*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
A Ciência, juntamente com suas teorias e equações, são invenções humanas para explicar a natureza, ou tais coisas são apenas descobertas de algo que “já estava lá”? Esse é um questionamento que quase todo cientista deve ter realizado a si mesmo em algum momento. A resposta pra essa questão é algo bastante complexo, mas podemos tentar aqui elaborar algumas coisas.
Primeiramente, não será possível chegarmos em uma resposta binária (principalmente em um texto tão breve), mas podemos tentar buscar, ao menos, um melhor entendimento de algo que é multifacetado que está no cerne do fazer científico. Para isso, observemos, por exemplo, a famosa Lei da Gravitação Universal de Isaac Newton, que é capaz de predizer o movimento de corpos celestes baseada na força de atração gravitacional entre eles com incrível precisão (ainda mais se pensarmos que essa Lei foi formulada no fim século XVII).
Ilustração mostra o cientista britânico Isaac Newton (1643-1727)Fonte: Shutterstock
O interessante aqui, é que a precisão, isto é, o número de casas decimais com que a Lei da Gravitação Universal é capaz de descrever o movimento de planetas do sistema solar, não era possível de ser calculada à época, uma vez que os instrumentos de medição como telescópios e relógios eram bastante rudimentares, e só foi possível ter uma melhor noção dessa precisão com a evolução tecnológica dos instrumentos de medida.
Esse fato, nos faz pensar que a Ciência é apenas descoberta, pois, com uma mesma teoria (Newtoniana), foi possível descrever um fenômeno natural por séculos com o máximo de precisão disponível. Porém, o sucesso dessa teoria atingiu um limite quando, com melhores telescópios, algumas imprecisões relativas à mudanças nas órbitas dos planetas em torno do Sol foram observadas no século XIX.
Observatório astronômico em Mauna Kea, no HavaíFonte: Shutterstock
Quando uma teoria científica amplamente aceita por séculos encontra um problema como esse, a solução é, invariavelmente, a formulação de uma nova teoria que seja tão boa, ou melhor, quanto a anterior na predição de todos os fenômenos já contemplados, com o adicional de ser precisa justamente nos problemas em que a teoria inicial não consegue ser. Essa nova teoria pode sofrer mais ou menos resistência da comunidade científica, mas a história da Ciência nos mostra que eventualmente sua compreensão acaba sendo bastante ampla dentre os cientistas.
A teoria que “substituiu”, por assim dizer, a teoria Newtoniana foi a popularmente conhecida Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Para entender pelo menos parte dessa teoria, podemos partir do princípio que, apesar do nome recebido, uma das afirmações feitas por Einstein é que nem tudo é relativo. A velocidade da luz, por exemplo, possui sempre o mesmo valor, independentemente de quem a observa.
Retrato do cientista Albert Einstein (1879-1955) em parede de São Petersburgo (Rússia)Fonte: Shutterstock
Essa afirmação sobre a velocidade da luz pode parecer simples, mas suas consequências foram e são revolucionárias. Imagine uma máquina capaz de lançar bolinhas de tênis, por exemplo, sempre com uma mesma velocidade. Se colocarmos essa máquina em uma plataforma que se move no mesmo sentido da saída das bolinhas, é intuitivo, e correto, dizer que as bolinhas que saem da máquina sairão com uma velocidade maior do que no início devido ao movimento da plataforma.
Quando substituímos o termo “bolinhas” pelo termo “luz”, tudo muda. Imagine agora a luz que sai do farol de um carro. Se o carro está parado, a luz sai sempre com a mesma velocidade. Na situação em que o carro está em movimento, a luz deveria sair com maior velocidade, certo? Errado! A velocidade da luz é a maior velocidade possível em nosso universo, isso significa que, mesmo em um carro que está em movimento, a luz que sai de seus faróis andará sempre à mesma velocidade.
Carro com faróis acessosFonte: Shutterstock
As implicações disso são fenômenos como a distorção na percepção de espaço e de tempo para observadores diferentes. Sim, o tempo passa diferente se você está em movimento ou se você está parado. Essas distorções ocorrem mesmo para velocidades pequenas, como as velocidades de pessoas correndo ou de carros, mas são imperceptíveis. Para que sejam palpáveis, precisamos ter velocidades muito, mas muito altas mesmo!
Um exemplo dessa distorção temporal é bem representado no filme "Interestelar" de 2014. No caso do filme a distorção é causada por um outro aspecto da teoria da relatividade que não somente a mudança de velocidade, mas observamos astronautas em um planeta onde uma hora é equivalente a 7 anos terrestres, o que é perfeitamente possível dentro da teoria de Einstein.
Representação do planeta que sofre a dilatação temporal no filme Interestelar (2014).Fonte: Paramount Pictures
De volta à nossa questão inicial, toda essa discussão pode nos fazer pensar que a teoria de Einstein foi “inventada” com a finalidade de cobrir as imprecisões da teoria anterior. Porém, a teoria da relatividade vem encontrando sucessos em suas previsões mais de um século depois de ser proposta, como foi o caso da primeira medição de ondas gravitacionais em 2015.
Tais sucessos não poderiam ser imaginados por Einstein ou qualquer cientista da época, uma vez que o detector de ondas gravitacionais não existia até então. Enquanto a teoria de Einstein continuar encontrando sucessos em suas previsões, o trabalho dos cientistas é testar ao máximo e tentar levar esse conhecimento ao limite. Com isso, o questionamento sobre a Ciência ser inventada ou descoberta fica, de certa forma, em aberto, sendo essa uma de suas belezas.
Rodolfo Lima Barros Souza, professor de Física e colunista do TecMundo. É licenciado em Física e mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Unicamp na área de Percepção Pública da Ciência. Está presente nas redes sociais como @rodolfo.sou
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