Em dezembro do ano passado, um grupo de astrônomos publicou na revista científica Monthly Notices da Royal Astronomical Society os resultados do estudo de uma galáxia atípica que parece não possuir nenhuma matéria escura em sua composição.
O trabalho, liderado por Pavel Mancera Piña, astrônomo da Universidade de Groningen na Holanda, apresenta a análise da galáxia AGC 114905, localizada a cerca de 250 milhões de anos-luz do Sistema Solar. A AGC 114905 pertence a uma categoria de galáxias chamada de ultra-difusas (UDG, da sigla em inglês ultra-diffuse galaxies): sistemas de baixíssima luminosidade descobertos em 1984 que são constituídas essencialmente de estrelas velhas.
Embora esses objetos estranhos sejam pouco massivos e contenham relativamente menos estrelas que uma galáxia espiral comum, eles podem ser tão grandes quanto a Via Láctea e se distribuem por todo o espaço em imensas distâncias.
Por possuir um brilho muito fraco, esses sistemas são comumente difíceis de detectar. No entanto, a última geração de telescópios capazes de realizar observações mais profundas e com melhor qualidade possibilitou o estudo mais aprofundado das galáxias de baixa luminosidade.
Galáxia AGC 114405 em verdeFonte: Javier Román & Pavel Piña/WIRED
Foi exatamente isso que fizeram Pavel Piña e sua equipe: eles apontaram as 27 antenas do radiotelescópio do Very Large Array, localizado no estado do Novo México, nos Estados Unidos, e observaram por horas a galáxia AGC 114905. A escolha desse sistema, porém, não foi feita ao acaso: observações anteriores já indicavam que esta galáxia, juntamente com outras cinco, poderiam ser muito pobres em matéria escura.
De acordo com os principais modelos teóricos de formação e evolução de galáxias, tais sistemas são mantidos gravitacionalmente devido à presença dessa misteriosa componente chamada de matéria escura, uma componente invisível aos telescópios por não emitir e nem absorver a radiação eletromagnética que, segundo estimativas, compõe cerca de 85% de toda a matéria do Universo.
Representação artística da Via Láctea e o seu halo de matéria escura (em azul).Fonte: ESO/L. Calçada
Contudo, quando a equipe de astrônomos mapeou a cinemática das estrelas e do gás da AGC 114905, eles não detectaram nenhum indício de que houvesse massa excedente para além da matéria visível, o que indica que a galáxia possui muito pouca ou até nenhuma matéria escura.
Uma das possíveis explicações que o grupo sugere é que esta galáxia poderia ter “jogado fora” toda sua matéria escura em interações gravitacionais com uma outra galáxia próxima maior e mais massiva. Porém, o problema dessa hipótese é que não parecer haver galáxia capaz de tal feito nas vizinhanças de AGC 114905.
Embora algumas outras galáxias individuais também já tenham sido apresentadas como sistema sem matéria escura, esse novo estudo não implica necessariamente em um problema para as teorias de matéria escura. Novas observações e novas análises estão previstas para serem feitas no futuro próximo (inclusive com o novo Telescópio Espacial James Webb) com essas e outras galáxias exóticas para resolver mais esse enigma cósmico.
ARTIGO Monthly Notices: doi.org/10.1093/mnras/stab3491
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