Na atual pandemia de Covid-19, nos deparamos com um patógeno com alta capacidade de transmissão. O SARS-CoV-2, também conhecido como o novo coronavírus, nos estimulou a investir na tecnologia para combatê-lo. Os diferentes tipos de vacinas são um bom exemplo disso. Porém, outra tecnologia tem sido bastante utilizada e tem sido pouco reconhecida pelo público geral: o sequenciamento genético.
O SARS-CoV-2 acumula cerca de duas a três mutações por mês e sua alta capacidade de mudar ao longo do tempo (evoluir) impõe grandes desafios. Decifrar as sequências genéticas das novas variantes virais que surgem naturalmente passou a ser uma tarefa de rotina em diversos países, que têm feito fortes investimentos em programas de vigilância genômica para monitorar as variantes em circulação.
Desde o início da pandemia, mais de 9 milhões de sequências genômicas do coronavírus foram disponibilizadas no banco de dados GISAID (gisaid.org). Mas de que maneira o sequenciamento e a vigilância genômica podem nos ajudar?
Por que a vigilância genômica é importante?
As sequências genéticas de patógenos como vírus e bactérias servem como “código de barras” que podem ser usados não só para determinar a espécie do agente causador da doença, como distinguir linhagens de variantes dentro de cada espécie. O sequenciamento genético pode nos responder essa pergunta básica: qual organismo causou o surto da doença? A pandemia de Covid-19, nos mostrou a importância da rápida detecção de um patógeno, em especial um com alta capacidade de transmissão, como o novo coronavírus, SARS-CoV-2.
À medida que este vírus se disseminou rapidamente, em escala global, e foi se diversificando, gerando variantes do vírus original de Wuhan, outra dúvida que o sequenciamento tem ajudado a resolver é onde o vírus e suas variantes estão circulando. Por meio do sequenciamento, podemos não só confirmar qual o subtipo do patógeno em circulação, como também podemos inferir suas origens geográficas, ou seja, por onde ele passou antes de chegar em nosso território, e por qual rota ele costuma se disseminar.
O material genético dos vírus sofre mudanças de forma muito rápida, e em taxas quase constantes. Essa constância, similar a um “relógio molecular”, nos permite usar os dados de sequenciamento genético para responder outra pergunta fundamental: quando um patógeno surgiu ou foi introduzido numa região? Muitos devem lembrar de outra pandemia que o Brasil enfrentou em 2015: Zika vírus, que teve seu primeiro caso reportado em maio daquele ano. Usando dados genéticos, foi possível estimar o período mais provável de introdução daquele vírus no Brasil, revelando que ele circulou por cerca de um ano até ser oficialmente reportado. A vigilância genômica cumpre um papel importante para o alerta precoce da presença de novos vírus em circulação.
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Por fim, outra informação relevante que a vigilância genômica nos traz é como variantes de patógenos podem impactar medidas farmacológicas de controle de epidemias, como medicamentos e vacinas. Embora muitas mutações não mudem o funcionamento molecular dos patógenos, uma minoria delas pode, sim, causar mudanças que impactam diretamente a eficácia de drogas e imunizantes. Dados de vigilância têm sido essenciais, por exemplo, para determinar quais cepas virais devem ser incluídas na formulação de vacinas contra a gripe. Olhando diretamente para a genética dos patógenos podemos definir melhor quais estratégias usaremos para combatê-los.
A vigilância genômica de patógenos cumpre papel importante para a tomada de decisões e implementação de políticas públicas com base em evidências científicas. Esta é uma atividade complexa, que envolve profissionais com formações diversas, como clínica (para identificar casos suspeitos e coletar amostras e dados associados), laboratorial (para processar as amostras e obter as sequências genéticas), e computacional (para analisar os dados em combinação com outros dados).
Logo, trata-se de uma estratégia que exige investimentos constantes, não só para custear a mão de obra interdisciplinar, como para dar aos profissionais as ferramentas necessárias para a execução do trabalho de forma rápida. Essa pandemia nos mostrou o quanto a rapidez da resposta é essencial para as intervenções de saúde pública.
A vigilância genômica no Brasil avançou entre 2020 e 2021 e somos hoje mais capazes de monitorar os patógenos em circulação. Os avanços que nosso País alcançou no campo da vigilância genômica representam um legado positivo que nos ajudará a responder a futuras epidemias.
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Esse texto foi produzido em parceria com Anderson Fernandes de Brito, pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS).
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