*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Do que o Universo é feito? Quando fazemos essa pergunta, em voz alta ou dentro da nossa cabeça, normalmente nós (ou o nosso interlocutor) começamos a pensar em coisas que conseguimos observar diretamente.
“De átomos!”, ouviríamos. Esses blocos fundamentais que constroem as coisas como os planetas, as estrelas, as galáxias e todas as outras formas de matéria que conhecemos.
À medida que a humanidade foi evoluindo no seu entendimento das leis da física, evoluiu também o conhecimento sobre a estrutura da matéria, passando a descobrir um número cada vez maior de partículas e antipartículas, todas descritas por um modelo teórico padrão bem consolidado.
Contudo, mesmo se somássemos a quantidade de partículas, átomos e moléculas que compõem toda a matéria e radiação que existe no Universo, chegaríamos ao pequeno resultado de de 5% em relação a tudo que existe. Para falar dos componentes do Universo, dois personagens adicionais são necessários: a matéria escura e a energia escura.
Componentes constituintes do UniversoFonte: Cláudio Gomes
A matéria escura corresponde a cerca de 27% do Universo e é, acredita-se, uma forma de matéria que só interage gravitacionalmente: isto é, não pode ser detectada através da radiação eletromagnética direta. Sua existência é inferida a partir dos efeitos gravitacionais que provoca sobre a matéria visível, como as galáxias e os aglomerados de galáxias.
Por fim, a maior parcela daquilo que constitui o Universo — cerca de 68% — está na forma de uma substância exótica e misteriosa: a energia escura. Embora corresponda à maior parte da energia que existe, ela foi completamente desconhecida até o final da década de 1990, e ainda hoje os cientistas desconhecem por completo a sua natureza. O que sabemos, entretanto, é contar um pouco de sua história.
Há aproximadamente 13,8 bilhões de anos atrás, o universo como o conhecemos surgiu no evento cataclísmico conhecido como o Big Bang. A radiação eletromagnética que viaja até nós e é captada por nossos telescópios nos permite reconstruir, com bastante confiança, diga-se de passagem, a história cósmica até os dias atuais. Somos até mesmo capazes de prever alguns cenários possíveis para o futuro.
Representação da expansão do Universo desde o Big Bang.Fonte: SKA/NASA
Quanto mais distante olhamos no Universo, mais rapidamente as galáxias afastam-se umas das outras. A conclusão mais imediata que tiramos dessas observações é que o Universo continua em expansão e, como viemos a saber em 1998, em expansão acelerada!
O que está causando isso é justamente a energia escura. Ela foi revelada pela primeira vez através da observação de sinais de luz de supernovas muito distantes: com as medições de suas distâncias, os cientistas concluíram que apenas a matéria e a radiação não eram suficientes para explicar a dinâmica cósmica. O universo precisava de uma nova e diferente forma de energia.
Essa nova forma de energia se comporta como se fosse uma forma de energia inerente ao próprio tecido do espaço. À medida que o Universo se expande, a matéria fica menos densa (uma vez que o volume aumenta), a radiação fica menos densa (também uma vez que o volume aumenta) e também fica menos energética (uma vez que os fótons passam à possuir comprimentos de onda mais longos). Porém, a densidade da energia escura sempre permanece constante.
Com o passar dos bilhões de anos, a densidade da radiação e da matéria caíram abaixo da densidade da energia escura que, por sua vez, passou a dominar cada vez mais a expansão do espaço que observamos hoje, acelerando-o e afastando as galáxias entre si cada vez mais.
Com o passar do tempo, os objetos não ligados gravitacionalmente à nossa galáxia iriam se afastar e os únicos pontos de luz no céu noturno serão as galáxias em nosso Grupo Local. Porém, em algum ponto no futuro, a Via Láctea irá se fundir com as galáxias vizinhas e mesmo os telescópios mais poderosos não revelariam nenhuma outra galáxia além da nossa, mesmo que observassem o o espaço ao longo de meses.
E então? Considerando que a humanidade ou alguma outra espécie inteligente resista de algum modo por bilhões de anos no futuro, o que aconteceria com nosso conhecimento do passado? Como saberíamos que outras galáxias já existiram e que o Universo foi, um dia, mais do que nossa galáxia? Como saberíamos que tudo um dia começou?
No futuro, as galáxias ficarão cada vez mais afastadas umas das outras.Fonte: NASA
Bom, algumas pistas ainda permaneceriam, tanto teoricamente quanto observacionalmente. Contudo, desvendá-las não seria uma tarefa simples. As pistas mais fortes viriam das mesmas considerações teóricas que aplicamos nos primórdios da relatividade geral de Einstein e da astronomia estelar de estrelas próximas.
A partir dessas evidências, sendo espertos o suficiente, alguma espécie sobrevivente nesse futuro remoto poderá fazer inferências corretas sobre a origem do Universo e das estruturas que um dia nos foram vizinhas.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
Categorias