Este texto é a terceira parte de uma série de reportagens sobre o lítio e a eletrificação dos transportes; saiba mais no final da página.
- Carros elétricos são menos poluentes do que veículos movidos a combustíveis fósseis
- Especialistas argumentam que os carros elétricos sozinhos não vão dar conta de resolver os problemas ambientais
- É necessário estimular o uso de meios de transporte ainda menos poluentes, como as bicicletas e a caminhada
A substituição dos veículos movidos a combustíveis fósseis pelos elétricos traz a promessa de um futuro com ar mais limpo da poluição e o controle dos danos causados pela humanidade ao meio ambiente. Os carros eletrificados, porém, estão longe de garantir sozinhos a redução de impacto ambiental de que precisamos.
Para minimizar os impactos do transporte sobre o meio ambiente, é necessário incentivar os modais ativos, como a caminhada e o uso de bicicletas (Ilustração: TecMundo)
Antes de continuarmos, é preciso lembrar que os carros elétricos são, sim, alternativas menos poluentes aos veículos que usam gasolina, diesel ou álcool para se mover. Mas especialistas fazem o alerta de que a atenção excessiva dada à transição para veículos eletrificados pode ofuscar meios de transporte ainda mais sustentáveis, como a caminhada e as bicicletas.
Um estudo publicado em 2020 na revista científica Nature Sustainability mostrou que os carros elétricos emitem menos gases poluentes na maior parte do mundo, mesmo onde a matriz energética ainda não é tão limpa e renovável ainda.
De acordo com o artigo, assinado por um grupo internacional de pesquisadores, somente em países que usam maciçamente o carvão para gerar eletricidade, caso da Polônia e da África do Sul, as emissões dos carros elétricos chegam a ser maiores do que as de carros movidos a combustíveis fósseis.
Isso significa que os carros elétricos são um bom negócio para o Brasil, país que é conhecido por ter uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo — em grande parte por causa do uso das hidrelétricas.
“Carros elétricos não são verdadeiramente carbono zero. A mineração dos materiais para suas baterias, a fabricação dos veículos e a geração da eletricidade de que eles necessitam produzem emissões" (Christian Brand, físico e pesquisador da Universidade de Oxford)
Uma pesquisa divulgada em 2021 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), feita com dados de 2019, concluiu que 45% da matriz energética brasileira é composta por fontes de energia limpa e renovável, com as hidrelétricas responsáveis por quase 30% de toda a geração.
Ainda assim, os carros elétricos podem não ser suficientes para lidar com as mudanças climáticas. Para Christian Brand, físico e pesquisador da Universidade de Oxford, os incentivos dados somente aos carros elétricos podem, na verdade, atrasar uma mudança para eliminar as emissões de gases poluentes pelos transportes.
“Carros elétricos não são verdadeiramente carbono zero. A mineração dos materiais para suas baterias, a fabricação dos veículos e a geração da eletricidade de que eles necessitam produzem emissões", escreve Brand em um texto publicado pela universidade no ano passado.
“Uma forma de reduzir as emissões dos transportes rapidamente, e potencialmente no mundo todo, é trocar os carros pelas viagens ativas — caminhadas, bicicletas e bicicletas elétricas. As viagens ativas são mais baratas, saudáveis, melhores para o meio ambiente, e não são mais lentas em ruas urbanas congestionadas", continua o pesquisador.
Ciclovia da avenida Paulista, em São Paulo (crédito: Shutterstock)
Em artigo publicado em fevereiro de 2021 na revista científica Transportation Research Part D: Transport and Environment, Brand e um grupo de pesquisadores europeus descrevem um estudo realizado em sete cidades daquele continente que mostrou que as emissões de gases poluentes das pessoas que fazem seus deslocamentos com caminhadas ou bicicletas são 30 vezes menores do que as de pessoas que usam carros movidos a combustíveis fósseis.
As emissões de poluentes das viagens ativas foram ainda 10 vezes menores do que as de viagens feitas com carros elétricos.
Segundo estimativa do pesquisador, mesmo que todos os carros novos vendidos hoje fossem elétricos, o que pode acontecer somente na próxima metade deste século, ainda seriam necessários de 15 a 20 anos para trocar toda a frota de veículos movidos a combustíveis fósseis.
Para que mais viagens ativas sejam possíveis nas cidades, é necessário remodelar o espaço urbano, diz Marcel Martin, arquiteto, urbanista e coordenador do portfólio de transportes do ICS (Instituto Clima e Sociedade).
"É importante não apostar que a transição elétrica vai resolver todos os problemas do transporte e da mobilidade" (Marcel Martin, coordenador do portfólio de transportes do Instituto Clima e Sociedade)
“Quando trocamos para o carro elétrico, há um impacto imediato na qualidade do ar e na redução das emissões de gases do efeito estufa, mas podemos perder uma chance enorme de repensar as cidades brasileiras, que são ‘carrocêntricas’", diz.
“O desenho geral é uma calçada minúscula e um espaço maior para carros e ônibus. O ideal seria termos calçadas e ciclovias mais largas, faixas exclusivas para ônibus e o que sobrar para os carros", diz Martin. “O uso do carro, como é feito hoje, transportando poucas pessoas por veículo, é muito ineficiente", afirma.
Nessa transição, a adoção de veículos menores elétricos, como patinetes, bicicletas e motocicletas, além de ampliar o alcance do transporte sobre trilhos, com trens e metrôs, pode colaborar.
“É importante não apostar que a transição elétrica vai resolver todos os problemas do transporte e da mobilidade. A população mais carente vai continuar tendo falta de acesso se não houver um olhar social. A eletrificação muitas vezes vem um discurso limpinho, de um mundo perfeito, mas esta é a oportunidade para repensarmos o uso dos carros, que têm um impacto urbano gigantesco", afirma Martin.
Este trabalho foi possível graças a uma bolsa para a produção de trabalhos jornalísticos em temas de ciência, a qual foi concedida pela Fundación Gabo e pelo Instituto Serrapilheira, com o apoio do Escritório Regional de Ciências da UNESCO para a América Latina e Caribe.
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