil anos-luz de distância e, em vez de 6,5 bilhões de massas solares, a massa de Sgr A* é estimada em cerca de 4 milhões de massas solares. Além disso, ele possui um tamanho equivalente à órbita de Mercúrio: comparativamente, se Sgr A* fosse um pequeno donut, o buraco negro de M87 seria um estádio de futebol!
Por ele ser menor e menos massivo, seu brilho é menos intenso e varia mais rapidamente, o que dificulta a obtenção da imagem. Contudo, essa imagem não é o buraco negro em si (já que isso é impossível pelo fato de nenhuma luz sair dele), mas sim de um das suas características mais fundamentais: o gás brilhante ao seu redor revela a assinatura da região central escura, chamada de “sombra”, cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel.
A imagem do Sgr A* foi construída de forma similar à de sua predecessora: os radiotelescópios do EHT espalhados pelo mundo realizaram medições temporalmente simultâneas da mesma região no céu; ao registrar essas várias imagens, foi possível unir os dados em uma única imagem, uma vez que Sgr A* possui brilho o suficiente para tal empreitada. A imagem foi então processada computacionalmente e gerou o resultado que agora podemos ver pela primeira vez na história.
Comparação entre o buracos negro da M87 e Sgr A*.Fonte: ESO
Esse feito impressionante, que seria equivalente a qualquer um de nós enxergar uma pequena moeda na superfície da Lua, confirma mais uma vez uma das previsões da Teoria da Relatividade Geral de Einstein e auxiliará nossa compreensão do que acontece no centro da nossa galáxia e como esses buracos negros supermassivos afetam o ambiente ao seu redor.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
Fontes
Categorias