Dois estudos publicados no início deste ano por pesquisadores brasileiros reforçam uma hipótese que tem ganhado adeptos na comunidade científica: a de que a evolução dos distúrbios neurovegetativos pode ser influenciada pela microbiota intestinal. Os trabalhos descrevem a forma pela qual o desequilíbrio entre as bactérias patogênicas e benéficas do intestino – a disbiose – pode facilitar o surgimento da doença de Parkinson.
Falando à Agência Fapesp, ligada à instituição pública de fomento à ciência do estado de são Paulo, que apoiou as pesquisas, o coordenador de ambas as equipes, Matheus de Castro Fonseca, explicou que “Estudos têm mostrado que o diagnóstico da doença de Parkinson ocorre tardiamente. E que o distúrbio pode se originar muito mais cedo no sistema nervoso entérico [que controla a motilidade gastrointestinal], antes de avançar para o cérebro por meio das fibras autonômicas.”
No trabalho mais recente, publicado na revista iScience em março, os pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de Campinas, se concentraram em compreender os produtos secretados pela bactéria Akkermansia muciniphila, abundante em amostras fecais de portadores de Parkinson esporádico, quando não há fator genético envolvido.
Fonte: Amorim Neto et al./iScience/Divulgação.Fonte: Amorim Neto et al./iScience
Subindo do intestino para o cérebro
O estudo das secreções da Akkermansia, cultivadas na ausência de muco intestinal, causaram estresse nas mitocôndrias (responsáveis pela respiração celular) de células específicas do epitélio intestinal chamadas enteroendócrinas (EEC).
Essas unidades funcionais têm muitas características comuns às dos neurônios, inclusive a expressão da proteína alfa-sinucleína (aSyn), cuja incorporação está intimamente ligada à doença de Parkinson.
A grande descoberta dos brasileiros foi que a proteína aSyn, agregada nos intestinos pela proliferação descontrolada de bactérias, pode migrar para o sistema nervoso central, iniciando um provável mecanismo de surgimento da doença de Parkinson. Não por acaso, diz Fonseca, pessoas com predisposição ao Parkinson apresentam quadros prévios de constipação intestinal.
Como as doenças neurodegenerativas não têm cura, saber como preveni-las é fundamental. "Antes o foco das pesquisas era o cérebro. E, com décadas de estudos, não se avançou muito nesse sentido. Agora estamos redirecionando o foco, do cérebro para os intestinos", afirma Fonseca. Afinal, moldar a microbiota intestinal é mais fácil do que tentar reverter um quadro já instalado no sistema nervoso central do paciente.
ARTIGOS - Nature Scientific Reports - DOS: 10.1038/s41598-022-08076-5; iScience - DOS: 10.1016/j.isci.2022.103908.