Um estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) concluiu que a pobreza na infância está associada a uma maior probabilidade de transtornos mentais externalizantes na adolescência e no início da vida adulta, especialmente entre meninas.
Caracterizados por comportamentos como agressão, violação de regras, impulsividade e desatenção, tais transtornos prejudicam o desempenho escolar, resultando em maiores taxas de repetição e desistência. Exemplos incluem o Transtorno Desafiador de Oposição (TDO) e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
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"Crianças e jovens adultos com distúrbios externalizantes podem ter maior probabilidade de ficar para trás na aprendizagem, no desenvolvimento social e no mercado de trabalho, aumentando a probabilidade de pobreza na futura vida adulta", afirma a autora principal do estudo e pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carolina Ziebold.
Publicada em dezembro de 2021 no European Child & Adolescent Psychiatry, a pesquisa foi o primeiro estudo brasileiro a analisar a saúde mental de crianças e jovens adultos com base em avaliações psiquiátricas feitas em mais de uma ocasião.
Transtornos externalizantes estão relacionados a uma maior taxa de repetição e desistência escolar. (Shutterstock)Fonte: Shutterstock
Durante sete anos, pesquisadores acompanharam mais de 1,5 mil estudantes de escolas públicas nas cidades de Porto Alegre e São Paulo, dos quais 11,4% viviam em condições de pobreza. Os participantes foram avaliados psiquiatricamente na infância (9 a 10 anos), na adolescência (13 a 14 anos) e no início da vida adulta (18 a 19 anos).
“Na primeira etapa, crianças de famílias pobres tinham níveis mais baixos de transtornos externalizantes do que as crianças não pobres, mas depois de alguns anos a curva foi invertida e os distúrbios aumentaram continuamente entre as crianças pobres, com uma probabilidade de 63% de desenvolvimento de distúrbios, enquanto eles diminuíram entre as não pobres", relata Ziebold.
Os pesquisadores concluíram que a pobreza multidimensional (que além de renda, engloba fatores como baixa escolaridade parental, condições precárias de habitação e falta de acesso a bens e serviços básicos) é fator de risco a transtornos mentais na vida adulta, assim como vivenciar eventos de vida estressantes, a exemplo de mortes frequentes e conflitos familiares.
A maior exposição a eventos estressantes pode ser um dos motivos para que meninas pobres tenham maior propensão a esses transtornos. “Elas tendem a assumir a responsabilidade por mais trabalho doméstico desde cedo, como o cuidado de irmãos mais jovens e de membros doentes da família. Esta carga extra as expõe mais a eventos estressantes da vida, aumentando a probabilidade de desenvolver transtornos de saúde mental na vida adulta”, hipotetiza Ziebold.
Pobreza aumentou na pandemia
Para Ziebold, é preocupante o aumento da pobreza que ocorreu durante a pandemia de covid-19. Em relatório da Unicef de dezembro de 2021, estimou-se que mais de 100 milhões de crianças entraram na pobreza multidimensional desde março de 2020, um aumento de 10% desde 2019.
Um estudo estadunidense já mostrou que a redução da pobreza através da distribuição de renda pode melhorar a capacidade cognitiva de crianças, mas Ziebold afirma que também são necessárias ações de longo prazo.
"Não há soluções rápidas. Ações imediatas, como a dispensa das mensalidades escolares e o fornecimento de transferências de dinheiro e assistência de renda para famílias pobres são importantes, mas também é necessário pensar em medidas mais amplas envolvendo a promoção de habilidades socioemocionais, redução do estresse, acesso à educação e acesso a serviços de saúde mental”, conclui a pesquisadora.
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