Este texto é a segunda parte de uma série de reportagens sobre o lítio e a eletrificação dos transportes; saiba mais no final da página.
- O Brasil possui lítio e pode se tornar um exportador de destaque para a produção de baterias
- Qualquer atividade mineradora pode causar danos graves ao meio ambiente quando é feita sem os devidos cuidados
- Especialistas defendem mais investimentos em desenvolvimento científico e tecnológico para que a exploração do lítio seja mais sustentável
O Brasil tem potencial para se firmar entre os maiores produtores de lítio do mundo, metal essencial para as atuais baterias que movem carros elétricos e fazem os aparelhos portáteis funcionar. Mas para que a atividade seja feita de maneira sustentável é preciso investir em pesquisas de mapeamento para saber onde está o lítio acessível e fomentar ciência para desenvolver técnicas de extração que minimizem danos ao meio ambiente.
A exploração de lítio tem impactos ambientais que não podem ser ignorados (Ilustração: TecMundo)
Dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) publicados em 2021 colocam o Brasil como dono da sétima maior reserva de lítio conhecida no mundo; são 95 mil toneladas que poderiam ser exploradas de acordo com a tecnologia e as leis atuais. O total de recursos de lítio no país (que soma as reservas disponíveis ao total do metal ainda inacessível) está estimado em 470 mil toneladas.
Segundo a USGS, o Brasil foi o quinto maior produtor do metal no mundo em 2020, com a produção estimada em 1.900 toneladas. No mesmo ano, a Austrália produziu 40 mil toneladas (1º) e o Chile chegou a 18 mil toneladas (2º).
“Precisamos melhorar nossa capacidade, podemos ocupar posições melhores no ranking pois temos locais com muito potencial para exploração do lítio", afirma a geóloga Ioná Cunha, chefe da Divisão de Projetos Especiais e Minerais Estratégicos do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM).
A extração do lítio no Brasil é feita em pedreiras de pequeno e médio porte em Minas Gerais, principalmente na região do Vale do Jequitinhonha, nordeste do estado. Embora menos prejudiciais do que as grandes minas que possuem barragens de rejeitos, há sempre danos associados à extração de qualquer minério.
De acordo com o engenheiro de minas Luis Enrique Sánchez, professor na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), os impactos dependem do local onde a mina está instalada e das técnicas utilizadas pela empresa. Pode haver desmatamento na área para viabilizar a atividade, deslocamento de moradores, geração de poeira, ruídos e rejeitos que podem contaminar os cursos de água próximos.
Rio Jequitinhonha em trecho que passa pelo estado de Minas Gerais (crédito: Shutterstock)
O uso de água é outra preocupação, uma vez que o lítio é encontrado geralmente em regiões mais áridas, onde a disponibilidade de água tende a ser crítica.
“O impacto é pontual e pode ser reduzido com ações conscientes e responsáveis das empresas mineradoras. Quando a atividade é realizada com responsabilidade os danos são muito baixos, mas quando é feita sem o devido cuidado, os problemas podem ser sérios", afirma Cunha, do SGB/CPRM.
Nas minas brasileiras, as rochas que contêm lítio são quebradas por explosões ou outro método mecânico. As rochas reduzidas passam por outros processos (físicos ou químicos) até que o material se torne o concentrado do metal que pode ser usado na indústria.
“A detonação separa a rocha que contém o lítio, mas a concentração do metal nesse estágio é ainda muito baixa. O material precisa passar por processos que aumentam a concentração do lítio em relação a outros minerais presentes na rocha, como o quartzo ou o feldspato", explica Sánchez, da USP.
“O processo começa na mina, mas existe uma série de etapas posteriores de processamento que são feitas em outras instalações que não existem no Brasil ainda; a Austrália, maior exportador do concentrado de lítio no mundo, manda para a China processar o material, por exemplo", diz Sánchez.
No país, pelo menos três mineradoras têm atividade relacionadas à exploração do lítio: Companhia Brasileira de Lítio (CBL), AMG Mineração e Sigma Lithium, que deve iniciar a venda do concentrado em 2022.
A Sigma afirma produzir o “lítio verde”, que conta com processos mais sustentáveis na cadeia, e aposta no rótulo para ganhar o mercado internacional.
Via de regra, o concentrado de lítio vendido pelas empresas tem o formato de um composto granulado que pode ter diferentes tamanhos a depender da aplicação desejada. O concentrado passa por outros processos antes de ir para as baterias.
“O impacto é pontual e pode ser reduzido com ações conscientes e responsáveis das empresas mineradoras. Quando a atividade é realizada com responsabilidade os danos são muito baixos, mas quando é feita sem o devido cuidado, os problemas podem ser sérios" (Ioná Cunha, chefe da Divisão de Projetos Especiais e Minerais Estratégicos do Serviço Geológico do Brasil)
Ana Cabral-Gardner, co-presidente executiva da Sigma, diz que a tecnologia usada pela empresa para chegar ao concentrado de maneira mais sustentável não é nova, mas foi aperfeiçoada e adaptada para fazer a separação e concentração do lítio sem usar ácidos que podem contaminar solo e água no entorno da planta de produção.
A executiva diz que o método usado pela empresa faz a separação do lítio por densidade, processo que conta com algoritmos desenvolvidos pela própria companhia. “No Brasil temos energia elétrica limpa e renovável abundante, e a água que usamos pode ser reaproveitada. Nosso lítio já é conhecido como o lítio verde do Brasil", afirma Cabral-Gardner.
