Não é só o Sars-CoV-2 que tem a capacidade de sofrer mutações a ponto de gerar novas variantes. Via de regra, todos os vírus apresentam essa característica.
Em relação ao HIV, que é um vírus de RNA, isso acaba sendo ainda mais relevante, dada a alta taxa de mutações e recombinações.
Um estudo recente publicado na revista Science descreve uma “nova” variante do vírus da imunodeficiência humana (HIV) descoberta na Holanda. Na realidade, ela circula desde meados dos anos 1990, mas as repercussões só foram mais bem estabelecidas nessa análise. Chamada de VB (virulent subtype B), é um subtipo da variante mais prevalente na Europa e nas Américas, que é o HIV tipo B.
Distribuição global das variantes do HIV. (Fonte: Semwanga, 2019)
A grande diferença é que, no momento do diagnóstico, a carga viral dos pacientes com a VB foi de 3,5, 5,5 vezes mais alta se comparada a outros casos de HIV do tipo B, porém de subtipos diferentes do VB. É sabido que a contagem de carga viral tem relação com o prognóstico, e esse achado, por si só, já era suficiente para levantar um ponto relevante. Porém, além disso, a taxa de queda de CD4 (células do sistema imunológico (linfócitos), principal alvo do vírus HIV) oi desproporcionalmente mais acelerada nos casos de VB. Apenas 9 meses são suficientes para o CD4 cair abaixo de 350 e de 2 a 3 anos para estar abaixo de 200.
No grupo não VB, são necessários 36 meses para alcançar 350 e de 7 anos a 8 anos para chegar a 200. Ou seja, o tempo entre a infecção e a evolução para síndrome da imunodeficiência humana (Aids) é muito menor com a nova variante. Isso é explicado em parte pela carga viral inicial e em parte pela alteração da própria virulência.
Diferença da carga viral inicial; velocidade na queda do CD4; curva de sobrevida. (Fonte: Wymant et al, 2022)
A boa notícia é que após o início do tratamento antirretroviral não houve diferença na evolução do CD4 e na mortalidade, apesar de o N não ser suficiente para identificar diferenças sutis nesses desfechos.
O HIV, que surgiu na década de 1920, aos poucos foi se adaptando ao hospedeiro humano e somente após a década de 1980 passou a ter uma distribuição global. Nos quase 40 anos do descobrimento do vírus, ele já matou 36 milhões de pessoas. Atualmente, 38 milhões de indivíduos vivem com HIV/Aids; desses, 6 milhões não sabem do diagnóstico.
Cada organismo que vive com o vírus sem diagnóstico ou tratamento dá oportunidade para o vírus sofrer mutações e gerar novas variantes. Assim como o Sars-CoV-2, somente irão perdurar as variantes que tiverem alguma vantagem competitiva do ponto de vista evolutivo. No caso do HIV, pode ser uma capacidade maior de transmissão ou resistência às atuais opções de tratamento.
A conclusão do estudo é que, com a otimização do diagnóstico por meio da distribuição mais ampla de testes associado ao tratamento, haverá menor possibilidade de geração de novas variantes, o que deve ser prioridade no enfrentamento do HIV.
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Bernardo Almeida é médico infectologista e chief medical officer da Hilab, health tech que desenvolveu o Hilab, primeiro laboratório descentralizado a usar testes laboratoriais remotos. É especialista em Infectologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com residência em Clínica Médica, Medicina Interna e Infectologia no Hospital de Clínicas; mestrando em Medicina Interna pela mesma universidade, na área de Doenças Infecciosas — Epidemiologia das Síndromes Respiratórias Agudas Graves em Adultos. Tem experiência em clínica médica, bem como em doenças infecciosas e parasitárias, além disso participa de grupos de pesquisa sobre vírus respiratórios.
Fontes