*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Estamos mais uma vez na Semana Santa e nos aproximamos do Domingo de Páscoa, festividade cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo que ocorreu no terceiro dia após sua crucificação, segundo os textos bíblicos do Novo Testamento.
Mesmo aqueles que não são cristãos costumam aproveitar as datas associadas à Semana Santa (que no Brasil é vinculado a um feriado nacional) com os símbolos e os padrões culturais desta festividade unidos a um bom e merecido descanso.
A Última Ceia, afresco de Leonardo da Vinci.Fonte: Domínio público
Porém, todos nós já reparamos que as datas da Semana Santa geralmente não coincidem de um ano para outro. Ano passado, por exemplo, o domingo de Páscoa foi no dia 4 de abril e em 2020, no dia 12 de abril. Este ano a Páscoa será no próximo domingo, dia 16, e no ano que vem, em 2023, cairá no dia 9 de abril. Existem anos em que esta data cai até mesmo nos últimos dias de março. Mas por que isso acontece?
A resposta para essa pergunta não é algo que encontramos nos comerciais de ovos de chocolate, mas certamente está associada a um fenômeno muitíssimo conhecidos por qualquer um de nós e se relaciona com a ciência mais antiga de todas: a astronomia!
Lua Cheia (crédito: Simon Smith)
O Novo Testamento afirma que Jesus ressuscitou dos mortos em um dia de domingo por volta da época da Páscoa judaica, conhecida pelos judeus como Pessach. A Igreja Católica primitiva buscou preservar a ordem cronológica celebrando a Páscoa logo após a festa também de data móvel da Pessach.
Por essa razão, durante o Primeiro Concílio de Niceia ocorrido no ano 325 d.C. sob o auspício do imperador Constantino I, a Igreja determinou que a melhor maneira de fazer isso era estabelecer a data da Páscoa como o primeiro domingo após a primeira Lua Cheia que aparecesse no céu depois do equinócio de Março.
O equinócio ocorre sempre no momento em que o Sol, em sua órbita aparente no céu percebida da Terra, cruza o equador celeste, que é a projeção da linha do equador terrestre na esfera celeste. Ele marca a chegada da primavera no hemisfério norte e do outono no hemisfério sul.
Representação esquemática dos equinóciosFonte: NASA
Por conta disso, a escolha da Igreja foi pautada também em um forte significado simbólico, já que a chegada da primavera representa um tempo de renovação. Além disso, adicionar a Lua Cheia como parâmetro para a definição da data da Páscoa facilitou, e muito, a peregrinação dos primeiros cristãos que viajavam a Jerusalém, fornecendo mais luz no céu noturno o que facilitou suas jornadas de longas distâncias e as tornou mais seguras.
A primeira Lua Cheia após o equinócio de março também é conhecida como a Lua Cheia pascal, justamente porque é a única Lua Cheia do ano que é usada para definir o dia da Páscoa em qualquer data.
À época, existia um problema, contudo: a astronomia do império romano nos primeiros séculos da nossa era ainda não era avançada o suficiente para entender e contabilizar os efeitos da precessão axial - a alteração contínua do eixo de rotação de um corpo celeste induzida pela gravidade — que faz com que a data do equinócio mude ligeiramente todos os anos entre os dias 19, 20 ou 21 de março. Isso fez com que a Igreja fixasse a data do equinócio em 21 de março.
Para complicar ainda mais a determinação da data da Páscoa, o cristianismo ocidental segue o calendário gregoriano, enquanto o cristianismo oriental continua a usar o calendário juliano, que acumulou 13 dias fora de sincronia desde o Primeiro Concílio de Niceia. Por essa razão, no Ocidente a Páscoa é geralmente comemorada em um domingo entre os dias 22 de março e 25 de abril enquanto no Oriente ela é celebrada em datas que variam desde 4 de abril até 8 de maio.
Pintura mostra o Primeiro Concílio de NiceiaFonte: Domínio público.
Essa é, inclusive, a razão pela qual o Carnaval também costuma mudar de data todos os anos! Sigamos o seguinte raciocínio: os sete dias que antecedem o Domingo de Páscoa marcam o início da Semana Santa; o período de exatos 40 dias antes do início dessa semana é chamado de quaresma, iniciado na Quarta-Feira de Cinzas; sete dias antes desta quarta-feira, a folia carnavalesca tem início oficial. Em resumo, o Carnaval ocorre sempre 47 dias antes da Páscoa!
Finalmente, é importante notar que a relação entre festividades religiosas e eventos celestes não é exclusividade do cristianismo. Festividades judaicas e também islâmicas (como o Ramadã, por exemplo), são associados aos calendários astronômicos, principalmente ao calendário lunar. Isso faz com que suas celebrações também variem nas datas ao longo da progressão dos anos.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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