Ainda há desafios a serem superados pela Sigma, como o diesel usado pelos caminhões que fazem o transporte do lítio e a destinação dos rejeitos, hoje empilhados a seco — opção mais segura e menos danosa para o ambiente do que as barragens.
Durante o período de demonstração, parte do processo da Sigma é feito no Canadá, mas a planta comercial, prevista para começar a funcionar em 2022, vai fazer todas as etapas no Brasil, diz a executiva. Até a metade deste ano, o investimento da Sigma deve atingir R$ 1,2 bilhão.
Onde está o lítio do Brasil?
O SGB/CPRM desenvolve um projeto que avalia o potencial do lítio no Brasil. A iniciativa tem o objetivo de fornecer um panorama geral da presença do metal no país. Na primeira fase, a região investigada foi o Vale do Jequitinhonha, no nordeste do estado de Minas Gerais, onde estão hoje as principais mineradoras que produzem o lítio por aqui.
Segundo Ioná Cunha, a segunda fase do projeto, realizada nos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba, está em finalização. Em 2022, uma nova etapa deve ser iniciada no estado do Ceará.
Pesquisadora do Serviço Geológico do Brasil na Província Pegmatítica da Borborema, entre os estados do Rio Grande do Norte e Paraíba, durante levantamento que avalia potencial do lítio no país (crédito: divulgação)
Pesquisadora do Serviço Geológico do Brasil na Província Pegmatítica da Borborema, entre os estados do Rio Grande do Norte e Paraíba, durante levantamento que avalia potencial do lítio no país (crédito: divulgação)
“A proposta do projeto é entender melhor as áreas já mineralizadas e descobrir novos depósitos, mas para saber quanto de recurso existe precisamos de muito estudo e pesquisa", diz Cunha.
O Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que o lítio é um mineral estratégico para o país. Segundo a pasta, a quantidade de lítio conhecida no Vale do Jequitinhonha já pode fazer com que o Brasil fique entre os maiores produtores do metal no mundo no médio prazo.
“Com inúmeras pesquisas em andamento para aumentar o potencial mineral na região, projetos em execução da Sigma e AMG Mineração, além da mina em operação da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), o país vem passando por uma forte ampliação de sua produção que deve posicioná-lo como um exportador mundial", diz o ministério por e-mail.
De acordo com o MME, a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM) estabeleceu um plano de ações para o setor mineral no Programa Mineração e Desenvolvimento com metas a serem cumpridas entre os anos de 2020 e 2023; a definição de uma política para os minerais de interesse estratégico para o país, entre eles o lítio, está no plano.
A iniciativa prevê ainda o fortalecimento de ações científicas na área da geologia, desenvolvimento tecnológico e regulação. O ministério não detalhou as ações.
Para os especialistas, o estímulo à pesquisa para o desenvolvimento tecnológico deve ser o norte nesse processo.
O tempo entre descobrir o lítio em um local e começar a produção pode chegar até a dez anos. Depois de extraído, o desafio é agregar valor ao minério em etapas que o Brasil ainda não domina e depende de investimento e ciência para desenvolver.
“Vamos conseguir ser competitivos? Ou vamos ficar na nossa tradição de país que exporta minérios com baixo valor agregado?" (Paulo Braga, pesquisador e vice-diretor do Centro de Tecnologia Mineral - Cetem)
O MME diz que o governo atua em medidas e políticas para agregação de valor ao minério e geração de produtos como forma de atrair investimentos nos elos seguintes da cadeia industrial do lítio, mas especialistas ouvidos pelo TecMundo dizem que há um longo caminho para que o Brasil possa avançar no beneficiamento do lítio em território nacional antes de ganhar relevância no mercado internacional, especialmente o das baterias, que é mais exigente com relação à pureza do lítio que compra.
“Teve desenvolvimento nos últimos cinco anos, mas ainda é pouco tempo. Precisamos da tecnologia para viabilizar os custos das operações", afirma o engenheiro químico Paulo Braga, pesquisador e vice-diretor do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
Um dos principais pesquisadores do tema no país, Braga conhece de perto como é a produção do lítio em outros lugares e diz ver algum atraso do Brasil em relação aos seus principais concorrentes nesse mercado.
“Vamos conseguir ser competitivos? Ou vamos ficar na nossa tradição de país que exporta minérios com baixo valor agregado?", questiona.
Desenvolver a cadeia do lítio no país pode ter um impacto econômico e social especial no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do Brasil.
No rastro das empresas que se instalaram ali, veio a implantação de escolas técnicas e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, com cursos voltados para a formação de profissionais de mineração.
“A atividade traz melhorias sociais. Mesmo que a quantidade de empregos geradas diretamente não seja significativa, há benefícios para outras áreas, como comércio e transporte", diz Braga.
Para Cabral-Gardner, da Sigma, o Brasil tem potencial para se tornar um fornecedor de prestígio internacional, e ainda atrair outros benefícios na esteira. “É a chance que temos de levar desenvolvimento ao Vale do Jequitinhonha", conclui.
Este trabalho foi possível graças a uma bolsa para a produção de trabalhos jornalísticos em temas de ciência, a qual foi concedida pela Fundación Gabo e pelo Instituto Serrapilheira, com o apoio do Escritório Regional de Ciências da UNESCO para a América Latina e Caribe.
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